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2. Adolescência e mudanças climáticas globais

2.1. A Adolescência

Discutir o significado da adolescência pode não ser algo simples, pois o conceito de adolescer não tem margens bem delimitadas nem definições claras. A adolescência na sociedade ocidental contemporânea, da qual fazemos parte, refere-se a um período de transição no desenvolvimento entre a infância e a idade adulta que envolve grandes

mudanças físicas, cognitivas e psicossociais (Papalia et al., 2006). Entretanto, esse período de transição não possui um limite exato de início e término.

Para alguns autores (Papalia et al.,2006), a adolescência dura em torno de 10 anos, iniciando-se por volta dos 11, 12 anos, e terminando por volta dos 19, 20. E, em geral, se considera que o início da adolescência ocorre concomitantemente ao início da puberdade – sendo esta definida como o processo que conduz à maturidade sexual (Cole & Cole, 2003) – e seu fim se dá com a entrada no mundo adulto, representada pela maturação física ou pelo aprendizado vocacional.

Entretanto, esse término da adolescência também é questionando e discutido. Existem vários marcos e definições que correspondem à entrada na vida adulta. Existem definições psicológicas, como criação dos próprios sistemas de valores e de relacionamentos, independência destes em relação aos pais e descoberta de uma identidade própria; existem definições sociológicas como casamento, independência financeira; e existem até mesmo definições legais, como a “maioridade” (Papalia et al., 2006).

Todavia, não se deveria discutir marcos iniciais e finais da adolescência sem frisar que esta fase, assim como a “invenção da infância”, representa também um ideal social, cultural, que divide e organiza os indivíduos de acordo com aquilo que lhes foi reservado pela estrutura social vigente (Calligaris, 2000). Nesta mesma direção, Nurmi (2005) ressalta que cada fase, ou estágio de vida, possui requisitos sociais a serem cumpridos pelo indivíduo e que são específicos a esta fase.

Assim, diante deste quadro de distinções conceituais e para os propósitos deste trabalho, recorro a definições legais, às leis brasileiras, para tomar como base o período considerado como adolescência por este estudo. Nesse sentido, recorro ao Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei Federal nº 8.069/1990), que considera adolescentes as pessoas que possuem entre doze e dezoito anos de idade (art. 2º); sendo esta, portanto, a perspectiva conceitual adotada neste estudo, ainda que poucos participantes fujam desta margem por apenas um ano.

Vale ressaltar, que se basear nessa definição política, significa fornecer uma delimitação prática ao período da adolescência, superando a problemática conceitual que reside na delimitação do início e término desta. Logo, isto não implica em prejuízos conceituais ou metodológicos, tendo em vista que esta faixa etária, definida pelo Estatuto (12 a 18 anos de idade), ou corresponde exatamente ou está dentro das faixas etárias designadas por autores já citados da área de desenvolvimento humano, que apontam o fim desta fase também por volta dos 19 anos.

É indispensável, ao abordar o posicionamento dos adolescentes diante das mudanças climáticas globais, que se discuta o seu desenvolvimento cognitivo e possíveis formas do adolescente pensar e agir. Na adolescência ocorrem mudanças cognitivas, ocorrem transformações no pensamento, sendo os adolescentes, agora, capazes de fazer julgamentos morais sofisticados, além de poderem se projetar e planejar um futuro de maneira mais realista (Papalia, Olds, & Feldman, 2006), tornando interessante saber o que os adolescentes pensam a respeito de aquecimento global, e se eles consideram ou não as conseqüências deste problema, que ocorrerão de forma mais intensa apenas futuramente.

A adolescência também compreende o período designado por Piaget de estágio das operações formais (Papalia et al., 2006), correspondendo ao período de aquisição de certas habilidades, como a capacidade de pensar em termos do que poderia ser, e não apenas do que é. Os adolescentes já são capazes de refletir sobre possibilidades, gerar e testar hipóteses, considerar diversas causas distintas para um problema. Essas capacidades cognitivas fazem com que suas percepções sobre a realidade se tornem mais complexas. Eles aumentam sua rede social, e interagem com uma esfera maior do meio que os rodeia (Gontijo-Salum, 2010) .

Estudar a percepção deles significa, então, abarcar essa complexidade que se inicia na adolescência, e que vai se moldando ao longo dos anos. Por isso, é importante conhecer a percepção sobre questões do meio ambiente, de forma que se possa trabalhá-las, por meio de educação ambiental, a fim de promover conscientização, para que se tornem adultos, ao menos, mais informados a respeito da problemática ambiental.

Vale ressaltar então, que o estágio das operações formais é caracterizado pela presença do raciocínio hipotético-dedutivo, correspondendo a uma nova estrutura lógica de pensamento, agora mais sistemática e projetiva. Essa capacidade de pensar de maneira abstrata e hipotética adquirida na adolescência tem grandes implicações emocionais e comportamentais. Agora o adolescente compreende sentimentos e também os fornece não só a figuras concretas, como pais e amigos, mas também a entidades abstratas, como aos conceitos de liberdade, exploração, violação (Papalia et al., 2006), sendo assim, porque não supor e estimular afetos também pelo planeta?

O presente estudo não tem como ambição criticar as definições e delimitações dos estágios cognitivos propostos por Piaget. Na verdade, se baseia nestes no intuito de compreender as concepções dos adolescentes a respeito às MCGs, e identificar eventuais falhas neste entendimento, no sentido de, como já dito, poder elaborar propostas de educação ambiental que intentem corrigir tais falhas.

