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2 OLHARES SOBRE O SUJEITO QUE FAZ A ESCOLHA: O ADOLESCENTE OU

2.1 T EORIZAÇÕES E DEFINIÇÕES DA ADOLESCÊNCIA

2.1.2 A leitura psicanalítica da adolescência

2.1.2.1 A adolescência enquanto luto do corpo infantil

Mas eu gostaria de voltar um instante a essa ideia de que o passado infantil ressurge na vida concreta e atual o jovem sem que ele perceba. O que retorna do passado remoto? Não apenas as recordações conscientes das cenas marcantes da infância, mas vagas sensações e sentimentos que ressurgem no cerne de uma emoção presente da qual o jovem extrai vitalidade. Amando um parceiro de sua idade, descobrindo um país desconhecido, criando seu Facebook ou rindo com seus colegas, o jovem de hoje revive – sem o saber – a ternura e a sensualidade das primeiras descobertas, a paixão das primeiras brincadeiras infantis, ou ainda a alegria da criança que se foi. (NASIO, 2011, p. 51)

Diante de uma moratória que se justifica e atesta, ao mesmo tempo, a sua imaturidade, a adolescência parece ser um tempo de peregrinação em busca de um lugar: o adolescente “(...) não é mais nada, nem criança amada, nem adulto reconhecido.” (CALLIGARIS, 2011, p. 24). Ao que parece, diante de toda a problemática que desenha a adolescência, o adolescente não possui, até então, um lugar onde possa estar simbolicamente, uma certeza sobre quem é, uma imagem, e, portanto, uma unidade de corpo – aliás, de quem é o corpo que possui? Que o real da puberdade evoca e provoca questões psíquicas, isso é fato, e será

abordado futuramente. Entretanto, o que mais provoca e evoca este real do corpo? Que mudanças ele pressupõe?

Muitos autores dentro da psicanálise têm abordado a adolescência, diante do caos instaurado pelo real da puberdade, a partir do luto do corpo da infância, o corpo primeiro do qual é preciso se desfazer. Um dos defensores desta tese é Nasio (2011). Entretanto, há alguns teóricos que são contrários a esta compreensão teórica a partir do que ela possa dar a entender sobre o trabalho psíquico da adolescência.

Macedo, Gobbi & Waschburger (2009, p. 92) trazem a noção de que a adolescência foi apresentada e pensada, especialmente na América Latina, desde a “temática da elaboração dos lutos”, o que é questionado por outros profissionais, como Viglietti (2000) e Urribarri (2003), para que não se pense que a adolescência reduza-se apenas “a um trabalho de luto” (MACEDO, GOBBI & WASCHBURGER, 2009, p. 92). Viglietti (2000, apud MACEDO, GOBBI & WASCHBURGER, 2009, p. 92) concorda com a existência de “um trabalho de elaborações e simbolizações” na adolescência, mas não concorda que este trabalho de elaborações e simbolizações seja, de fato, chamado “trabalho de luto” (p. 92).

Segundo Macedo, Gobbi & Waschburger (2009, p. 92), “A partir de uma proposta que enfatiza a ocorrência de um trabalho de luto na adolescência, corre-se o risco de enfatizar apenas a tarefa adolescente de fazer algo com o que já foi perdido.”. Prosseguem as autoras sobre esta ênfase do trabalho psíquico, trazendo a contribuição de Viglietti (2000 apud MACEDO, GOBBI & WASCHBURGER, 2009, p. 92):

Nessa modalidade de compreensão da adolescência, Viglietti (2000) evidencia a difícil tarefa que é proposta ao adolescente, uma vez que deve definir quem é e o que é, e isso ocorre “em um mundo que o define por aquilo que não é. Definir que a problemática central da adolescência é a do luto pelo que se perdeu é uma das formas de definir o adolescente por aquilo que não é mais (p. 51).” [grifo nosso].

Quando, na verdade, o trabalho do adolescente possa residir em construir aquilo que irá ser, uma vez que não sabe quem é – e se não sabe quem é, não há como ser o que não é mais.

