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UM OLHAR SOBRE E COM AS IDENTIDADES

3. DETALHES METODOLÓGICOS

3.1. A ABORDAGEM METODOLÓGICA

3. DETALHES METODOLÓGICOS

Esta pesquisa utiliza uma abordagem qualitativa, sendo que o instrumento utilizado para a coleta de dados foi à entrevista semi-estruturada aberta. Semi-estruturada, porque continha alguns pontos a serem mencionados ao longo das narrativas, porém, ao mesmo tempo, aberta, por deixar fluir esse discurso do participante de modo a deixá-lo o mais à vontade possível. Essa estratégia foi adotada pelo fato de eu querer buscar depoimentos, conversas, diálogos que possibilitassem mencionar elementos pertencentes à temática deste trabalho.

O conceito de “narrativa” nesse texto é entendido como os tipos de discursos, de falas, de depoimentos que são mencionados pelos ILS que participaram da pesquisa. BOLÍVAR (2002:111) fala que

Narrar biograficamente a experiência permite reconstruir a trajetória de vida não só no sentido óbvio de ações (passadas ou atuais), expressas por meio de relatos que fazemos ou que ouvimos, porém mais radicalmente no sentido de que os pensamentos e ações estão estruturados em práticas narrativas ou discursivas.

Nesse trabalho, narrativa é tomada como sinônimo de discursos, embora haja discordância de autores sobre essa afirmação. SILVEIRA (2005), ao referir-se a discurso e narrativa, menciona que não são sinônimos. No entanto, afirma que, em alguns trabalhos correntes nos Estudos Culturais, eles são tomados como sinônimos.

Saliento a necessidade das narrativas nessa dissertação, a fim de obter dados pessoais sobre elementos constituintes de possíveis identidades dos ILS, acontecimentos que marcaram seus processos subjetivos na atuação e formação como intérpretes. Essa forma flexível de expor expressões tão íntimas exige cumplicidade entre o pesquisador e os entrevistados quanto ao resguardo de suas falas. Essa relação desencadeada, entre pesquisador e participante da pesquisa, não se torna tarefa fácil, pois outros elementos adentram essa construção de pesquisa científica. Nesse sentido, apresento na próxima seção a abordagem metodológica.

3.1. A ABORDAGEM METODOLÓGICA

As narrativas enunciadas pelo pesquisador confrontam-se, compartilham-se e permitem reconciliar pontos de vistas diferentes com os entrevistados sobre determinado assunto. Esse

assunto pode ser olhado por diferentes lugares, tempos e histórias pessoais. Assim, as narrativas tornam-se mais do que entrevistas para conhecer histórias individuais, e sim dados metodológicos que nos auxiliam a refletir, criticar e construir ações que venham contribuir na prática do pesquisador bem como na dos seus entrevistados.

O pesquisador, ainda que desejasse manter imparcialidade ao interpretar fatos, é recheado de outras construções de identidades que se reflete em concepções, representações, idéias pré- concebidas sobre o público alvo de sua pesquisa. Despojar-se de algumas posições críticas (em relação às idéias pré-concebidas), é algo que necessita ser exercitado na vida profissional do pesquisador. Aos iniciantes na pesquisa, cabe a responsabilidade desafiadora de atingir esse exercício.

No caso dos ILS, isso não poderia ser diferente, pois esses elementos (concepções, representações...) também foram constituintes de identidades e entraram em cena ao longo da pesquisa. Para o pesquisador, por mais que ele queira dotar-se de um maior distanciamento na interpretação dos fatos, vários discursos atravessam e se cruzam, tornando-se emaranhados nas análises, tanto para o pesquisador, quanto para os entrevistados.

Entra em discussão algo bastante relevante, isto é, como desenvolver essa atitude imparcial perante o grupo que está sendo investigado, quando o pesquisador faz parte desse grupo? Este distanciamento que a academia exige nas pesquisas científicas, para que se perceba com melhor clareza os dados colhidos nos estudos de campo, se torna uma tarefa árdua, porém compõe o processo metodológico das pesquisas científicas. O objetivo é exercitar o distanciamento, mas sem a ilusão da imparcialidade completa, pois enquanto intérprete e pesquisadora, estarei compondo subjetivamente as análises desse trabalho.

Assim, a entrevista mantém estreita relação com a afetividade, com a busca de identificação com o sujeito entrevistado, em uma forma de reconhecimento e admiração no caminho que define, marca e delineia sua trajetória profissional e que se apresenta no diálogo dos participantes dessa dissertação. São memórias de fatos, de acontecimentos, de histórias, de fragmentos e detalhes que compõem as experiências subjetivas dos entrevistados. Noto que os participantes da pesquisa não encerram sua colaboração após os términos das entrevistas. Eles estão na equipe de organização do III Encontro Nacional de Intérpretes de Língua de Sinais, datado para 2007, desdobramento, também, dessa dissertação, ao continuar desenvolvendo

discussões e aprimorando pontos que foram levantados nela para formação e organização profissional do grupo de ILS no Brasil.

