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CAPÍTULO 1: O DIREITO DA FAMÍLIA COMO PARADIGMÁTICO DAS

3. O instituto da adoção e sua evolução no ordenamento jurídico português

3.3. A adoção como instituto ao serviço da criança

Apesar de terem sido dados passos muito significativos quanto à adoção, e estarem muitos outros ainda por dar, muitíssimo longe estamos do abandono de crianças à sua precária sorte, tal como foi prática usual durante séculos e que esteve na génese da designada Carta Régia em 1543, que concedeu à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa a função de recolher os “expostos”: a roda dos expostos que somente em 1870 foi extinta. Nas Ordenações Afonsinas e Manuelinas, a adoção foi regulado com a finalidade de atribuir ao adotado a qualidade de herdeiro. Por sua vez, o Código Civil na sua versão original veio, enfim, após o silêncio ensurdecedor sobre esta matéria no Código de Seabra, considerar a adoção num âmbito geral de proteção a criança sem um meio familiar normal, privilegiando o interesse do adotado, tal como se lê no Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 185/93, de 22 de maio. Contudo até à reforma de 1977, a regra foi a adoção restrita, enquanto a adoção plena apenas se aplicava aos órfãos e aos filhos de pais incógnitos. Dessa reforma de 1977, reforço a importância da diferença instaurada, face à versão original do Código Civil que contemplava sobretudo o abandono físico, no sentido da importante consideração do abandono afetivo.

Começando por ser um instituto dirigido, predominantemente, para os interesses do adulto a adoção foi se tornando, paulatinamente, um instituto da criança, garantindo, uma cada vez mais eficaz tutela dos seus interesses e direitos. No fundo, na feliz expressão de Almiro Rodrigues: “A adopção é, assim, a consagração legal da paternidade psico- afectiva.”39.

Para além desta aclaração sucinta, em que procurei desenhar uma resenha histórica sobre a regulação do instituto da adoção, outro interesse, no âmbito da problemática deste meu estudo, diz respeito ao modo como este instituto nos oferece um relevante ensejo para se por em causa a prevalência que o ordenamento jurídico português ainda vai conferindo ao biologismo na constituição do vínculo da filiação, não obstante, concordar com Pamplona Corte-Real e José Silva Pereira que estamos perante:

“ [...] um instituto difícil porque se pertente capaz de desempenhar uma função de cariz social e não individualista, mas que é complexo na sua orgânica e estruturação, acabando, por força de um processo constitutivo burocratizado e controlador, por se perder em eficácia e funcionalidade.”40.

                                                                                                               

39 RODRIGUES, A. - A adopção: um antes; e um depois?. Infância e juventude. N.º 2, 1997. 49.

40 CORTE-REAL, Carlos Pamplona & PEREIRA, José Silva - Direito da Família. Tópicos para uma reflexão

Ainda há passos a dar no sentido de uma maior autonomia na constituição do vínculo adotivo, em favor da dimensão socializante, afetiva, altruísta e livre na motivação que lhe subjaz e que deverá, com efeito, constituir o cerne da intenção adotiva. Outro aspeto a que o direito deve estar atento, ponderando o interesse e sentido da figura, é à questão do consentimento prévio41. Além disso, existe na doutrina um conjunto de críticas aos bloqueios impeditivos de um instituto que se deverá pautar pela celeridade, destacando-se a opinião de Pamplona Corte-Real e José Silva Pereira:

“Reconhece a complexidade do processo prévio a constituição do vínculo adoptivo, com intervenção de entidades administrativas e judiciais, como sobreposição funcional de institutos plúrimos conducentes também a constituição do referido vínculo, para não falar já no cruzamento com as medidas de promoção e protecção de menores em perigo. Prazos, funcionalidades dispares, formalismos entrecruzados e de difícil aplicação concomitante índole diversa de entidades interventoras e sua imbrincada articulação, num instituto que se pretenderia célere e pragmático em nome dos prementes interesses das crianças adoptandas. É que os pressupostos da adopção, elencados no artigo 1978.º do Código Civil (na sua nova redacção) correspondem a situações de uma sub-existência carecidas de soluções eficazes, o que está longe de poder acontecer.”42.

Uma das dificuldades é, sem duvida, os atrasos verificados nos processos de adoção, sendo umas das razões para um tal bloqueio o facto de os técnicos e os tribunais portugueses persistirem na preferência do retorno das crianças às famílias, com as quais, não raro, não possuem qualquer ligação e pelas quais são, inclusive, vítimas de maus tratos e abandonadas em instituições. Daí que, percorrido um longo caminho, com abundantes e significativas mudanças legislativas, não possa deixar de mencionar que, apesar dos progressos43 continua a triunfar a ideia de que o direito à transmissão de bens é, afinal, mais importante que o bem estar das crianças, pelo que, sob os mais dispares pretextos subsista a aposta na família biológica e, muitas vezes, só em casos-limite, é que se avança para adoção. Se é verdade que o direito precisa de mudar, não é menos , no que respeita a esta matéria, essencial uma mudança das mentalidades para que seja possível vencer a ideia segundo a qual as crianças possam estar em instituições enquanto aguardam a conclusão do – moroso e excessivamente                                                                                                                

41 Sobre as perplexidades geradas por essa figura do consentimento prévio vide por todos: CORTE-REAL,

Carlos Pamplona & PEREIRA, José Silva - Direito da Família. Tópicos para uma reflexão crítica 2.ª Ed. Actualizada, Lisboa: AAFDL, 2011. 215-216.

42 CORTE-REAL, Carlos Pamplona & PEREIRA, José Silva - Direito da Família. Tópicos para uma reflexão

crítica .2.ª Ed. Actualizada, Lisboa: AAFDL, 2011. 217.

43 Destacando tais progressos: “adiante-se, desde já, que o sentido e o alcance a evolução legislativa que o

instituto sofreu, máxime na década de 90, muito tem a ver com a forma como se perspectivou o equilíbrio entre os interesses (legítimos) de todos os intervenientes.” EPIFÂNIO, Rui Lisboa & LEANDRO, Armando Gomes - Adopção- sentido e alcance da evolução legislativa. COMEMORAÇÕES DOS 35 ANOS DO CÓDIGO CIVIL E DOS 25 ANOS DA REFORMA DE 1977. Coimbra: Coimbra Editora, 2004. 852-853.

burocrático- processo, uma vez que a adoção tardia acaba por colidir com o propósito fundamental deste instituto. Outro aspeto a melhorar reporta-se à qualidade da intervenção técnica na seleção os pais adotantes com a finalidade de evitar que as crianças acabem por ser devolvidas às instituições e nomeadamente à alçada do Instituto de Segurança Social, vendo, dessa forma, interrompido o seu processo de pré-adoção, em virtude da constatação da inexistência de viabilidade na concretização do projeto. Por outro lado, o facto de o número de candidatos ser manifestamente superior ao de crianças e jovens que aguardam por uma família, deve-se em larga medida, à dificuldade em encontrar candidatos que desejem adotar crianças com mais idade ou com problemas mentais ou comportamentais.

CAPÍTULO 2: ÂMBITO CONSTITUCIONAL E EUROPEU DO DIREITO DA