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A criança como sujeito de direitos

A criança e o sistema prisional

2.1 A criança como sujeito de direitos

O conceito de criança como um sujeito social contribuiu para o percurso da construção de direitos que lhe são associados, assim como os movimentos pelos direitos das crianças resultaram do avanço nas ciências sociais e nas políticas de direitos humanos para mulheres e direitos humanos em geral. Nos séculos VI, VII, como explica Àries (1978) não havia o conceito de direitos para a infância, o pai tinha um poder sem limites sobre os filhos, com direito de abandoná-los, vende-los, mutilá-los ou tirar-lhes a vida de acordo com seus próprios interesses.

Na história, o campo dos direitos estava relacionado, apenas, aos indivíduos capazes de um pensamento racional; eram excluídos da condição da atribuição de ter direitos, as mulheres e as crianças. Com a Declaração Universal dos Direitos do Humanos de 1948, o conceito foi ampliado, mas as crianças foram referidas numa perspectiva protecionista, sem a preocupação com as especificidades próprias da idade e a responsabilização política e moral para assegurar os seus direitos.

A consolidação da imagem da criança como sujeito de direitos teve as contribuições da Declaração de Genebra (1923), da Declaração Universal dos Direitos da Criança (BRASIL, 1959), da Convenção dos Direitos da Criança

(BRASIL, 1989) e dos estudos da Sociologia da Infância que reconhecem a infância como um importante estágio de vida e romperam com o paradigma da criança frágil, inocente e dependente do adulto. Sarmento (2007) esclarece que na Sociologia da Infância, a imagem da criança é de um sujeito competente que constrói conhecimentos, identidades e cultura e necessita ser considerado como um grupo com direitos específicos de participação.

O conceito de direitos para as crianças é ambíguo e limitado em razão da sua situação de dependência em relação a terceiros, da insuficiente capacidade física, psíquica, moral e social para assumir responsabilidades e em razão das mesmas estarem atreladas as responsabilidades, direitos e obrigações dos pais e a responsabilidade do Estado.

Segundo Fernandes (2005) no começo do século XX teve inicio a discussão sobre a construção de direitos para a infância em razão da necessidade de preservar a criança contra os abusos e, assim garantir o futuro da sociedade. Em 1913 surgiu o primeiro esboço de um projeto para a organização de uma associação internacional de proteção a infância que não teve continuidade devido a eclosão da guerra. Em 1919 foi criado o Comité de Proteção a Infância, pela Sociedade das Nações e em 1921 a Associação internacional de Proteção a Infância iniciou os seus trabalhos.

O movimento de defesa dos direitos das crianças iniciado por Eglantine Jeeb em 1914 foi fundamental para a Declaração de Genebra de 1923, através da redação do documento sobre os direitos das crianças que se constituiu num documento adotado pela Liga das Nações (FERNANDES, 2005). A Declaração de Genebra sistematizou em princípios gerais os cinco deveres da humanidade para com as crianças que se referem a dotar a criança dos meios necessários para o seu desenvolvimento; alimentar, nutrir, amparar e recuperar a criança, considerar que a criança é a primeira a precisar de ajuda no momento de aflição; colocar a criança em posição de ganhar a vida e proteger da exploração; criar a criança com a consciência de que seus talentos devem ser dedicados ao serviço dos seus semelhantes. A partir desta Declaração, em 1946 foi fundada a UNICEF ou Fundo das Nações Unidas para a Infância com o objetivo de promover melhorias na vida das crianças.

Com a Declaração Universal dos Direitos Humanos (ONU, 1948) em 1948, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, a Declaração de Genebra foi ampliada.

Discutiu-se, ainda a necessidade da elaboração de uma segunda carta dos direitos da criança que foi concluída em 1959 e adotada pelos 78 estados membros da ONU. Esta Declaração dos Direitos da Criança (UNICEF, 1959) foi o primeiro instrumento internacional que enunciou a criança como sujeito de direitos.

A partir da Declaração, surgiu a necessidade de formular uma Convenção das Nações Unidas para os direitos da criança que comprometesse os Estados através de obrigações especificas. A Convenção sobre os Direitos da Criança foi adotada pela Assembleia Geral nas Nações Unidas em 20 de novembro de 1989 e foi ratificada pelo Brasil em 26 de janeiro de 1990, aprovada pelo Decreto legislativo n 28, de 14/9/90, vindo a ser promulgada pelo Decreto presidencial n 99710 de 21/11/90.

A individualidade, a personalidade da criança e a imagem de um sujeito ativo que tem o direito de ser consultada, expressar a sua opinião, de tomar decisões em seu beneficio são aspectos incorporados na Convenção dos Direitos da Criança que permitiram a construção de políticas públicas para a infância.

Nesse sentido, Fernandes (2005) salienta que as tensões que existem entre o exercício dos direitos de proteção e de participação são constantes e complexos pelo antagonismo entre a defesa da perspectiva da criança como dependente do adulto e a concepção da criança como sujeito de direitos civis básicos, como o direito de participação nas decisões que afetam a sua vida.

Nesta discussão não se pode deixar de acrescentar as questões contemporâneas relacionadas aos conceitos de individualização e de identidades que são construídas, e não prescritas. Nesta perspectiva, é possível compreender a condição das famílias, a crise da autoridade paterna e a idéia das crianças e jovens com direitos próprios e com capacidade para definirem a própria vida. A lógica da individualização requer que a autoridade seja constantemente renegociada, restabelecida e ganha (BECK, 1998).

Sobre esta questão, Fernandes (2005) esclarece que a discussão que sustenta a ambigüidade entre proteção e participação infantil tem sido realizada por diferentes autores que ora acentuam a dependência, ora a emancipação e em outros momentos a participação das crianças no exercício dos seus direitos. O paradigma da criança participativa reconhece a necessidade de proteção das crianças e considera a possibilidade de integrar o conhecimento emergente das crianças a sua ação e intervenção social. Esta idéia é impulsionada pela verificação

das vulnerabilidades e, também, das competências de meninas e meninos para envolver-se e intervir na sua vida. De acordo com esse paradigma a proteção prolongada promove dependência, passividade, alheiamento e sentidos equivocados sobre a realidade e implicações no desenvolvimento.