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1.1. Marcos epistemológicos

1.1.3. Abordagens epistemológicas

1.1.3.3. A Abordagem crítico-dialética

Outra abordagem epistemológca identificada na literatura e que também influencia a área de educação e da educação física é a abordagem crítico-dialética, que embora não tenha uma presença muito grande, também influencia o campo científico da área.

A dialética nos traz um modo de compreensão da realidade como essencialmente contraditória e em permanente transformação. No sentido moderno da palavra, o pensador dialético mais radical da Grécia antiga foi Heráclito de Éfeso (aprox. 540-480 a.C.). Nos fragmentos deixados por Heráclito encontramos escrito que tudo o que existe está em constante mudança, que o conflito é o pai e o rei de todas as coisas.

Umas das características essenciais da dialética é o espírito crítico e auto-crítico. Assim como examinam constantemente o mundo em que atuam, os dialéticos devem sempre estar dispostos a rever as interpretações em que se baseiam para atuar. Como coloca Konder (1998):

A dialética não dá “boa consciência” a ninguém. Sua função não é tornar determinadas pessoas plenamente satisfeitas com elas mesmas. O método dialético nos incita a revermos o passado à luz do que está acontecendo no presente; ele questiona o presente em nome do futuro, o que está sendo em nome do que “ainda não é” (Ernest Bloch). Um espírito agudamente dialético como o poeta Bertold Brecht disse uma vez: O que é, exatamente por ser tal como é, não vai ficar tal como está. (p.83)

Por isso, a crítica que esta abordagem traz pretende olhar além das aparências e não reduzir o que existe ao que está na superfície, mas sim perceber suas contradições, em um esforço de síntese, com a ressalva de que alguma crítica que se almeje será sempre

provisória e de maneira nenhuma deve pretender esgotar a realidade a que ela se refere, pois a realidade é sempre mais rica do que o conhecimento e a crítica que se pode ter dela.

Neste sentido são oportunas as palavras de Konder (1998): “há sempre algo que

escapa às nossas sínteses, isso, porém, não nos dispensa do esforço de elaborar sínteses, se quisermos entender melhor a nossa realidade” (p. 37). Pois, caso julgássemos poder

encontrar uma crítica que abarcasse toda a realidade, estaríamos negando a própria dialética – que é uma maneira de pensar elaborada em função da necessidade de reconhecermos a constante necessidade do novo na realidade humana, o que obriga a própria crítica a estar sempre se revendo e se sabendo sempre provisória e incompleta, ou seja, é próprio da dialética reconhecer que nenhum pensamento tem a totalidade ou o monopólio da crítica.

O método crítico dialético parte de uma maneira pela qual as pessoas geralmente representam algo e propõem uma nova maneira de ver, em uma nova síntese. Como colocava Hegel: primeiro se afirma uma tese, depois apresenta-se uma antítese, ou seja, a negação da tese, negação que é provocada por outros pontos de vista e enfim, apresenta-se uma síntese, que é uma nova maneira de ver, resultante do processo crítico (FOUREZ, 1995). Essa nova síntese não é, porém, por mais explícita e refinada que seja a crítica, uma visão absoluta das coisas, ou “o” único discurso crítico possível, ela é simplesmente uma nova maneira de ver resultante de um processo crítico. Essa nova tese poderá sempre ser confrontada com uma nova antítese a fim de produzir uma nova tese e assim por diante. Como disse sabiamente Marx no texto Para a Crítica da Filosofia do direito de Hegel: A

arma da crítica não pode decerto substituir a crítica das armas (...)26.

Atualmente a abordagem crítico-dialética está bastante associada com Marx27, Engels, Lenin e mais recentemente com inúmeros outros pensadores que se identificam com esta corrente, entre os quais destacamos alguns representantes da Escola de Frankfurt através da Teoria Crítica, são eles: Adorno28, Marcuse29, Horkheimer30, Habermas31, entre outros.

26 Ver www.lusosofia.net/textos/marx_karl_para_a_critica_da_filosofia_do_direito_de_hegel.pdf. Acesso em 07/10/2011.

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É importante citar que as correntes denominadas marxistas não podem, de maneira nenhuma, serem

consideradas como tendo o mesmo pensamento, já que existem diferenças imensas de uma corrente a outra, chegando ao ponto de haver inimizades importantes entre elas. Dentre uma grande multiplicidade de tendências podemos citar as correntes mais ligadas ao stalinismo e, em outro extremo, as tendências que se associam com Walter Benjamim, Antônio Gramsci e a Escola de Frankfurt.

