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A antecipação da tutela e seus impactos no ato de julgar e de efetivar o

2.2 As reformas processuais civis e a tentativa de propiciar um novo parâmetro ao

2.2.1 A antecipação da tutela e seus impactos no ato de julgar e de efetivar o

A tutela antecipada, prevista no artigo 273 do Código de Processo Civil, pode ser apontada como a renovação de maior relevância, pois, por meio dela, pretendia-se romper por completo a lógica da ordinariedade, inicialmente superada pelo uso inadequado das tutelas cautelares inominadas (art. 798).

À época de sua implementação, o processualista José Joaquim Calmon de Passos descrevia-a com as seguintes letras:

Prevê-se, agora, a possibilidade de antecipação da tutela em qualquer procedimento, o que significa obter-se decisão de mérito provisoriamente exeqüível, mesmo antes de cumpridos todos os trâmites do procedimento que a ensejaria em condições normais.161

Mediante a aplicação da técnica antecipatória, admitiu-se que o autor pudesse obter satisfação de seu direito material no curso do processo, viabilizando o alcance antecipado de tutela que apenas seria concedida ao seu final, após o exaurimento cognitivo, como descrito.

Foi possível observar que um de seus principais objetivos consistiu em distribuir o ônus do tempo do processo entre as partes litigantes, eis que, a partir de então, o magistrado,

                                                                                                                160

Cabe esclarecer que a pesquisa não objetiva examinar as reformas processuais uma a uma, mas sim, indicar a relevância das alterações legislativas, ocorridas no Código de Processo Civil, para uma análise que desenvolva um pensar além da mera descrição das alterações processuais.

161

PASSOS, José Joaquim Calmon de. Inovações no código de processo civil. 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1995. p. 5.

diante dos requisitos legais, poderia, total ou parcialmente, antecipar os efeitos da proteção jurisdicional pretendida pela parte autora.162

Entretanto, mais do que atender ao aludido objetivo, com a renovação introduzida pela antecipação de tutela, obtinha-se uma nova postura diante do ato de julgar. O juiz, não de modo inusitado, haja vista os procedimentos especiais, analisava a demanda com o olhar da sumariedade.

Os magistrados, diante do requerimento da parte, poderiam conceder, no procedimento ordinário, antecipadamente, uma pretensão sob o exercício decisório da cognição sumária, sem estabelecer o exaurimento antes praticado.

A técnica antecipatória considerou, como pressuposto para a concessão da tutela jurisdicional, requerida nos termos do art. 273, a probabilidade do direito do demandante e a verossimilhança de suas alegações.

Com o então novo instituto, não seriam ressaltados, em sede de tutela antecipada, os juízos de certeza e de busca da verdade para a satisfação provisória163 do direito material pretendido pelo autor, nos termos do modelo implementado pelo Código-Buzaid.

Todavia, não se pretendia a mera concessão antecipada do direito material em decisão escrita. O que o demandante almejava era a efetivação, a realização da tutela antecipada concedida e, para tanto, tornava-se indispensável que a medida fosse exequível.

Diante do exposto, fez-se necessário o enfrentamento da dicotomia até então existente entre os processos de conhecimento e de execução, com a consequente ruptura do preceito segundo o qual a execução inicia-se após o término do processo de conhecimento – cujo objetivo era declarar o direito em sentença condenatória (título executivo judicial).                                                                                                                

162

“A tutela antecipatória pode ser concedida no curso do processo de conhecimento, consistindo verdadeira arma contra os males que podem ser acarretados pelo tempo do processo, sendo viável não apenas para evitar um dano irreparável ou de difícil reparação (art. 273, I, do CPC), mas também para que o tempo do processo seja distribuído entre as partes litigantes na proporção da evidência do direito do autor e da fragilidade da defesa do réu (art. 273, II e § 6.º, do CPC).” MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de

conhecimento. v. 2, 9. ed., rev. e atual., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 198. 163

A provisoriedade está atrelada ao fato de que o provimento concedido de modo antecipado (tutela antecipatória) será substituído por outro (tutela final) que disponha definitivamente acerca da questão litigiosa.

