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1.2. Estratégias da análise

1.2.2. Análise epistemológica

Depois de realizado o mapeamento do Programa e o estado da arte de sua produção científica através da leitura dos resumos, selecionamos algumas pesquisas46 para dar um passo a mais e realizar uma análise epistemológica. Uma análise como esta se justifica pela necessidade de compreensão qualitativa do crescimento quantitativo das pesquisas na área de educação física, mais especificamente no Programa de Pós-graduação em Educação Física da Unicamp. Com o estado da arte realizado inicialmente é possível obter um mapeamento geral da produção levando em conta o que dizem os resumos e as palavras- chaves, no entanto, é preciso aprofundar este conhecimento.

A análise epistemológica realizada apóia-se na perspectiva da epistemologia histórica e crítica, que procura elucidar a articulação lógica que existe entre os diversos elementos constitutivos de uma pesquisa, tais como técnicas, métodos, teorias, pressupostos epistemológicos, gnoseológicos e ontológicos. Estes elementos deverão estar, explícita ou

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implicitamente, presentes em todo trabalho científico e a análise epistemológica do Programa de Pós-graduação da Faculdade de Educação Física da Unicamp pretende explicitar os nexos entre estes elementos.

Sanchez Gamboa (1987) aponta para a necessidade de se admitir uma pluralidade de abordagens na pesquisa educacional, e não apenas uma única, a saber aquele que segue os estatutos da ciência positiva. Admitir a pluralidade de abordagens e a diversidade de maneiras de ver e focalizar a problemática educativa, é uma forma de quebrar a pretendida hegemonia de alguns métodos que ganharam hegemonia na trajetória da pesquisa educacional ao longo de sua história. E ainda, admitir as necessárias relações lógicas entre os processos instrumentais (técnicas e metodologias) de investigação, os referenciais teóricos e as concepções epistemológicas que lhes servem de pressupostos é uma forma de ir além dos inúmeros manuais de pesquisa que focam quase que exclusivamente nas questões técnicas e metodológicas. O resgate lógico dos diversos níveis da pesquisa deve sempre ser articulado com o histórico. A historicidade é essencial ao objeto da ciência sobre o qual é estabelecida uma reflexão, por isso a necessária articulação entre o lógico e o histórico. O conteúdo lógico refere-se à sua articulação com outras noções e categorias, conformando uma unidade ou totalidade de pensamento ou estrutura interna. No entanto, essa totalidade não é um todo já feito e formalizado, mas, ao contrário, comporta sua própria gênese e desenvolvimento, sua historicidade.

A análise epistemológica supõe a compreensão da obra científica como um todo lógico que articula diversos fatores, os quais lhe dão unidade de sentido. Essa unidade de sentido se reproduz em condições histórico- sociais que a determinam e a caracterizam como única e como parte do processo maior da produção do conhecimento humano. Assim, as categorias centrais da análise referem-se à relação entre o lógico e o histórico. (SANCHEZ GAMBOA, 2007, p. 52)

No mesmo sentido, Goergen (1981) alerta para o perigo para a pesquisa educacional na promoção unilateral da pesquisa empírica ou teórica desligada da prática histórica e social:

A pesquisa em ciências sociais, entre as quais incluímos a ciência da educação, não pode excluir de seu trabalho a reflexão sobre o contexto conceitual, histórico e social que forma o horizonte mais amplo, dentro do qual as pesquisas isoladas obtem o seu sentido. Estes estudos empíricos

ou teóricos, executados muitas vezes com a melhor das intenções, podem mudar de sentido a partir da consciência dos pressupostos sociais, culturais, políticos ou mesmo individuais que se escondem sob a enganadora aparência dos fatos objetivos. A questão está inserida na atual discussão epistemológica da neutralidade científica e, num sentido mais engajado, na questão política da dependência cultural. (…) Como poderíamos esperar algum resultado de uma ciência que é omissa na crítica ao status quo, que não reflete sobre as decisões políticas, sobre as propostas e planos para a organização da sociedade futura? Esta despreocupação significa, na realidade, uma decisão a favor da situação existente, posição grave e perigosa, pois, tendo a cobertura da ciência “neutra, exata e infalível” não poderá mais ser discutida. (p.65)

Da mesma forma, pelas inter-relações necessárias entre a pesquisa em educação e a pesquisa em educação física é necessário admitir também nesta uma pluralidade de abordagens e faz-se necessário conhecer os fundamentos das pesquisas através da explicitação de seus pressupostos. Os níveis técnico, metodológico, teórico, epistemológico são complementados com os pressupostos ontológicos e gnosiológicos e todos esses níveis e pressupostos elucidam-se mutuamente numa totalidade dinâmica, que deve sempre ser articulada com as condições históricas da produção da pesquisa.

1.2.2.1.

