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Com o fluxo migratório ocorrido fundamentalmente a partir da década de setenta do século XX, o norte do estado de Mato Grosso passa a exercer a atividade que é até os dias de hoje o ‘carro- chefe’ do desenvolvimento econômico da região: a atividade madeireira. É dessa forma que as maiores comunidades do norte mato-grossense, compreendendo as áreas dos municípios de Sinop, Vera e Itaúba conseguem ser destaque no cenário de devastação das florestas nativas, implantando, inicialmente, serrarias de pequeno porte. Assim, com vistas a possibilitar a agricultura na Amazônia norte mato-grossense e viabilizar a construção de cidades neste espaço territorial, surgem as primeiras madeireiras na localidade de Vera, em 1972, e em Sinop, às margens da BR- 163, em 1975.

Em seguida, muitas madeireiras começaram a implantar-se nessa região, não só respondendo aos apelos geopolíticos dos militares, como também atendendo aos propósitos das propagandas empreendidas pelas colonizadoras privadas. A devastação, nesse momento histórico, era sinônimo de progresso. E, nesse sentido, as madeireiras serviam apropriadamente para “limpar o terreno” que posteriormente seria uma terra fértil para o agricultor que buscava fixar-se na terra. A este respeito Arima nos esclarece:

A exploração madeireira também catalisa a ocupação desordenada e contribui indiretamente para o desmatamento regional. Atualmente, são os madeireiros que, em muitas regiões, abrem e mantêm estradas de acesso às florestas. O estabelecimento destas estradas geralmente conduz à colonização por agricultores e fazendeiros, fatos que têm ocorrido nas regiões sul e oeste do Pará e norte de Mato Grosso. (ARIMA, 1999, p.04)

O setor industrial madeireiro, responsável pela extração da matéria-prima da floresta, criou condições para que a ocupação da Amazônia norte mato-grossense se efetivasse, e a madeira tornou-se, conseqüentemente, o principal produto de industrialização e comercialização da região. No entanto, Souza (2004) nos chama a atenção para a escassez de recursos empreendidos nesta atividade econômica. A ineficiência do capital empregado reflete-se tanto nas empresas implantadas como nas políticas disponibilizadas pelo poder público.

Segundo Souza, os investimentos efetuados em Mato Grosso não eram e não são suficientes para, especificamente quanto ao setor madeireiro, creditar-lhes venturas e organização industrial, mesmo porque a produtividade do trabalho e a ineficiência do capital investido não conseguem operar em um limite necessário, em termos de produção e consumo. As pequenas indústrias do setor não estavam capacitadas tecnologicamente e se utilizavam de técnicas rudimentares para o beneficiamento da matéria-prima extraída. Porém, mesmo com estruturas em que o planejamento não recebeu a atenção necessária, a atividade desenvolve-se a passos largos, principalmente nas cidades15 que compunham o Projeto Gleba Celeste idealizado pela Colonizadora Sinop S.A.

Essa ascensão do número de empresas madeireiras deve-se, principalmente, pelas propagandas que enalteciam a região e a apresentavam como um paraíso à espera de homens que o desbravassem. Alguns mitos foram propagados nesse período para impulsionar ainda mais a

15 As cidades que constituíam oficialmente a Gleba Celeste eram: cidade de Vera (instalada em 27 de julho de 1972); cidade de Sinop (em 14 de setembro de 1974); cidade de Santa Carmem (em 15 de setembro de 1974) e cidade de Cláudia (em 1978). Souza (2004).

vinda dos eufóricos agricultores do sul do país, tais como “herói colonizador”, “plantador de cidades”, e “colonização como missão”. Envolvido por este espírito inovador e pela esperança de obter lucros fáceis com a devastação do grande ‘império’ florestal, já na década de 80, de acordo com Souza (1999), o parque madeireiro de Sinop, contando com aproximadamente 500 indústrias, despontava como um dos maiores parques industriais do país.

Picoli (2004b), de outro modo, nos leva a refletir sobre as regras estabelecidas pelos grandes grupos econômicos que se estabeleceram nessa região. Segundo esse autor, os processos migratórios para a Amazônia representam apenas a livre vinda do ‘exército industrial de reserva’, ou seja, o setor de transformação de madeiras é o grande responsável pelo deslocamento de trabalhadores que servem aos propósitos da formação de capitais e força de trabalho. Assim, a nova fronteira de expansão torna-se atrativa para o capital porque este disponibiliza de um grande contingente de mão-de-obra barata para a sua reprodução.

