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3 METODOLOGIA DE PESQUISA

3.6 A análise de conteúdo dos laudos psicológicos

A análise de conteúdo realizada neste trabalho utilizou a técnica conhecida como análise categorial, que consistiu na repartição do texto estudado em elementos que, por sua vez, foram reagrupados em categorias.

Aos elementos extraídos do texto chamou-se indicadores patológicos e o método utilizado para a coleta foi o de separação por “caixa”, ou seja, os elementos

foram repartidos à medida que foram encontrados na leitura do corpus (Bardin, 1995).

O sistema de categorias foi previamente adotado e denominado de categorias

sintomáticas. Para o estabelecimento destas categorias utilizou-se os pressupostos

estabelecidos por Sanderson (2005) que considerou que os efeitos do abuso sexual da criança podem ser agrupados em seis categorias, a saber: emocionais, interpessoais, comportamentais, cognitivos, físicos e sexuais.

O corpus para análise foi constituído com os 108 laudos psicológicos selecionados conforme os critérios mencionados anteriormente.

Primeiramente foi realizada a leitura flutuante dos documentos que integram o

corpus. Observou-se que os laudos pesquisados, por se tratarem de documentos

emitidos por órgão oficial, possuíam uma estrutura padrão, sendo compostos pelas seguintes partes:

a) identificação do periciado: fornece informações, que serão utilizadas parcialmente devido a princípios éticos, tais como idade e sexo;

b) síntese da entrevista com o responsável legal: informações a respeito das condições em que ocorreu a revelação do abuso, as motivações do representante, o registro da ocorrência policial, etc;

c) versão (relato) sobre o fato que motivou o exame (abuso sexual): registra as condições que ocorreu o abuso, os meios empregados, o local, a freqüência, a duração, informações a respeito do abusador entre outros;

d) história de vida: registra as condições de nascimento, desenvolvimento psicomotor, estrutura familiar, doenças pré-existentes, processo de escolarização e socialização e outras informações necessárias;

e) exame psíquico: fornece a descrição das funções psíquicas tais como: a linguagem, a memória, a atenção, a emoção, o pensamento, a psicomotricidade entre outros;

f) descrição comportamental da criança: registra a descrição do comportamento atual e os possíveis distúrbios que sobrevieram ao evento alegado;

g) resultados obtidos em testes psicológicos: permite a obtenção de caracteres psicológicos encontrados por meio dos instrumentos psicológicos, além da mensuração do nível intelectual da criança periciada;

h) conclusão diagnóstica: registra o diagnóstico clínico firmado a respeito do caso.

Na seqüência, formulou-se o objetivo da pesquisa, a saber: identificar a existência de sinais e/ou sintomas que configurem um quadro de dano psíquico em crianças com suspeita de que terem sido vítimas de abuso sexual a partir da análise dos conteúdos dos respectivos laudos psicológicos.

Para nortear o trabalho foram estabelecidas as seguintes hipóteses de pesquisa:

Hipótese 1:

Os danos psíquicos causados pelo abuso sexual na criança são passíveis de serem detectados em exame psicológico.

Hipótese 2:

Os vestígios de conjunção carnal e/ou ato libidinoso não são suficientes para a constatação do abuso sexual, podendo o trauma psíquico ser com eles utilizado como parâmetro acessório.

Após o estabelecimento das hipóteses, realizou-se o processo de referenciação dos índices. Adotou-se como índice a menção explícita de palavras que expressam estados psicológicos ou descrição de algum tipo de distúrbio comportamental, considerados pela literatura como freqüentes em crianças vítimas de abuso sexual, computando-se a freqüência de aparição.

Procedeu-se a repartição dos indicadores patológicos em categorias

sintomáticas de acordo com os critérios especificados anteriormente, conforme estão

elencados a seguir:

Categoria 1 - Efeitos Emocionais: conjunto de sinais e sintomas referentes às emoções comumente manifestadas pelas crianças vítimas de abuso sexual.

• Sentimento de vergonha, humilhação, repulsa, ódio e desrespeito por si mesma;

• Sentimento de culpa, constrangimento; • Medo;

• Ansiedade; • Confusão;

• Falta de poder, impotência;

• Dúvidas sobre si mesma, falta de confiança e de iniciativa; • Inferioridade, sensação de falta de valor, inadequação; • Raiva, hostilidade;

• “Congelamento”.

