• Nenhum resultado encontrado

3.1. SISTEMA NACIONAL DE INOVAÇÃO: BREVE HISTÓRICO A PARTIR

3.1.1. O nascimento do conceito de Sistema Nacional de Inovação

Cassiolato e Lastres (2017b) definem o SNI como um conjunto composto de instituições e a forma como essas instituições estão relacionadas. No contexto do progresso técnico, a forma como essas instituições se organizam e se relacionam afeta diretamente a maneira como uma nação desenvolve as suas competências locais ou setoriais, assim como influencia a forma como essa mesma nação aprende sobre uma determinada tecnologia. Nesse conjunto de instituições, estão presente não somente aquelas instituições diretamente ligadas aos setores de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I), mas todas aquelas que de uma forma direta ou indireta, são capazes de provocar efeitos positivos sobre a capacidade inovativa desta nação. Percebe-se que esses movimentos reiteram a relevância de se considerar, no desenho e na implementação de políticas para a inovação, uma gama de contextos diferentes. Dessa maneira, os processos de inovação e a formação de um SNI são sustentados, mas também gerados, a partir dessas relações, dando, assim, as formas dos sistemas produtivos e inovativos próprios da localidade. É nesse momento que a ênfase sobre os processos e contextos históricos ganha forma, pois tais processos e contextos refletem muito bem as formas como o aprendizado acontece nesse país, além de ser também o caminho para explicar como se dá a aquisição, o uso e a difusão do conhecimento e da tecnologia. Claramente, esse argumento se opõe às ideias neoclássicas, que tendem a oferecer uma espécie de homogeneização de tendências entre as nações.

Partindo de uma abordagem mais histórica, Bittencourt e Cário (2017) apresentam um resgate sobre a construção do conceito SNI e, para tanto, fazem importantes menções a Christopher Freeman32 (1995), um dos autores que, ainda que não exista um consenso sobre quem criou o conceito de SNI, foi o que o desenvolveu de forma mais aprofundada, em meados dos anos 1980. Freeman, por sua vez, apontava que o conceito de SNI já era algo apresentado por autores anteriores a ele, ainda que de forma indireta; prova disso é a menção

32Christopher Freeman é considerado um dos primeiros autores a desenvolver e pensar sobre

Sistemas Nacionais de Inovação, pois tal como a abordagem estruturalista, também buscou apresentar uma abordagem histórica, de modo a considerar as especificidades nacionais no que tange os processos de inovação.

que faz a Friederich List33, que já em meados de 1841 trazia importantes contribuições para o que viria a se chamar Sistema Nacional de Inovação, mas sob o nome de Sistema Nacional de Economia Política34. O que fez Freeman e, posteriormente, outros autores divergirem e se afastarem dos pressupostos defendidos pelo mainstream sobre SNI foram também as considerações sobre a presença do Estado durante esse processo de inovação, sendo ele – o Estado – o responsável pela mobilização dos meios necessários para que o processo de inovação pudesse, de fato, fluir. Assim, seria o Estado o principal responsável por encorajar empresas que, em seguida, estariam engajadas no processo de desenvolvimento nacional a partir do fomento de novas tecnologias.

Ademais, List e Freeman dialogam em seus trabalhos sobre o que vem a ser um SNI quando ambos defendem que existe uma interdependência entre os investimentos que são tangíveis e os intangíveis, além dos vínculos entre

33 Georg Friedrich List (1789-1846) foi um economista e considerado um dos pioneiros quanto

aos estudos sobre a importância do protecionismo e da teoria do desenvolvimento econômico nacional. Sobre List, Bittencourt e Cário (2017, p.379), trazem uma importante contribuição quanto à forma que os conceitos de List sobre desenvolvimento econômico nacional e a noção de formação de um SNI dialogam entre si. Segundo os autores, os principais pontos de conexão são encontrados a partir do seguinte: “a) reconhecimento de List sobre a interdependência entre

investimento tangível e intangível, a partir do entendimento de que a indústria deveria estar ligada às instituições formais de ciência e educação; b) reconhecimento da interdependência entre importação de tecnologia estrangeira e desenvolvimento técnico doméstico [...]; e c) ênfase no papel do Estado por meio de políticas econômicas de longo prazo e na coordenação do processo de desenvolvimento industrial e tecnológico. A maior parte dessas políticas estava orientada para aprendizado e aplicação das novas tecnologias e à proteção das indústrias infantes estratégicas”.