A Matriz Epistemológica

Para melhor apreensão e análise deste todo lógico que é cada pesquisa, Sanchéz Gamboa (1998) desenvolveu um instrumento muito útil e eficiente para sistematizar os dados, do qual nos valemos como estratégia de análise nesta pesquisa, chamado inicialmente de Esquema Paradigmático e atualmente de Matriz epistemológica47. Através desta matriz é possível relacionar os diferentes níveis de cada pesquisa, já que “todo

processo de produção de conhecimentos é a manifestação de uma estrutura de pensamento

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Quanto à utilização da denominação “Esquema Paradigmático”, se refere à localização e articulação dos elementos técnicos, metodológicos, teóricos e epistemológicos na produção doconhecimento. Já o conceito de “Matriz Epistemológica”, significa a sua ampliação que envolve uma perspectiva lógico-gnosiológica e implica a recuperação de pressupostos gnosiológicos e ontológicos oferecendo possibilidade de identificação de novas relações da produção com interesses e visões de mundo dominantes na produção da ciência, buscando, também articular a dimensão histórica. A Matriz Epistemológica inclui assim, num mesmo instrumento elementos internos de análise (lógico-gnoseológicos e metodológicos), com elementos externos (histórico-sociais). (SILVA e SÁNCHEZ GAMBOA, 2011).

que inclui conteúdos filosóficos, lógicos, epistemológicos, teóricos, metodológicos e técnicos que implicam sempre modos de atuar e omitir” (BENGOECHEA, 1978, p.26).

Nesta matriz epistemológica os paradigmas são reconstituídos a posteriori. O conceito de paradigma foi introduzido na linguagem epistemológica por Kuhn (1975) que o utilizou para explicar o processo histórico e não acumulativo das ciências, que avançam através das "revoluções científicas", que acontecem quando a "ciência normal" não dá conta de todos os fenômenos descobertos, surgindo então a crise, que só é solucionada com a formação de uma nova estrutura científica ou a criação de um novo paradigma científico que incorpora o anterior e o substitui. Esse movimento representa o desenvolvimento das ciências e aqui se incluem elementos extra-científicos.

Todavia, esse conceito de paradigma tem para Kuhn muitos significados48. Pode ser entendido como "modelo do qual emanam tradições coerentes de investigação científica", como "fonte de instrumentos", como "princípio organizador capaz de governar a própria percepção", como um novo modo de ver e desvelar enigmas "permitindo ver seus componentes de uma nova forma", como “determinantes de grandes áreas de experiência", etc. (MASTERMAN,1979).

Retomamos aqui o conceito de paradigma entendido como “lógica reconstituída”, ou como maneiras de ver, decifrar, analisar e articular os elementos de uma determinada produção científica. Esta noção de paradigma, como estrutura lógica com propriedade de concretismo e seqüência analógica, que envolve uma linguagem especializada anterior ao uso de teorias e métodos, fundamenta a definição de "Esquema para a análise paradigmática" que Bengoechea (1978) e colegas organizaram para analisar os grandes enfoques da teoria sociológica e que Sanchéz Gamboa (1998) adaptou e ampliou dando origem a atualmente chamada “Matriz epistemológica”.

Todo processo de produção do conhecimento inclui conteúdos filosóficos, lógicos, epistemológicos, teóricos, metodológicos e técnicos. Estes conteúdos podem ser organizados por níveis de amplitude e por grau de explicitação, começando pelos fatores

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Masterman (l979) indica 21 diferentes sentidos utilizados por Khun no seu livro A estrutura das revoluções

científicas, São Paulo: Perspectivas, 1975. A mesma autora adverte que a aplicação da noção de paradigma nas ciências humanas não pode ser entendida no mesmo sentido que nas ciências físicas e naturais: "Na atual situação global nas ciências psicológicas, sociais e da informação existe uma ciência multiparadigmática. Longe de não existir paradigmas, há pelo contrário excesso de paradigmas" (p. 90).

que apresentam em forma explícita até aqueles que se encontram em forma de pressupostos implícitos. Neste sentido, a abordagem epistemológica poderá esclarecer as relações entre técnicas, métodos, paradigmas científicos, pressupostos gnosiológicos e ontológicos, todos eles presentes, mais ou menos explícitos, em qualquer pesquisa científica. Sanchez Gamboa explicita em detalhes esses níveis de amplitude:

a. “Técnico-instrumental: refere-se aos processos de coleta, registro, organização, sistematização e tratamento dos dados e as informações.

b. Metodológico: faz alusão aos passos, procedimentos e maneiras de abordar e tratar o objeto investigado.

c. Teóricos, entre os quais citamos: os fenômenos educativos e sociais privilegiados núcleos conceituais básicos, pretensões críticas a outras teorias, tipo de mudança proposta, autores citados, etc.

d. Epistemológicos, os quais referem-se aos critérios de “cientificidade”, como concepção de ciência, concepção dos requisitos da prova ou validez, concepção de causalidade, etc.

e. Gnosiológicos que correspondem ao entendimento que o pesquisador tem do real, o abstrato e o concreto no processo da pesquisa científica; o que implica diversas maneiras de abstrair, conceituar, classificar e formalizar; ou seja, diversas formas de relacionar o sujeito e o objeto da pesquisa e que se refere aos critérios sobre a “construção do objeto” no processo de conhecimento.

f. Ontológicos que se referem a concepções de homem, da sociedade, de história, da educação e da realidade, que se articulam na visão de mundo implícita em toda produção científica. Esta visão de mundo (cosmovisão) tem uma função metodológica, integradora e totalizadora que ajuda a elucidar os outros elementos de cada modelo ou paradigma” (SÁNCHEZ GAMBOA, 1998, p. 66).

MATRIZ EPISTEMOLÓGICA A LÓGICA RECONSTITUÍDA

Relação dialética entre Pergunta (P) e Resposta (R) P  R