Categoria 2 – Efeitos Interpessoais: conjunto dos comportamentos que demonstram como as crianças, vítimas de abuso sexual, se relacionam com seus pares e a qualidade desses relacionamentos.

• Medo da intimidade (evita proximidade, abraços, afagos, carícias com outros)

• Erotização da proximidade (ódio, hostilidade);

• Falta de confiança em si mesma e nos outros (cauteosa); • Necessidade de se esconder, ocultar-se (timidez); • Solidão, alienação (isolamento);

• Redução das habilidades de comunicação;

• Falta de espontaneidade e de iniciativa (inibição); • Confusão de papéis, criança/ pseudo-adulto;

• Supersensibilidade às necessidades e atitudes dos outros (superdócil); • Auto-suficiência;

• Hostilidade e agressividade com os outros.

Categoria 3 - Efeitos Comportamentais: conjunto de mudanças comportamentais (atividades recreativas, comunicação, linguagem, hábitos alimentares, sono e outros) provocadas nas crianças em virtude do abuso sexual.

• Brincadeira sexualizada;

• Temas sexuais em desenhos, histórias e jogos;

• Comportamento regressivo (xixi na cama, chupar o dedo, ...) • Distúrbio de conduta (ataques histéricos, pôr fogo em objetos, ...) • Mudanças nos padrões de sono e alimentação;

• Comportamentos perigosos, como fugir ou lutar e vulnerabilidade a acidentes;

• Comportamento autodestrutivo, tentativas de suicídio. • Promiscuidade;

Categoria 4 - Efeitos cognitivos: conjunto dos transtornos cognitivos, ocasionados pelo abuso sexual da criança, envolvendo processos de percepção, atenção, concentração, memória, compreensão entre outros.

• Baixa concentração e atenção; • Dissociação;

• Transtornos de memória; • Negação da realidade; • Refúgio na fantasia;

• Sub ou superaproveitamento na escola; • Hipervigilância;

• Distorções cognitivas (percepção distorcida da realidade).

Categoria 5 – Efeitos Físicos: conjunto dos sinais e sintomas físicos provocados pelo abuso sexual na criança.

• Hematomas e sangramento;

• Traumas físicos nas regiões oral, genital e retal;

• Traumas físicos nos seios, nádegas, coxas e baixo ventre;

• Danos visíveis em razão da inserção de objetos estranhos nos orifícios genital, retal e uretral;

• Coceira, inflamação e infecção nas áreas oral, genital e retal; • Presença de sêmen;

• Odores estranhos na área vaginal; • Doenças sexualmente transmissíveis;

• Gravidez;

• Desconforto em relação ao corpo;

• Distúrbios do sono: pesadelos, sonambulismo.

Categoria 6 - Efeitos na conduta sexual: conjunto de comportamentos sexuais, provocados pelo abuso sexual da criança e considerados incomuns.

• Comportamentos sexuais inadequados e persistentes com adultos, crianças ou brinquedos;

• Temas sexuais nos trabalhos artísticos, em histórias ou em jogos; • Compreensão claramente sofisticada do comportamento sexual; • Masturbação compulsiva; • Exibicionismo; • Medo do sexo; • Promiscuidade; • Prostituição; • Problemas menstruais; • Gravidez

Para a exploração do texto, estabeleceu-se previamente como unidade de

registro aquelas palavras (palavras-tema) que expressam estados psicológicos ou

algum tipo de descrição comportamental. Como unidade de contexto foi utilizada a frase onde estava inserida a palavra. Para a regra de enumeração adotou-se como critério a freqüência de aparição.

Em seguida, procedeu-se a exploração do material. Deu-se início ao inventário dos indicadores, ou seja, a identificação e isolamento da unidade de contexto. Usou-

se o procedimento de repartição por caixa, ou seja, os indicadores foram separados à medida que eram encontrados no processo de leitura dos documentos integrantes do

corpus.

Após a identificação e isolamento da unidade de contexto, os indicadores sofreram um processo de classificação, baseada nos critérios de analogia e semelhança de significado entre si, e, categorização de acordo com o proposto por Sanderson (2005) e já descrito anteriormente.

Os dados foram armazenados em um Banco de Dados Microsoft Access 2002 e, em seguida, processados em uma planilha eletrônica do programa Microsoft Excel 2002.

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