34 Como Szapiro, Mattos e Cassiolato (2017) apontam: ”Apesar de uma simpática disputa entre os autores associados ao primeiro uso do conceito – Sistema Nacional de Inovação - em meio acadêmico [...], os principais autores reconhecidos por introduzir na literatura o conceito de SNI (Freeman, Lundvall e Nelson) reconhecem que tal conceito encontra raízes históricas nas ideias de Friederich List de Sistema Nacional de Economia Política (1841) [...]. Segundo esses autores, os elementos essenciais incorporados na abordagem de sistema de inovação estavam presentes no trabalho de List, cuja principal preocupação estava relacionada à importância da proteção da indústria infante e de um amplo conjunto de políticas públicas desenhadas para acelerar ou tornar possível a industrialização e o crescimento econômico. Seu foco era o processo de desenvolvimento da Alemanha que, naquele momento, era vista como um país subdesenvolvido em relação à Inglaterra” (pp.377-378, grifo próprio).

instituições de pesquisa, Universidades, sistemas de produção, uso e melhoramento de tecnologias e melhores canais/formas/políticas para inclusão dos países menos desenvolvidos nesse espaço. Assim, de modo mais geral, ainda que ambos os autores pertençam a períodos históricos diferentes, a convergência entre eles é notória (BITTENCOURT; CÁRIO, 2017).

Existem outras contribuições importantes que regem a construção do conceito de SNI tal como ele é hoje conhecido, a partir de meados dos anos 1980. Alguns autores viam a necessidade de se pensar sobre o SNI em função dos novos paradigmas que surgiam nesse período, sobretudo no que diz respeito à participação de governos que visavam o fomento de políticas mais fortes que beneficiassem os países menos desenvolvidos. Assim, pode-se entender que o fortalecimento do que viria a ser o SNI nas regiões menos desenvolvidas – que, vale frisar, viviam um período de profunda crise nessa década – seria um dos canais para se pensar em um desenvolvimento sistêmico e interativo entre vários setores desses países, para que, assim, estes pudessem fazer frente aos países desenvolvidos e superar os desafios que esse novo período impunha a eles.

Hiratuka e Sarti (2015) também trazem uma importante contribuição quanto ao que compõe um SNI e como sua consolidação tende a repercutir de acordo com o país. Eles apontam que

A literatura sobre Sistema Nacional de Inovação enfatiza que o desempenho industrial e inovativo não depende apenas da performance individual de empresas e organizações de ensino e pesquisa, mas também das formas como elas interagem entre si e com vários outros atores e instituições. Refletem, portanto, condições culturais e institucionais locais historicamente construídas, que orientam o processo de aprendizado. Essa literatura também chama a atenção para o caráter cumulativo do aprendizado. Este sentido, existem barreiras que impedem a transmissão e reprodução pura e simples de conhecimento criado nos países centrais pelos países em desenvolvimento (2015, p.8).

Lall (2005) também faz importantes apontamentos sobre a formação de do que vem a ser o SNI. Segundo o autor, a conjugação de um SNI possui uma íntima relação com a capacidade tecnológica nacional que, por sua vez, é definida por ele como sendo um “conjunto de habilidades, experiências e

esforços que permitem que as empresas de um país adquiram, utilizem, adaptem, aperfeiçoem e criem tecnologias com eficiência” (p.26). Ainda que o autor se refira ao ambiente empresarial, tal ambiente é indissociável da forma de organização de um país como um todo, pois partindo do ponto de que é no âmbito das empresas, em grande medida, que os esforços tecnológicos acontecem, consequentemente esses esforços se tornarão parte do esforço nacional para que através do desenvolvimento tecnológico, esse país alcance êxito em seu desenvolvimento. É por isso que Lall (2005) diz que

Embora a empresa individual continue sendo a unidade fundamental da atividade tecnológica, a capacidade nacional é mais do que a soma de aptidões das empresas individuais. Ela abrange o sistema extra- mercado das redes e vínculos entre empresas, os estilos de fazer negócios e a rede de instituições de apoio. Estas afetam de modo significativo a maneira pela qual as empresas interagem entre si a eficácia com a qual trocam as informações requeridas para coordenarem suas atividades e beneficiarem-se do aprendizado coletivo (LALL, 2005, 26. Grifo próprio).

