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U MA BREVE HISTÓRIA DA REFORMA DO C ONSELHO DE S EGURANÇA

2.1 A ampliação do Conselho de Segurança durante a Guerra Fria

O sistema internacional passou por uma importante transformação nas décadas de 1950 e 1960, a saber, o processo de descolonização. A relevância desse processo não decorreu apenas do aumento do número de membros da comunidade internacional ou do enfraquecimento das antigas potências coloniais: deu-se, em grande parte, por ele ter levado a uma reavaliação dos critérios de legitimidade internacional.

Os Estados recém-independentes da África e da Ásia, considerando que o ordenamento do sistema internacional teria, até aquele momento, sido obra essencialmente de seus antigos colonizadores, reivindicaram uma transformação na ordem, de modo que ela reconhecesse seus direitos e atendesse aos seus interesses. O grande número de novos Estados e o êxito que tiveram em coordenarem-se uns com os outros permitiram a eles introduzir de forma contundente na agenda internacional temas como descolonização e justiça econômica. Desse modo, a partir da década de 1960, foros políticos tradicionalmente dominados pelas superpotências ou pelo bloco ocidental viam-se forçados a debruçarem-se sobre os interesses do Terceiro Mundo. Quando o Chanceler brasileiro João Augusto de Araujo Castro afirmou, em seu famoso “discurso dos três ‘D’s”, que “nem tudo é Este ou Oeste nas Nações Unidas de 1963. O mundo possui outros pontos cardeais” (SEIXAS CORRÊA, 2007, p. 172), ele apontava para essa nova realidade. A legitimidade internacional, sobre a qual se sustentava a ordem, passava a depender também dos novos Estados afro-asiáticos.

Um aspecto importante dessa transformação foi a reivindicação de uma maior representação da África e da Ásia no Conselho de Segurança. O tema entrou em pauta pela primeira vez em 1955, quando, seguindo o primeiro grande aumento no número de membros na Organização, alguns países latino-americanos, em conjunto com a Espanha, propuseram que a

Assembléia Geral discutisse a expansão do número de membros não-permanentes do Conselho. Todavia, a União Soviética insistiu que, antes que fosse aprovada qualquer emenda à Carta referente à expansão do Conselho, fosse resolvida a questão da representação da República Popular da China na Organização, o que efetivamente inviabilizou a reforma.

Todavia, na 15ª Assembléia Geral, os países afro-asiáticos buscaram valer-se de sua força na Assembléia Geral, onde a regra de que o voto de todos os Estados tem o mesmo peso dava a eles a capacidade de ditar, em larga medida, os termos do debate. Para esquivar a resistência soviética, propuseram que

immediate steps should be taken for the redistribution of the existing seats in the two Councils, to be effective at the present session [1960] session, so as to ensure equitable geographical distribution and, in particular, to reflect increased membership of the United Nations (SCHWELB, 1965, p. 838).

Pela primeira vez, uma proposta de reforma do Conselho foi levada à votação. Entretanto, o projeto foi rejeitado principalmente pelos países europeus e latino-americanos, que seriam prejudicados em eventual redistribuição.

Em 1963, um grande número de países africanos e asiáticos propôs a inclusão na agenda do tema “Question of Equitable Representation on the Security Council and the Economic and

Social Council”. Um acordo entre países africanos, asiáticos e latino-americanos permitiu que se

apresentasse uma proposta de reforma pela qual o Conselho de Segurança seria expandido de modo que passasse a contar com dez membros não-permanentes.

Os membros permanentes não viam com simpatia a reforma, defendendo que eventual expansão do Conselho fosse mais modesta. O representante do Reino Unido, ao justificar a abstenção do país, afirmou que:

His delegation approached the debate in full sympathy with the overwhelming majority in their wish to enlarge the two Councils. The effect of the revised draft resolutions, however, went further than the position that had been before the Committee at an earlier stage, and his delegation would need more time for study than was available at the session (SCHWELB, 1965, P. 841).

Os Estados Unidos também se abstiveram na votação, ao passo que a União Soviética e a França votaram contra. A negativa soviética foi justificada com base na questão da representação da República Popular da China, ao passo que a delegação francesa afirmou que teria votado

contra “because it felt that a thorough study of the complex issues involved had not been possible

in the short time available” (SCHWELB, 1965, p. 841).

Todavia, o peso do bloco afro-asiático na Assembléia permitiu que aprovassem a proposta de emenda à Carta: em 17 de dezembro de 1963, a Assembléia Geral aprovou a Resolução 1991 (XVIII), criando quatro novos assentos não-permanentes no Conselho (e, consequentemente, aumentando o número de votos necessários para aprovar moções de sete para nove). A resolução teve 97 votos a favor, 11 contra e 4 abstenções.

Dos membros permanentes, apenas a China votou a favor de emenda. Como foi dito acima, a França e a União Soviética se opuseram à ampliação, enquanto os Estados Unidos e o Reino Unido se abstiveram. Todavia, uma emenda à Carta, segundo o Artigo 108 da mesma, exige para sua aprovação não só o voto de dois terços da Assembléia Geral, como também sua ratificação por todos os membros permanentes do Conselho de Segurança. O quadro era, portanto, de uma vitória pírrica: ainda que aprovada a emenda pela Assembléia Geral, a oposição dos membros permanentes indicava que a reforma poderia ser efetivamente natimorta.

Todavia, os membros permanentes logo se deram conta do alto custo político de impedir a entrada em vigor de uma emenda que havia sido aprovada pela maioria dos Estados Membros das Nações Unidas e que se destinava a aumentar a legitimidade do principal órgão da Organização aos olhos de uma imensa maioria dos seus membros:

In this context, and given their competition for influence in what was then known as the “Third World,” neither Washington nor Moscow wanted to be the first to oppose openly the growing campaign for enlargement, whatever their actual misgivings (LUCK, 2003, p. 8).

Assim, acabaram os cinco por ratificar a emenda em 1965: a União Soviética em fevereiro; o Reino Unido em junho; e a China, a França e os Estados Unidos em agosto. A emenda entrou em vigor a partir da ratificação norte-americana em 31 de agosto de 1965. Ampliava-se o acesso dos novos Estados ao processo de gerenciamento da ordem internacional.