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O Abrigo Centro Educativo Nova Semente: um Lar Simbólico

TABELA 9 T EMPO D E P ERMANÊNCIA N O A BRIGO

3.1.4 A adaptação à nova realidade

A institucionalização da criança enquanto o familiar está cumprindo pena ou retomando o convívio social através do livramento condicional é marcado por um período de adaptação, pois a criança precisa desligar-se da vida social e afetiva anterior, da figura de apego, das referências pessoais e determinar o seu comportamento de acordo com os valores e normas admitidos pela instituição.

O Abrigo procura funcionar com características familiares, configuradas no atendimento individualizado e preservando os vínculos com a família de origem. Algumas crianças têm uma autorização para saídas nos finais de semana com suas madrinhas para aproximar-se de uma convivência familiar. As madrinhas fazem parte da Pastoral Carcerária. Não há crianças para adoção, não existem órfãos. A relação da criança com o lugar e dos profissionais com as crianças está ligada a sua atipicidade, pois embora exista uma situação de institucionalização que pode ser breve ou de longa permanência, não corresponde a um orfanato ou creche.

As crianças são encaminhadas regularmente pela diretora para as visitas ao pai e /ou mãe na unidade prisional, porém quando retornam revelam nas brincadeiras com outras crianças o que viram e aprenderam, tais como: cenas de sexo oral entre mulheres (unidade prisional feminina) e entre homens e mulheres (unidade prisional masculina) dentro das tianas, atos obscenos, brigas, palavrões, etc. A aflição da direção com as visitas, resultou no impedimento da ida das crianças para o ingresso nas unidades para passar uma noite. Atualmente, não há mais Ingresso nas unidades prisionais da SJCDH, mas antes mesmo da proibição, as crianças só visitavam os familiares com uma acompanhante, profissional da instituição por um curto espaço de tempo. Não dormiam mais na penitenciária. Se por um lado havia mais segurança e proteção para a criança, havia uma diminuição da possibilidade de ter intimidade e apego com o familiar.

O pai e/ou mãe mesma reclusa deveria ser a pessoa mais significativa para o desenvolvimento de uma criança e, portanto uma avaliação criteriosa poderia definir a permanência da criança com a mãe em determinados períodos do ano. Uma agente penitenciário informou que uma mãe não aceitava passar o Natal sem a filha. Esta era encaminhada pelo Abrigo, mas a criança depois de alguns anos resistia a entrar na penitenciária, mesmo gostando muito da mãe.

As profissionais referem-se às crianças como sujeitos que vivenciaram sofrimentos, carências e tentam construir as suas vidas a partir de um lugar seguro. Desenvolvem, também, com o passar dos dias no Abrigo um sentimento de pertença, de identificação com as demais crianças. Os depoimentos confirmam:

Não são crianças que se pode perguntar sobre o futuro. As crianças sonham... tem sonhos. Elas sonham em ter a mãe de volta. Mas, nesses sonhos tem conflitos. Então, tenciona pensar sobre isso. (T2, m)

Eles sonham com a mãe fora daqui.(E2, m)

Não precisa dizer que as crianças são filhos de presidiários, elas sabem disso e dizem, algumas. (T2, m)

Depreende-se que as crianças sentem de diversas formas a sua condição de filhos de presidiários que sem o amparo familiar contam com o espaço do Abrigo para construir ou recriar a sua história.

As expressões de afeto encontram espaço nas relações instituídas entre as profissionais e as crianças, principalmente com a diretora que vive no Abrigo com as crianças. Instituída pelas crianças pequenas como a principal figura de apego, recebe das mesmas manifestações de afeto e demanda de cuidado. Neste contexto a palavra ―mãe‖ aparece muito, mas por outro lado é bem consciente para essas crianças que não estão dirigindo-se a mamãe, e sim a mais uma mãe.

A mãe é sempre muito falada pelas crianças nas rodas de conversa, como relata uma das técnicas.

Falam muito da mãe. Tem alguns casos que o pai aparece. (T3, m)

A figura da mãe, então, ocupa um lugar privilegiado na vida dessas crianças em razão da ausência do pai, da constituição monoparental da família, da idealização da mulher como cuidadora e afetuosa, da construção ilusória de que a mãe é sempre vitima e da idealização do sentimento materno como permanente. É em nome desse sentimento e da construção ilusória que ele persistirá apesar da distancia e dos anos de separação que é possível suportar a falta.