Contudo, a teoria neoclássica convencional tem muita dificuldade para lidar com o aspecto sistêmico, como sendo este o caminho para o êxito do desenvolvimento tecnológico de uma nação. Isso quer dizer que a abordagem neoclássica não possui o traquejo necessário para mostrar como que um determinado país pode incorporar, no mundo real, as habilidades necessárias para que a tecnologia e todos os seus condicionantes seja essa difusora de desenvolvimento e de conformação de um SNI. Em última instância, significa que a existência de uma suposta linearidade no acesso à tecnologia, que para esta teoria está disponível de maneira igual para os países, explica por si só que todos os países podem se desenvolver e alcançar êxito na construção de um SNI forte. O problema é que esse argumento da linearidade encontra pouca sustentação no plano real, como discutido no Capítulo 2.

Lall (2005) acrescenta que, voltando-se novamente para a análise neoclássica, a consideração de trajetórias diferentes entre os países não é tratada como uma questão real, pois uma vez reconhecendo-se que as trajetórias nacionais são diferentes, consequentemente o acesso às tecnologias

também será diferente, assim como a capacidade de internalização, dinamização e difusão dessa mesma tecnologia. Desse movimento é que nascem as assimetrias entre as nações e, consequentemente SNI igualmente assimétricos. É o que Lall (2005) afirma ao dizer que “embora os fluxos internacionais de tecnologia sejam claramente decisivos para o esforço tecnológico nacional, nem todos os países são capazes de aproveitar os conhecimentos disponíveis de modo igual” (p.27).

Lall (2005) também destaca sobre a questão do acesso parcial às tecnologias pelos países em desenvolvimento, que em grande medida obtêm acesso às tecnologias a partir dos países desenvolvidos. Nesse sentido, inicialmente, o principal problema enfrentado por esses países é sobre como dominar, adaptar e aperfeiçoar essas tecnologias adquiridas. Porque uma coisa é ter acesso, por exemplo, à maquinaria necessária para a condução de um processo de industrialização. Foi o que aconteceu no Brasil, que como mostrado do Capítulo 1, dependeu de forma massiva do capital estrangeiro – levando em consideração a estruturação do Tripé, entre as décadas de 1950 e 1970 – para ter a tecnologia necessária para conduzir seu processo de industrialização. Outra coisa bem diferente é ter acesso aos elementos não incorporados da tecnologia que não podiam ser importados junto com a maquinaria física. Em outras palavras, o conhecimento tecnológico não era importado também pelo Brasil. Isso quer dizer que a transferência de tecnologia de um país para outro é carregada de percalços pelo caminho e prejudica gravemente a formação de um SNI minimamente funcional.

Um desses percalços diz respeito ao tempo de incorporação de um determinado conhecimento tecnológico. Por se tratar de um tipo de conhecimento que exige aprendizado, habilidade, investimentos relativamente elevados e outras séries de minúcias, os resultados de uma incorporação efetiva de uma determinada tecnologia tendem a mostrar seus resultados em um período de médio a longo prazo. Esse percalço, a propósito, foi muito bem superado pela Coreia do Sul, que, como também mostrado no Capítulo 1, ao dar início ao seu processo de industrialização a partir dos anos 1960, aprofundou-se em engenharia reversa, imitação das tecnologias estrangeiras, suporte do Estado e mobilização das forças locais (através dos estímulos aos chaebols) para uma transição da imitação para a inovação. Assim, para que o fomento das

bases tecnológicas começasse a mostrar seus resultados de forma mais abrangente, foi necessário esperar aproximadamente vinte e cinco anos, quando o país já galgava passos importantes para a competição global de seus grandes conglomerados, ao final dos anos 1980 e início dos anos 1990. Lall (2005) confirma essa necessidade de estímulo sobre as forças locais no processo de implantação de uma determinada tecnologia e, consequentemente, de um SNI, ao mostrar que

O aprendizado nacional requer esforços deliberados, intencionais e crescentes, para reunir novas informações, testar objetos, criar novas habilidades e rotinas operacionais, e descobrir novos relacionamentos externos. Esse processo deve situar-se nas instalações produtivas e deve estar incorporado ao âmbito institucional e organizacional da empresa manufatureira (LALL, 2005, p.29).

Por fim, os próximos dois tópicos apontarão como as abordagens estruturalista e evolucionária/neoschumpeteriana, cada uma a partir de sua literatura, apresentam seus principais apontamentos em relação ao SNI e suas principais características, além também de mostrar os principais pontos de convergência entre elas.

Documentos relacionados