De qualquer forma, há o consenso entre alguns autores (Papalia, et al., 2006; Cole & Cole, 2003) de que o pensamento dos adolescentes já possui capacidade de ser hipotético, dedutivo, sistemático e metacognitivo (refletir sobre os próprios pensamentos). Esses adolescentes também podem planejar e se projetar no futuro, considerando-o de alguma maneira, além de já pensarem sobre os limites convencionais (Cole & Cole, 2003), fazendo uso de suas capacidades cognitivas para pensarem sobre política, religião, moralidade e (porque não?)meio ambiente.

Nesse sentido, outra questão muito importante ao se tratar de adolescentes envolve o desenvolvimento do raciocínio moral. Segundo teoria de Lawrence Kohlberg (Cole & Cole, 2003), o raciocínio moral, apresentado também por Papalia, Olds, e Feldman (2006), progride através de três níveis (com dois estágios cada) durante a infância e a adolescência. Estes níveis e estágios podem ser apresentados da seguinte forma:

Nível pré-convencional (estágio 1 – moralidade heterônoma / estágio 2 – moralidade instrumental): neste nível, o raciocínio moral não se baseia em convenções sociais, nem em leis, ou regras. Na verdade o julgamento se dá com base nos próprios desejos e medos, sendo errado, por exemplo, o que prejudica a si mesmo, como uma punição, e correto o que promove benefícios. É o nível comum em crianças de 4 a 10 anos. Nível convencional (estágio 3 – moralidade do bom garoto / estágio 4 – moralidade da lei e da ordem): neste nível, o raciocínio moral já considera convenções sociais, regras e padrões do que é certo e errado. Julgamentos neste nível são aqueles que mantêm a ordem social. Ou seja, é o nível que se refere à moralidade conforme padrões e papéis convencionais, e é alcançado, geralmente, a partir dos 10 anos, e pode ser o estágio de permanência de pessoas mesmo na fase adulta.

Nível pós-convencional (estágio 5 – raciocínio do contrato social / estágio 6 – princípios da ética universal): o raciocínio moral aqui se torna mais complexo, no sentido de que, neste nível, o julgamento vai além das convenções, pensando de forma mais abstrata e considerando diversas possibilidades. Corresponde à moralidade de princípios autônomos, que reconhece ou julga a moralidade de acordo com a relatividade das situações, em termos de imparcialidade e justiça, mesmo que destoem do que é

convencionalmente estabelecido. Este nível já pode ser alcançado na adolescência, porém, em contrapartida, também pode nunca ser atingido.

Bataglia, Morais e Lepre (2010) lembram que existem sub-estágios, ou estilos, de cada um destes níveis de julgamento moral proposto por Kohlberg, que são o estilo heterônomo e o estilo autônomo. Estes estilos se relacionam com a ação, com a conduta moral. Ou seja, o estilo heterônomo se baseia em normas, regras e autoridade – o outro me diz o que é correto. O estilo autônomo se baseia em princípios mais amplos, que englobam igualdade, reciprocidade e justiça. Um indivíduo com postura autônoma será mais comprometido com a ação moral do considerado justo, do que um indivíduo heterônomo.

Essas considerações podem ser pensadas junto às motivações para o compromisso pró-ecológico, sendo possível pressupor que o compromisso pró-ecológico e sustentabilidade se associariam à moralidade autônoma, e não a heterônoma. Esta poderia, por exemplo, ser associada à práticas de cuidado ambiental se houvessem leis, fiscalização, ou terceiros que estipulassem como regra, ou norma, o cuidado com o meio ambiente. Além disso, pode-se acrescentar a estas idéias as discussões feitas por Koller e Bernardes (1997) referentes ao comportamento pró-social. Estas autoras afirmam que o raciocínio moral auto-focado e/ou egoísta pode ser entendido como sendo moralmente imaturo. O bem-estar dos outros seria percebido a partir do nível intermediário do julgamento moral, e no nível mais avançado se observaria a consideração por princípios abstratos.

Essa exposição sumária dos níveis do raciocínio moral serve de panorama para pensar o adolescente diante de questões mais polêmicas da vida, como a consideração de questões ambientais e os valores por trás dessas considerações.

O que se tem a partir disso, é que as pessoas vão, ao longo do desenvolvimento, evoluindo nesses estágios, porém, muitas ficam “presas” ao nível convencional (Papalia et al., 2006). Mesmo assim, existem adolescentes que já se encontram com raciocínio moral no estágio pós-convencional (Cole & Cole, 2003).

De todo modo, pressupomos que as formas como os adolescentes julgam os problemas ambientais, como raciocinam sobre estes, estão relacionadas com suas ações, como eles vão se comportar a respeito. Ou seja, se acham que é correto cuidar do meio ambiente, pode haver a possibilidade de adoção de comportamentos condizentes.

Porém, não necessariamente o discurso do jovem irá condizer com suas ações. Isso nem sempre acontece pela existência da chamada hipocrisia aparente, característica do pensamento do adolescente descrita por David Elkind (1998, citado por Papalia et al., 2006). Ou seja, o adolescente pode achar correto ter práticas de cuidado ambiental, porém não necessariamente ter. Essa hipocrisia é no sentido de que, muitas vezes, eles não

reconhecem a diferença entre expressar um ideal e fazer os sacrifícios necessários para viver de acordo com esse ideal. Mesmo assim, promover um ideal de compromisso e respeito com o meio ambiente é sem dúvida um primeiro passo à ação a ser estimulada.

Essas considerações feitas sobre a adolescência são necessárias, pois a partir delas é que se pode pensar o adolescente diante das mudanças climáticas. Afinal de contas, para entender como esses adolescentes vão se posicionar em relação a este tema, é preciso entender a forma como eles pensam e as possibilidades de julgamento que fazem a respeito. Assim, na próxima seção, esclareceremos algumas relações que podem ser traçadas entre os adolescentes, meio ambiente e as mudanças climáticas globais.

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