O contexto socioeconômico que consolidou a indústria madeireira e proporcionou um crescimento acelerado para a Amazônia Legal, teve o seu auge na década de oitenta com cerca de três mil indústrias madeireiras16 espalhadas no Estado de Mato Grosso, período em que foi a maior empregadora de mão-de-obra no setor industrial e a maior arrecadadora de ICMS (Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação). No entanto, entre os anos de 1988 e 1998 inicia-se o que os economistas denominam de um grande desaquecimento deste setor de base florestal em todo o Estado. Nesse período, foram fechadas aproximadamente 1.300 empresas, resultando na diminuição de mais de 39 mil postos de trabalho.

Uma das hipóteses desenvolvidas pelo Governo do Estado de Mato Grosso (1999) para a desativação de um número tão elevado de indústrias extrativas advém da área econômica que responsabiliza os processos inflacionários registrados naquele período, decorrentes da implantação do Plano Real e a conseqüente valorização desta moeda, por tornar as importações inviáveis e pouco atrativas. Do mesmo modo, o setor de construção civil – principal consumidor de madeira – retraiu-se, diminuindo o consumo dos produtos de base florestal. As altas taxas de juros aliadas às grandes distâncias dos maiores compradores da madeira do Estado – região Sul – também entram no rol dos responsáveis pelo “desaquecimento” do setor. E, ainda, começam a

16 Dados fornecidos pela Câmara de Política de Desenvolvimento Econômico do Governo do Estado de Mato Grosso.

surgir as grandes polêmicas ambientais, movidas, inclusive, por interesses internacionais para a preservação do grande tecido verde Amazônico. Iniciam-se, gradativamente, imposições e restrições mobilizadas por novos decretos legais que impunham uma nova política nacional para o setor.

O ápice da crise, porém, ocorre no ano de 2005, com as intervenções da Polícia Federal17 desarticulando operações fraudulentas e a chamada máfia “verde” da corrupção. Muitas empresas sucumbiram e o caos comercial se instalou no setor madeireiro e nas cidades que têm nesta atividade o seu grande potencial de circulação econômica. No momento atual, muitos acordos têm sido articulados entre Estado e indústrias, mas, a conjuntura aponta para o “reaquecimento” do setor está comprometido e a retomada do crescimento será lenta, tendo que obrigatoriamente as indústrias se adaptarem às novas imposições da legislação.

Muitos são os pesquisadores que apóiam as mudanças e reformulações na legislação, apontando o desmatamento como o processo indiscriminado resultante de interesses ligados essencialmente ao desenvolvimento agrícola e pecuário. Estes, condenam a falta de infra-estrutura das indústrias madeireiras que não investem em equipamentos apropriados, em mão-de-obra especializada e na modernização de seus parques industriais. Estas, por sua vez, atribuem a culpa à falta de fontes de financiamento condizentes com suas necessidades, bem como a precariedade de estradas, energia e comunicação. Dentre as muitas críticas teóricas, tomamos como exemplo Barros & Veríssimo:

À primeira vista, a paisagem enfumaçada das cidades madeireiras da Amazônia dificilmente transmite a visão de um futuro promissor para a região. O acúmulo desordenado de pedaços de madeira e as montanhas de pó de serragem em combustão ao ar livre falam por si só de uma atividade econômica que subvaloriza a própria fonte de riqueza - as florestas tropicais da Amazônia Oriental. Como se o desperdício que tanto chama a atenção nas serrarias não bastasse, os danos diretos causados na floresta por uma exploração não planejada não deixam dúvidas sobre a natureza predatória do empreendimento. (BARROS & VERÍSSIMO, 1996, p.28)

17 Esta intervenção da Polícia Federal ocorreu no final do primeiro semestre de 2005 quando foi deflagrada a Operação Curupira. Nessa desarticulação da máfia da corrupção foram presas 102 pessoas – entre madeireiros, fiscais do Ibama e outros funcionários públicos – acusados pela devastação de quase 2 milhões de metros cúbicos de árvores em troca de propina e lucro fácil.

É importante lembrar ainda que uma das razões para o esgotamento das reservas naturais florestais de outros estados brasileiros, como o Sul e o Sudeste, foi exatamente a extração exacerbada e indiscriminada dos seus recursos. Alguns pesquisadores (Freitas & Hummel, 2001; Schneider, Arima, Veríssimo, Barreto & Souza Junior, 2000), defendem que há a possibilidade de concatenar a especificidade econômica da indústria madeireira à exploração da floresta, sem prejuízos ambientais. A este processo denominam Manejo Florestal e alertam para as mudanças profundas que devem ocorrer para que ele seja implantado, não só estruturais como também investimentos políticos e ações governamentais que incentivem a atividade e a oferta contínua de bens e serviços.

Antes de darmos continuidade ao nosso propósito de verificar como ocorre a manifestação da dimensão dialógica da linguagem na mídia impressa sinopense, abordaremos, no próximo subitem, o contexto histórico da cidade de Sinop, enfatizando as formações discursivas das indústrias madeireiras presentes nesse espaço geográfico.