Como foi analisado anteriormente, os bebês apresentam uma disposição a formar vínculos com as mães ou cuidadores e demonstram esse vínculo, denominado apego através da busca do contato físico, do choro, do sorriso, do olhar em direção a mãe ou cuidador, entre outros comportamentos.

O comportamento de desapego que é típico no reencontro com a mãe, quando a criança que dela se separou torna a vê-la e esta correlacionada ao tempo de afastamento é manifestado no retorno a unidade prisional para visitar a mãe. Bowbly (2004) analisou que o comportamento de desapego pode ser de tal modo

acentuado que a mãe pode se queixar que é tratada pelo filho como uma pessoa estranha. O desapego evidencia-se pela evitação ou recusa da criança a permanecer com a mãe. Quando as separações são breves o desapego desaparece após o período de algumas horas ou de alguns dias.

No processo de adaptação, o desenvolvimento do comportamento de apego ameniza os efeitos do desligamento da mãe ou cuidador e auxilia na construção da resiliência. A criança resiliente desenvolve uma capacidade para enfrentar e ajustar- se as adversidades de modo saudável (GRUNSPUM, 2008).

A diretora ou alguma outra educadora é percebida pelas psicólogas como a principal figura de apego das crianças no sentido de que esse comportamento é evidenciado pelas crianças diante da tentativa de conseguir ou manter a proximidade com a mesma, encontrar conforto e segurança e conseguir desenvolver sentimento de segurança e confiança em si mesma e em relação aqueles que convivem com ela na instituição.

Winnicott (2005) que pesquisou as influências parentais no desenvolvimento, inclusive no comportamento anti-social explica que o comportamento de apego pode ser apresentado em situação de privação, em que a criança não se sente segura, amparada e com acompanhamento e controles adequados e nítidos. Para o autor quando há separação do bebe ou criança pequena da figura parental durante um período excessivo de tempo é possível perceber que esta experiência de privação está na raiz do comportamento anti-social. A criança que sofreu privação tem um modo pessoal de enfrentar as ansiedades despertadas, mas para avaliar o dano causado pela privação é preciso entre outros aspectos avaliar em que idade cessou um ambiente suficientemente bom; a inteligência da criança e o diagnostico psiquiátrico da criança. De qualquer modo é sempre importante analisar o que existiu anteriormente para a criança para compreender o seu desenvolvimento.

O autor esclarece que para assegurar a possibilidade de proporcionar cuidados individuais às crianças institucionalizadas, o espaço deve contar com um quadro adequado de pessoal, e os supervisores devem ser capazes de suportar a tensão emocional envolvida em cuidar de qualquer criança. Este espaço deverá fornecer a referência que o seu próprio lar não conseguiu ou não lhe pode dar.

Com tudo isso, é preciso não perder de vista o retorno das crianças a sua família. Como analisa Winnicott (2005) o regresso da criança ao lar depois de um

longo período ausente merece reflexão, pois a falta de atenção para com esse momento pode facilmente resultar em conflitos familiares e pessoais.

No Centro Educativo Nova Semente existem crianças que retornam a vida familiar depois do cumprimento da pena do pai e/ou mãe sem embaraços e no outro extremo existem crianças que se adaptaram ao ambiente do abrigo, perderam os vínculos com os pais e sentem a supervisora e funcionários como seus verdadeiros familiares. O depoimento de uma técnica reforça:

[...] as crianças chegaram novas, estabelecem um referencial de família com o Abrigo. Alguns pais estão presos, outros já saíram, mas o que o abrigo espera é que eles se restabeleçam.

Para as crianças pequenas prevalecem as cuidadoras e educadoras do Abrigo como referencial de família. As mães, em algumas situações de desemprego, novo relacionamento e vínculo frágil com o filho retornam ao Abrigo para deixar a criança mais uma vez. Acredita-se que a mãe possivelmente não dá conta porque há poucas recompensas imediatas e as crianças precisam de um tempo maior para a adaptação. A maioria, porém idealizou o retorno ao lar e a convivência com o familiar preso. As crianças não explicitam claramente o seu desapontamento diante da frustração com o regresso a convivência com o familiar e o retorno ao Abrigo.

No próximo capitulo serão tratados aspectos que tecem a construção das identidades das crianças como: os sentimentos que possuem, o que se constrói nas suas subjetividades, as dinâmicas de relacionamentos, as percepções e experiências das crianças e o papel do Abrigo como importante contexto de acolhimento e educação.

CAPÍTULO 4

O Abrigo Centro Educativo Nova Semente: contexto