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3.1. SISTEMA NACIONAL DE INOVAÇÃO: BREVE HISTÓRICO A PARTIR

3.1.3. A abordagem evolucionária/neoschumpeteriana e o Sistema Nacional

Dentro da abordagem evolucionária/neoschumpeteriana, assim como na estruturalista, fica claro que uma institucionalidade forte, estável e funcional era fundamental para a consolidação de um SNI igualmente forte, estável e funcional. Felipe e Filho (2017), em consonância com as contribuições de Cassiolato e Lastres (2005; 2015), e pensando nessa institucionalidade, notam a forma como a inovação se propaga no contexto social e, observando tal propagação, definem a inovação como sendo um paradigma tecno-econômico (PTE)35. É desse ponto que eles partem para trazer à tona a construção de um SNI.

A partir da leitura de autores clássicos da abordagem evolucionária/neoschumpeteriana, como Carlota Pérez36, Felipe e Filho (2017), mostram que o conceito de paradigma tecno-econômico é responsável por englobar o período que vai desde a incubação até o amadurecimento de uma

35Sobre o PTE, Bittencourt e Cário (2017) afirmam que “tais paradigmas se formam a partir de um conjunto de inovações radicais associadas, que surgem em um determinado período e país/região e, paulatinamente, vão substituindo as tecnologias antigas por novas em um processo lento e progressivo de destruição criativa que invade toda a estrutura produtiva. Tal difusão não é automática, nem mesmo simples, pois provoca problemas de ajustamento estrutural” (p.337). Em seguida, citando Freeman e Soete (2008, p.556), argumentam que: “O processo de difusão típico de um novo paradigma requer, ao menos ‘a reformulação e uma nova configuração do estoque de capital, um novo perfil de aptidões da força de trabalho, novas estruturas administrativas e de organização do trabalho, um novo padrão de relações industriais e um novo padrão de regulação institucional e internacional’” (p.337).

36 Para mais detalhes, ver PÉREZ, Carlota. “Microelectronics, long waves and world structural

change: new perspectives for developing countries”. In: World Development, vol. 13, no. 3, 1985, pp. 441–463.

determinada inovação, e dentro desse mesmo processo, essa inovação terá perpassado diversas esferas desta sociedade, desde a institucional até a política, a organizacional, a econômica, a tecnológica e até mesmo a sociocultural. Todo esse processo, que culminará no amadurecimento e difusão dessa inovação por todo o sistema, será responsável pela consolidação de mais um longo período de expansão econômica ou, nos termos usados pelos autores, “uma nova natureza do crescimento” (p.79), uma vez que se trata de um novo período em que novas oportunidades, tanto para o planejamento e desenvolvimento de novos produtos, como também para a abertura de novos mercados, nascem.

Assim, dentro desse processo, são criados novos mecanismos – sejam mais rápidos ou mais modernos –, responsáveis por gerar transformações, como na órbita produtiva, mas não somente. Desse modo, essa sociedade, após todas essas etapas, vivenciou um PTE, e justamente por olhar para os vários “braços” que formam uma sociedade é que se trata de um processo sistêmico e interativo, em que uma determinada esfera se apoia na outra para que a difusão da inovação, em todo o seu conjunto, possa acontecer. Assim, é possível olhar para essa sociedade e observar seus movimentos, sejam eles de sincronização (encaixes) ou desencaixes, nas palavras de Felipe e Filho (2017). Em outras palavras, afirmar que a inovação possui esses moldes permite construir e enxergar, ao longo de toda uma atividade econômica, a adaptação (ou não) da esfera produtiva (e outros aspectos que movem essa sociedade) a esse novo modo de crescimento inaugurado a partir dessa inovação. Em última instância, o objetivo de um PTE é promover um SNI ainda mais dinâmico.

Contudo, apesar da importância das instituições dentro da abordagem evolucionária/neoschumpeteriana, Felipe e Filho (2017) fazem um importante alerta sobre elas, quando dizem que as instituições não são em si uma garantia de pleno crescimento e adaptabilidade numa sociedade ao novo PTE, levando em consideração o ambiente que elas estão inseridas e que acaba de ser transformado por essa revolução tecnológica. Na verdade, é preciso entender que as instituições não são determinantes nesse processo dinâmico de revolução tecnológica, mas parte desse processo dinâmico. Afinal, trata-se de um ambiente repleto de incertezas e que por mais que sejam importantes elementos na construção da abordagem evolucionária/neoschumpeteriana,

atuam concomitantemente com outras esferas dessa sociedade. Daí o caráter sistêmico e interativo da inovação.

