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CAPÍTULO 1 – PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS DA PESQUISA: O

1.1 Rede de Políticas Públicas: uma abordagem de análise

A metodologia de análise de redes sociais não se constitui numa teoria, podendo ser utilizada com distintas abordagens teóricas e para a discussão das relações entre Estado e sociedade (MARTELETO, 2001). Além disso, essa metodologia não constitui um fim em si mesma, mas representa um meio para que seja possível realizar uma análise estrutural de diferentes situações e questões sociais, permitindo compreender como uma rede de muitos elos interfere na configuração de uma dada “ordem”, que não pode ser vislumbrada mediante a análise de seus elos separadamente.

Em relação aos diferentes significados do termo rede (network), elegeu-se, neste trabalho a seguinte definição:

[...] sistema de nodos e elos; uma estrutura sem fronteiras; uma comunidade não geográfica; um sistema de apoio [...]. A rede social, derivando desse conceito, passa a representar um conjunto de participantes autônomos, unindo ideias e recursos em torno de valores e interesses compartilhados (MARTELETO, 2001, p. 72).

A partir dessa definição, as redes sociais trazem como metodologia de análise a evidência de que indivíduos, grupos e instituições organizam suas ações em espaços políticos em função de socializações e mobilizações alimentadas no interior das redes, permitindo que

esse movimento interfira na relação Estado/sociedade. Além disso, vale destacar que o conceito de redes (network) encontra diversas significações em diferentes correntes das ciências sociais, e se difundiram nos anos 1980 e 1990 para outras áreas do conhecimento, colocando em evidência as estruturas e os contextos que permeiam as relações entre Estado e sociedade.

Os estudos sobre redes tiveram grande impulso no âmbito acadêmico mediante um campo das relações internacionais com o fim da Guerra Fria, momento em que se propicia um movimento de reflexão acerca da globalização, redefinindo atores num contexto de ordem/desordem dos sistemas políticos (MARTELETO, 2001). Nesse cenário, muitas pesquisas em diferentes correntes das ciências sociais começam a ser realizadas, tendo como foco a reflexão do movimento de ordem/desordem instaurado nos sistemas políticos. Apesar da diversidade de áreas em que são realizados os estudos sobre redes, é convergente a afirmação de que não existe uma “teoria de redes sociais” e que o referido conceito pode ser utilizado com distintas abordagens teóricas e para a discussão das relações entre Estado e sociedade.

Lavalle, Castello e Bichir (2006, p. 21) destacam que “[...] a análise de redes sociais não constitui uma teoria e tampouco um conjunto de técnicas estatísticas complexas, mas uma estratégia analítica passível de utilização à luz de diferentes perspectivas conceituais e teóricas”.

A análise de redes pode ser empregada no estudo de distintos fenômenos sociais e apresenta a vantagem de permitir detectar as posições e papéis desempenhados pelos diferentes organismos em sentido estrutural. Com isso, a análise de redes não pode ser tomada como um fim em si mesma, mas compreendida como um meio para analisar de forma estrutural um dado fenômeno, a partir das relações entre os elos que formam a rede. Nessa perspectiva, a análise de uma díade (relação entre dois elementos) deve ser compreendida no conjunto das outras díades da rede, uma vez que a configuração de uma rede não se dá pela soma direta das relações, mas, sim, por meio do movimento dialético que cada díade estabelece com outras díades e com a forma da rede (MARTELETO, 2001).

Nesse movimento dialético, a redes não apresentam, necessariamente, um centro hierárquico e uma estrutura verticalizada. Ao contrário, sua configuração é delineada pela existência de relações de poder, produzidas pelos elos que se estendem por uma estrutura extensa e horizontal. Com isso, pode-se depreender que uma rede com muitas díades constitui uma certa configuração que não pode ser compreendida apenas por seus elos individuais.

A partir desse pressuposto, a utilização do conceito de rede, neste estudo, pretende evitar o viés normativo, que apresenta as redes como “a solução” para os problemas da governação, preocupando-se em definir como “deveriam ser”. Ao contrário, procura-se privilegiar um viés mais analítico, que permita desvelar as variantes que interferem nas configurações assumidas por determinada estrutura. Ou seja, uma análise que não tome uma formação social como uma estrutura dada, mas como uma configuração concreta construída por um conjunto de atores e das relações estabelecidas entre si.

Dentre as diferentes concepções de rede, levam-se em conta, também, neste estudo, outras significações: considerações dos elos e das relações em detrimento das estruturas hierárquicas; estruturas sem fronteiras onde decisões micro são influenciadas pelo contexto macro, e vice-versa, onde a rede estabelece as conexões necessárias.