No caso dos ILS, proponho mostrar que os sujeitos têm muito para contribuir com suas experiências e que estas, antes de serem interpretadas pelo pesquisador, são testemunhos de fragmentos de suas vidas que serão recompostos em novas histórias num processo bastante marcado pelas questões subjetivas. Além disso, esses mesmos sujeitos compõem um quadro atual de um grupo que vem buscando se organizar profissionalmente, conforme exposto acima.

Essa pesquisa justifica-se, também, como o registro de mais uma produção científica na área da interpretação em língua de sinais, a fim de que o desenvolvimento desses trabalhos possa servir como subsídios para as gerações futuras que desejarem traçar dados investigativos na área.

A necessidade de saber como foram as primeiras reflexões acerca da estruturação do trabalho dos ILS, ou seja, quem eram os personagens e que formação esses sujeitos tinham, tem um significado relevante e especial que nessa pesquisa, foi olhado de forma cultural. Mas essa não é a única possibilidade de contar esses dados históricos e culturais, há outras como as pesquisas que estudam os ILS pela perspectiva dos estudos literários, conforme MASSUTI (2006). A preocupação desse trabalho centra-se em enunciar questões de tensão, do tempo, dos acontecimentos que permeiam as ações humanas em jogo no ato de interpretação. Segundo ARFUCH (2002:88) ao tratar dessas questões aponta que:

El tiempo mismo se torna humano en la medida en que es articulado sobre un modo narrativo. Hablar del relato entonces, desde esta perspectiva, no remite solamente a una disposición de acontecimientos – históricos o ficcionalles-, em un orden secuencial, a una ejercitación mimética de aquello que constituiría primariamente el registro de la acción humana, com sus lógica, personajes, tensiones y alternativas, sino a la forma por excelencia de estructuración de la vida y por ende, de la identidad, a la hipótesis de que existe, entre la actividad de contar una história y el caráter temporal de la experiencia humana, una correlación que no es puramente accidental, sino que presenta una forma de necessidad “transcultural”.

Nessa vertente, a entrevista, além das perguntas que são enunciadas, pelo seu lado subjetivo, tramando memórias, fragmentos e detalhes que permeiam as narrativas, as articulações entre as diferentes identidades que se apresentam, instiga os pesquisadores a transitar em outra função: a de historiador cultural. A história cultural tem se configurado em um novo campo do

saber, caracterizando-se por discutir um dos elementos fundamentais dessa teoria, ou seja, a questão da representação, conforme já discutido no capítulo 2.

No entanto, o pesquisador deve possuir uma posição crítica em relação às questões historiográficas, isto é, deve observar que nos fatos históricos há, na maioria das vezes, a procura por “heróis” que foram responsáveis pelos feitos em seu tempo histórico. O desejo dessa pesquisa é o de tratar das questões sobre as identidades dos intérpretes de língua de sinais por meio daquelas que permeiam suas trajetórias profissionais, porém não visa à construção de “heróis”.

Essa pesquisa é uma das possibilidades entre tantas possíveis para visualizar algumas questões que perpassam esse grupo profissional. Há sempre outros olhares, com ganhos e riscos, na realização deste tipo de percurso. Quando se trata com as narrativas que envolvem o contar das experiências dos participantes, corre-se o risco de trabalhar com questões de esquecimento, por exemplo. Porém, há ganhos significativos em saber desses discursos, conforme veremos no próximo capítulo.

Os “óculos”22 que o pesquisador necessita, se olhado pelo viés da história cultural, é o de entender a entrevista não só como uma fonte documental, mas como todo um aparato que coloca outros elementos a serem discutidos além das falas, entre eles, as questões subjetivas, a forma como algumas histórias foram constituídas, as estratégias utilizadas na própria forma de narrar os fatos e de como eles são narrados. Esses dados nos conduzem a entender a entrevista pela perspectiva cultural e não uma visão essencialista que prioriza as questões de verdade ou falsidade.

As narrativas que compõem as entrevistas ou as entrevistas que são narrativas, delineiam posições sociais e contornam espaços experimentados ou não pelos sujeitos envolvidos na pesquisa.

Conforme ARFUCH (1995:89) nos explica sobre a entrevista, afirma que: La entrevista es una narrativa, es decir, um relato de historias diversas, que refuerzam una orden de la vida, del pensamiento, de las posiciones sociales, las pertencias y pertinências. En ese sentido, legitima posiciones de autoridad, diseña identidades, desarolla temáticas.

Mas quem são os sujeitos que desenham estas identidades que emergiram nas entrevistas? É o que veremos na próxima seção.

22 Quando uso a expressão óculos para designar possíveis análises, estou baseando-me em Perlin (1998) que traz esse termo.