E como uma forma de exemplificar que as instituições por si só não são capazes de sustentar o desenvolvimento e construção de um SNI forte e estável, sabe-se da existência de algumas problemáticas dentro dos países periféricos e como estes são pensados ao se falar sobre instituições e formação de um SNI. Entre esses países, o que se percebe é um tipo de espaço vazio em termos de institucionalidade. Sendo assim, para além das políticas que pensem sobre a interação e cooperação dos elementos que fazem parte do SNI, é preciso que o próprio SNI caminhe de modo a construir e consolidar suas bases institucionais. E uma vez que o SNI não se mostre capaz de fomentar essas bases, pode-se afirmar que esse mesmo SNI é composto por lacunas. É essa uma das especificidades do SNI entre os países periféricos.

Considerando esses aspectos, entende-se, portanto, que conforme há avanços no PTE, maiores serão os desafios a serem enfrentados pelos países periféricos, justamente porque um dos elementos basilares, a saber, instituições bem estruturadas, não existe. Soma-se a isso o fato de que os avanços no PTE também promovem avanços nas instituições; é como se os países periféricos sempre precisassem estar um passo à frente dos países centrais, de modo a eliminar as lacunas de suas instituições. Nesse cenário, os países periféricos se veem presos numa espécie de ciclo vicioso, pois não há continuidades em termos de aprendizado quando há a passagem de um paradigma tecnológico para outro, por conta dessas lacunas. Para além, também devido às lacunas, não se pode pensar que fatores como integração e cooperação entre os agentes que compõem essas sociedades acontecerão de forma positiva e, assim, as formas de aprendizado e conhecimento não transitam de um agente para o outro, prejudicando fortemente a integração e a cooperação entre os agentes que compõem o SNI.

Além dessas consequências, que por si só já são problemáticas aos países periféricos, Felipe e Filho (2017) ainda destacam três outros problemas. O primeiro entrave diz respeito ao próprio contexto do mundo globalizado, associado ao problema das lacunas das instituições. Quanto mais as possibilidades de formação de um SNI forte se tornam complexas, a partir do advento um novo PTE, mais dependentes os países periféricos se tornam, pois

em grande medida as principais trajetórias tecnológicas são exógenas a eles. O segundo entrave diz respeito à falta de experiência anterior para o fomento de um SNI, o que, nas palavras dos autores, pode levar os agentes a adotarem decisões por tentativa e erro, provocando ainda mais instabilidades nesses países. Por fim, o terceiro entrave está associado ao próprio modelo de instituição que esses países possuem. Por se tratarem de instituições repletas de lacunas, maiores serão as restrições e problemas a serem enfrentados em um período posterior, pois será preciso dar conta dos problemas lacunares do passado e pensar em mecanismos que tornem essas instituições mais fortes no presente e no futuro. Em suma, é preciso que reformas de caráter estrutural sejam realizadas para que o SNI ganhe características fortes entre os países periféricos.

Entende-se, assim, que as soma de todas essas problemáticas é responsável por gerar grandes externalidades negativas, pois não se vê uma interação, integração e cooperação entre os agentes que compõem o SNI na periferia. Sendo assim, ainda que uma determinada área tenha o aporte necessário para promover avanços no SNI, outra área não o terá da mesma forma devido à falta de interação entre elas. A consequência é que, dada a falta a capacitação endógena de aprendizado, todo o SNI se verá fadado aos desajustes e desalinhamentos de cunho estrutural, o que prejudica o desenvolvimento dos países periféricos.

Felipe e Filho (2017), por fim, destacam ainda que diante desse cenário desfavorável aos países periféricos, há os que defendem a possibilidade desses países aproveitarem as janelas de oportunidades que surgem, a fim de que eles possam superar parte dessa defasagem em termos de tecnologia e de acesso a ela. Para isso, alguns autores defendem que a melhor forma de aproveitar tais janelas é olhar para as fronteiras tecnológicas, onde essas tecnologias são geradas. No entanto, adotar essa postura apenas gera mais dependência, pois os países periféricos ficam condicionados aos movimentos que ocorrem nessa fronteira e, portanto, dependentes dos países que geram tecnologias nessa fronteira, a saber, os países centrais. Outro problema relacionado às janelas de oportunidades é que elas são temporárias e, nas palavras de Felipe e Filho (2017): “se fecham conforme se determinam as trajetórias tecnológicas no interior de um paradigma” (p.88).

Portanto, uma vez destacadas as maneiras como as abordagens estruturalista e evolucionária/neoschumpeteriana enxergam o SNI, o próximo tópico apontará como a formulação de um SNI aconteceu – e continua a acontecer – tanto no Brasil como na Coreia do Sul. Será mostrado, também, como no período atual, ambos os países precisam lidar, cada um de acordo com as suas especificidades, com dilemas e desafios diferentes, mas sempre olhando para o que parece ser uma nova guinada ou, em outras palavras, o surgimento de um novo paradigma tecno-econômico sustentado pela economia do conhecimento.

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