Uma crítica frequente à análise de rede refere-se ao fato de muitos de seus proponentes realizarem “descrições matemáticas elegantes das estruturas sociais” sem, no entanto, demonstrar, numa perspectiva analítica, as consequências comportamentais de tais estruturas e as relações interorganizacionais envolvidas (MIZRUCHI, 2006, p. 76).

Ponderando-se sobre a importância de uma abordagem analítica, Lima (2007) aprecia três aspectos essenciais para a análise das redes: gênese, composição e estrutura. Em relação à gênese, o autor assinala que as redes podem ser constituídas a partir de duas variantes principais: redes fabricadas e redes auto-organizadas. No primeiro caso, as redes são construídas como mecanismos de coordenação e governação7, como uma estratégia para criar e sustentar uma ação. Um exemplo de redes fabricadas é quando o autor situa as redes constituídas pelo Estado para sustentar suas políticas, tecidas por meio de parcerias público- privadas, parcerias com a sociedade civil e diferentes instituições. No segundo caso, as redes auto-organizadas, ao contrário das primeiras, envolvem interações não diretivas desencadeadas a partir da sociedade civil, como os fóruns sociais, associações de educadores, movimentos sociais associativos, associações de escolas que se constituem voluntariamente, sem a intervenção direta do Estado etc. Nesses casos, as redes podem ser estabelecidas de forma paralela e até em oposição ao Estado (auto-organizadas) ou de forma incorporada e complementar a ele (redes fabricadas). Em relação à composição das redes, Lima (2007, p. 174) distingue cinco modalidades:

7 Governação no sentido proposto pela Terceira Via que sugere que a governabilidade deve ser pensada como

algo capaz de sintonizar ações do Estado com os organismos da sociedade civil, um conceito relevante para designar algumas formas de capacidades administrativas ou reguladoras (LIMA; MARTINS, 2005).

- redes ego-centradas – compreendem o conjunto de actores com os quais um determinado actor focal mantém interacção, bem como as relações existentes entre eles (por exemplo, todas as entidades com as quais a escola X mantém uma interacção regular e significativa e as relações existentes entre tais entidades);

- redes de actores individuais – constituem conjuntos de pessoas singulares e dos laços que se estabelecem entre elas (por exemplo, movimentos pedagógicos que unem educadores em rede, como é o caso do Movimento da Escola Moderna);

- redes de actores colectivos – são formalmente idênticas às anteriores, com a excepção de que, neste caso, cada actor da rede é uma pessoa colectiva (uma empresa, uma escola, um movimento associativo etc.);

- redes mistas – compreendem conjuntos mistos de actores individuais e colectivos;

- meta-redes – são redes de actores colectivos “de segunda ordem”: cada actor na rede é, ele próprio, uma rede – dito de outro modo, trata-se de “redes de redes”.

Por fim, com relação à estrutura, as redes podem ser tipificadas pelas propriedades de suas relações: densidade, centralização e fragmentação. Uma rede marcada pela densidade apresenta uma alto grau nas relações entre seus elos, uma grande percentagem de vínculos envolvendo os seus membros. Em uma rede esparsa, as relações entre os membros acontecem de forma mais dispersa e com baixo grau de intensidade e frequência. Já uma rede marcada pela centralização evidencia que as relações entre os elos ocorrem com predominância em um de seus núcleos. E uma rede caracterizada pela fragmentação apresenta uma configuração marcada pela subdivisão de seus elos, subdividindo-se em setores, entre os quais as relações ocorrem de forma sutil ou até mesmo nula.

Esses elementos oferecem ferramentas importantes para compreender a dinâmica envolvida no processo de constituição de redes de políticas, uma vez que a análise de sua gênese, sua composição, estrutura e propriedades permitem desvelar o jogo de forças e interesses que sustentam uma determinada rede.

Estudos de Mizruchi (2006) ressaltam que o princípio básico da análise de redes encontra-se no conteúdo das relações definidas pela estrutura dessas relações sociais. Ou seja, uma análise de redes precisa considerar a centralidade de seus agentes, a identificação de subgrupos na rede e a natureza das relações entre os elementos e organizações. Tomando o governo, por exemplo, a partir dessa concepção de rede, ele passa a ser compreendido não como uma instituição fixa e unitária, mas composto por um conjunto de subgrupos que podem operar em oposição uns aos outros, sendo seus membros responsáveis por coalizões e disputas que vão além de seu interior, podendo alcançar agências externas a ele (MIZRUCHI, 2006). Refletindo sobre esse viés de análise, seria importante apreender as relações sociais entre

grupos e instituições dentro e fora do âmbito estatal para acompanhar o desenvolvimento de uma política governamental.

O desenvolvimento da análise de redes trouxe à tona estudos acerca da relação entre a centralidade e o poder dos agentes sociais em uma dada rede. Estudos mostram que, em determinados tipos de estruturas (Figura 1), a influências dos agentes assumem diferentes graus de centralidade e poder.