Ainda de forma crítica à compreensão da adolescência enquanto vivência de um luto, Urribarri (2003), citado pelas autoras, indica que a ênfase da adolescência está na transformação e não nas perdas:

Na mesma direção, em relação à passagem da infância para a adolescência, Urribarri (2003) destaca ser esse um período de mudanças e transformações

e não de perdas. Considera o autor em relação ao adolescente, que ‘se lhe custa deixar o infantil, deseja ardosamente o novo e luta para consegui-lo [...], ou seja, o infantil se modifica, se complexifica e se organiza sobre nova forma [...] que, de alguma forma, inclui a anterior’ (p. 54). Mesmo que ocorram renúncias a aspectos relativos ao infantil, segundo Urribarri (2003), isso não significa que o adolescente irá enlutar-se, enfatizando que a dinâmica do processo de luto, como proposta por Freud, difere significativamente do processo pelo qual vive o adolescente. (URRIBARRI, 2003, apud MACEDO, GOBBI & WASCHBURGER, 2009, pp. 92-93). [grifo nosso]

Desta forma, o autor, e também as autoras, indicam uma incompatibilidade entre adolescência e luto do corpo, uma vez que o corpo adolescente parece significar um “sendo”, em construção, e não um “vir-a-ser”. Na qualidade de sendo o corpo adolescente é um corpo que se constrói desde um outro corpo, anterior, e que é corpo infantil – não é uma perda, mas uma transformação. O processo é de complexificação, modificação e organização e não de desfazimento.

Diante das importantes críticas à ideia de luto, é importante apresentar a compreensão da vivência deste luto na adolescência.

Segundo Nasio (2011, p. 31), “A adolescência é [...] um processo silencioso, doloroso, lento e subterrâneo de desligamento do mundo infantil.” (grifo do autor). Cada segundo da vivência do jovem contém a perda de uma célula da infância (NASIO, 2011) – todo esforço de mantê-las vivas é em vão, uma vez que não há controle sobre estas células. Elas se vão e novas ocupam seu espaço. “É uma perda sorrateira que não se vê nem se sente, mas que persiste inexoravelmente até a conquista da maturidade.” (NASIO, 2011, p. 31).

Nesta vertente de compreensão do que seja a adolescência, esta é classificada como a vivência de um luto, mas também de renascimento – ao mesmo tempo que se afasta da criança que foi está construindo o futuro adulto, um movimento entre presente e passado (NASIO, 2011). Segundo Nasio (2011, pp. 49-50), o trabalho da adolescência também contempla outras três atividades, entendidas como

(...) perder, conservar e conquistar: perder seu corpo de criança e o universo familiar no qual cresceu; conservar tudo o que sentiu, percebeu e desejou desde seu primeiro despertar, em especial sua inocência de criança; e conquistar finalmente a idade adulta. Deve abandonar sua infância ao mesmo tempo em que a ama e encontrar novas referências para consolidar sua identidade de homem ou mulher. [grifo do autor]

O autor afirma que o luto é um processo lento e doloroso ao adolescente e que o luto, em si, coloca em questão a vivência da falta do objeto amado, e que implica, portanto, uma nova forma de amar, que é amar na virtualidade e não mais na certeza do encontro. O amor passa a ser pela imagem que fica, pela virtualidade, e não mais pela realidade, antes regida pela presença do corpo. “Da mesma forma, o adolescente deve aprender lenta e penosamente a desligar-se da criança viva que foi e do universo familiar que foi o seu para ligar-se pouco a pouco à lembrança de sua infância.” (NASIO, 2011, p. 50) – e isso quer dizer que é preciso lembrar-se do vivido e revivê-lo em suas primeiras sensações. Entretanto, este contato amoroso com o que foi sua infância não é um movimento tranquilo ao adolescente porque o remete ao tratamento dado pelos pais, emergindo daí um sentimento de fraqueza. (NASIO, 2011).

Se o luto coloca uma questão sobre a maneira que se ama, e amar de modo virtual, ou seja, na imagem do que foi, o processo do luto do corpo infantil na adolescência, de modo que se torne adulto, implica assimilação da infância que passou. É preciso amar a criança que se foi. Esta é a chave para, de acordo com Nasio (2011), passar à idade adulta.

amadurecer é conquistar penosamente a flexibilidade de amar – o amor de si do bebê transformou-se, no fim da adolescência, em amor do jovem adulto por sua infância passada. No fundo, num adolescente o luto da infância é, acima de tudo, uma mudança imperceptível na maneira de amar a si mesmo. (NASIO, 2011, p. 51) [grifo do autor].

Tornar-se adulto é reviver, intensamente, num processo dialético, a infância na adolescência: é morrer e renascer para a criança que se foi. “Para assumir plenamente minha metamorfose de adolescente, devo separar-me da criança que fui e, para me separar dela, devo incessantemente lembrar-me dela e deixá-la ressurgir dentro de mim nas palavras, nas emoções e nos atos que tecem a trama de minha vida atual.” (NASIO, 2011, p. 52) [grifo do autor].

Revivendo, na adolescência, a criança que se foi, os outros três trabalhos adolescentes, abandonar, conservar e conquistar mudam de status ao final, indicando o alcance da maturidade. É preciso abandonar o corpo infantil, conservar aquilo de essencial do infantil e conquistar a idade adulta (NASIO, 2011).

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