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Logo de partida é interessante observar que enquanto na abordagem empírico- analítica privilegia-se o objeto, na abordagem fenomenológica-hermenêutica privilegia-se o sujeito, na abordagem crítico-dialética privilegia-se a interação entre ambos. Enquanto na 1ª abordagem encontramos um monismo epistemológico fixado nos fenômenos naturais, na 2ª abordagem encontramos um dualismo, que considera como irredutíveis os objetos das ciências sociais nas naturais, na 3ª abordagem encontramos um monismo epistemológico, porém fixado nas ciências sociais, particularmente na história. Neste sentido parece oportuna citar a declaração de Marx (1974):

(...) só conhecemos uma ciência, a ciência da história. A história pode ser considerada sob dois aspectos, pode ser dividida em história da natureza e em história da humanidade. Todavia, esses dois aspectos não devem ser separados. Enquanto os homens vivem, a história da natureza e a história dos homens se condicionam reciprocamente. (p. 55)

Para Marx (1974), a história da natureza e a história da humanidade são indissociáveis: uma só é inteligível relativamente à outra. A compreensão ativa do mundo natural e do mundo social constituem duas tarefas intelectual e dialeticamente unidas. Toda história deve partir das bases naturais onde vivem os indivíduos e das modificações que eles introduzem nelas. O que distingue a história natural da história social é o fato de o homem produzir seus próprios meios de existência, como resultado de sua ação sobre a natureza. Esta ação modifica o mundo natural e o mundo social. O conhecimento nasce do conflito entre o homem e a natureza e como resultado da ação humana para transformá-la. A relação entre conhecimento e ação é explicitada na categoria praxis. Neste sentido, somente pela praxis é possível conhecer e mudar o mundo.

Marx (1974) afirma a unidade do método histórico. Em seu entender, a história da humanidade e a da natureza tendem a se converter em história humana. As ciências da natureza compreenderão, mais tarde, a Ciência do Homem; e a Ciência do Homem englobará as ciências da natureza e haverá uma única ciência. A abordagem crítico- dialética não separa teoria e prática, saber e fazer, ciências naturais e ciências sociais. Por isso, o objeto do conhecimento não pode ser entendido como uma entidade autônoma e

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Sociólogo e filósofo alemão, naturalizado norte-americano que viveu entre 1898 e 1979. 30

Filósofo e sociólogo alemão que viveu entre 1895 e 1973. 31

Filósofo e sociólogo alemão, que continua, até o presente momento, muito prolífico, publicando novos

independente do sujeito. Entre o sujeito e o objeto se dá uma relação dinâmica. Nesse sentido todo conhecimento é conhecimento de alguma coisa e por alguém.

Como escreve no prefácio de O Capital, Marx propõe que o método materialista- histórico seja o método da Ciência (natural e humana). Diferentemente das outras duas abordagens, Marx não separa Ciência e Vida: “dizer que há uma base para a Vida e outra

para a Ciência é uma mentira”, é cair na alienação, porque a natureza não se opõe à

história: “a própria história é uma parte real da história da natureza, da transformação da

natureza em homem”. (Marx apud JAPIASSU, 2002, p. 43) O ser natural e o ser social se

identificam. As ciências da natureza compreendem as ciências humanas. Mas as ciências humanas englobam as ciências da natureza. Por isso, só há uma ciência: a ciência da história, ciência da natureza e ciência do homem. Não pode haver nenhum lugar para a existência de ciências humanas específicas e autônomas. O materialismo histórico só reconhece uma ciência, ao mesmo tempo da natureza e do homem. O desenvolvimento das pretensas disciplinas autônomas e aquilo que elas pretendem explicar são condicionados materialmente:

Mesmo as fantasmagorias do cérebro humano são sublimações, resultando necessariamente do processo de sua vida material, que podemos constatar empiricamente e que repousa em bases materiais. Por isso, a moral, a religião, a metafísica e tudo o que resta da ideologia, bem como as formas da consciência que lhes correspondem, perdem toda aparência de autonomia. Elas não têm história, não possuem desenvolvimento. Ao contrário, são os homens que, ao desenvolverem sua produção material e suas relações materiais transformam, com essa realidade que lhes é própria, tanto o seu pensamento quanto os produtos de seu pensamento. Não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência. (MARX, 1974, p.51).

Essa foi a terceira abordagem mais encontrada por Sanchez Gamboa (1987) nas pesquisas educacionais e também por Silva (1990, 1997) e Chaves (2005) nas pesquisas na área da Educação Física e, da mesma maneira, encontramos resultados semelhantes no Programa de Programa de pós-graduação em Educação Física da Unicamp, o que pode estar mostrando que a alternativa crítica, embora de forma tímida, também é uma teoria constitutiva do campo.