Figura 1 – Rede de acesso restrito com dez agentes

Fonte: Mizruchi, 2006, p. 75.

Na Figura 1 agentes com forte centralidade local/periférica, como 7, 8 e 9, podem exercer maior influência/poder do que agentes com elevada centralidade global, como o agente 10. Estudos de Bonacich (1987 apud MIZRUCHI, 2006) destacaram que o poder de influência de um agente pode ser maior se suas ligações forem estabelecidas com agentes relativamente periféricos, que lidam diretamente com os agentes focais, que se encontram nas extremidades das redes. Isso evidencia que, em redes sociais, a centralidade e o poder não estão correlacionados. Além disso, a relação centralidade-poder pode ser afetada por serem as redes “positiva” ou “negativamente” conectadas, ou seja, um elo entre os agentes 1 e 7 pode impedir qualquer vínculo entre os agentes 1 e 2, quando o agente 7 fracassa em produzir a associação esperada (MIZRUCHI, 2006). Nesse sentido, ressalta-se a relevância das coalizões dos agentes centrais para expandir seu raio de interferência.

Outro aspecto importante, na análise de redes sociais, refere-se às relações interorganizacionais que influenciam os elos e conteúdo da rede. Mizruchi (2006) afirma que muitos estudos analisam a posição de um agente/instituição em redes que acontecem de forma interorganizacional, ou seja, membros de uma empresa, por exemplo, não raro, atuam em

outras empresas ou organismos, e esses vínculos têm impactos sobre a centralidade e poder dos agentes dessa rede. Esse evento é exemplificado no trecho a seguir:

Quando duas empresas compartilham interligações com diversas outras (laços indiretos, que interpretei como indicador de equivalência estrutural), estão expostas a diversas fontes comuns de informação. Isso aumenta ainda mais a probabilidade de que contribuam para os mesmos candidatos (MIZRUCHI, 2006, p. 77).

Diante desse aspecto, muitas vezes, a presença de vínculos indiretos entre instituições associa-se às contribuições dos agentes interorganizacionais, de que pelo estabelecimento de vínculos diretos.

Tais observações evidenciam que a análise de redes de políticas pode contribuir para acompanhar a dinâmica latente do processo de articulação e embate de interesses envolvidos, decorrente da multiplicidade de atores envolvidos em torno de uma política pública, em especial, a política educacional PDE/PMCTE.

Thompson (2003 apud LIMA, 2007) reconhece que as redes, como objeto de análise, podem representar uma estratégia concreta de governação. Nesse sentido, a noção de rede tem sido empregada como um modelo de coordenação de uma sociedade em que o Estado permite e incentiva a atuação de diferentes atores tanto no processo formulação de políticas, como na oferta dos serviços públicos. Com isso, as redes de políticas também podem ser constituídas a partir das relações entre o Estado e organizações do chamado Terceiro Setor8, alimentadas pela influência dos pressupostos do chamado neoliberalismo de Terceira Via. E é nesse sentido que as redes serão utilizadas nesse estudo para se pensar a política educacional como mecanismo de governança, que sugere a articulação entre a esfera estatal e outras instituições, inclusive da esfera privada, o que será aprofundado mais adiante.

Considerando esse contexto de influência, busca-se, também neste trabalho, apoio em contribuições de Ball (1994; 1995; 1999; 2004; 2005; 2006; 2010; 2012; 2013) nos estudos sobre redes de políticas, na perspectiva da Abordagem do Ciclo Contínuo de Políticas.

8 O termo “terceiro setor” tem tanto sua origem ligada a visões segmentadoras, setorializadoras da realidade

social (nas tradições positivista, neopositivista, estruturalista, sistemista, funcionalista, do pluralismo e do institucionalismo norte-americano etc.), claramente distante do nosso referencial teórico-metodológico, quanto apresenta, como procuraremos demonstrar, forte funcionalidade com o atual processo de reestruturação do capital, particularmente, no que se refere ao afastamento do Estado de suas responsabilidades de resposta às sequelas da questão social, sendo, portanto, um conceito ideológico (como falsa consciência) portador da fundação de encobrir e desarticular o real. (MONTAÑO, 2010, p. 16). Para este autor, o termo é construído a partir de um recorte do social em esferas: “o Estado („primeiro setor‟), o mercado („segundo setor‟) e a „sociedade civil‟ („terceiro setor‟) [...]. Recorte neopositivista estruturalista e funcionalista que isola e automatiza a dinâmica entre essas três esferas. Como se o „político‟ pertencesse à esfera estatal, o „econômico‟ ao âmbito do mercado e o „social‟ remetesse apenas à sociedade civil, num conceito reducionista” (MONTAÑO, 2010, p. 53).

1.2 A abordagem do ciclo de políticas: ferramenta em investigação sobre as políticas