Era regra geral do processo, consoante frisado adiante, o princípio nulla executio sine titulo, então consagrado no, hoje revogado, artigo 583 do Código de Processo Civil: ‘Toda execução tem por base título executivo judicial ou extrajudicial.’

Não se deve, por conseguinte, esquecer que:

[...] a ideia de que a execução depende de um processo de cognição exauriente está ligada à premissa de que o juízo de cognição sumária (ou o juízo de mera probabilidade), exatamente por ser um juízo que postecipa o direito de defesa, não é suficiente para a instauração da execução. A execução, nesse sentido, sempre dependeu da ‘certeza jurídica’ – que é uma ilusão, pois qualquer pessoa mais atenta pode constatar que o juiz, mesmo após a produção das provas e ao final do procedimento comum de conhecimento, pode estar envolvido em situação de dúvida. Explica-se: a ideia da busca da ‘certeza jurídica’ somente foi lançada para encobrir o fato de que não se confiava no juiz, temendo-se que ele pudesse arbitrariamente proteger o autor em detrimento do réu; exatamente por essa razão a doutrina não admitia a realização do direito antes de ter sido dado ao réu ampla oportunidade de produção de prova.164

Contrariando a lógica do processo civil clássico, o instituto da tutela antecipada rescinde o princípio nulla executio sine titulo para admitir a execução no curso do processo de conhecimento, iniciando-a sem a constituição do título executivo.

Não se vislumbrava, assim, apenas uma mudança legislativa.165 Ao contrário, era preciso, principalmente, reestruturar o modo de pensar e de agir dos agentes do direito, o papel e o poder do judiciário e a consequente reflexão acerca do conceito de jurisdição.

Afirma-se isto pelo fato de, num primeiro momento, ter havido dificuldade em manejar a tutela antecipada. As partes, bem como os magistrados, não estavam preparados

                                                                                                                164

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de conhecimento. v. 2, 9. ed., rev. e atual., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 207.

165

“Em suma, impende reconhecer, numa visão isenta, não apaixonada, sobre o problema, que a implantação do processo justo não depende tanto de reformas legislativas sobre os textos dos códigos. O que sua efetiva observância reclama, na verdade, é uma nova mentalidade para direcionar o comportamento dos operadores do processo [...].” THEODORO JUNIOR, Humberto. Constituição e processo: desafios constitucionais da reforma do processo civil no Brasil. In: MACHADO, Felipe Daniel Amorim; OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni (coords.). Constituição e processo: a contribuição do processo ao constitucionalismo democrático brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2009. p. 251.

para a nova sistemática e, de modo usual, sentiam-se limitados quanto à solicitação e, também, quanto ao deferimento do provimento jurisdicional antecipado.

Os processualistas Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, à época, advertiram:

É preciso que os operadores do direito compreendam a importância do novo instituto e o usem de forma adequada. Não há motivos para timidez no seu uso, pois o remédio surgiu para eliminar um mal que já está instalado, uma vez que o tempo do processo sempre prejudicou o autor que tem razão. É necessário que o juiz compreenda que não pode haver efetividade sem riscos. A tutela antecipatória permite perceber que não é só a ação (o agir, a antecipação) que pode causar prejuízo, mas também a omissão. O juiz que se omite é tão nocivo quanto o juiz que julga mal. Prudência e equilíbrio não se confundem com medo, e a lentidão da justiça exige que o juiz deixe de lado o comodismo do antigo procedimento ordinário – no qual alguns imaginam que ele não erra – para assumir as responsabilidades de um novo juiz, de um juiz que trata dos ‘novos direitos’ e que também tem que entender – para cumprir sua função sem deixar de lado sua responsabilidade social – que as novas situações carentes de tutela não podem, em casos não raros, suportar o mesmo tempo que era gasto para a realização dos direitos de sessenta anos atrás, época em que foi publicada a célebre obra de Calamandrei, sistematizando as providências cautelares.166

No entanto, havia uma inconsistência no tocante à aplicação do novo instituto processual. Segundo o modelo tradicional, o magistrado tinha de ser submisso ao legislador, ou seja, ao juiz caberia apenas e tão somente declarar a “vontade da lei”.167

Neste parâmetro, com nenhum poder de império, o juiz deveria decidir sem, de fato, entregar ao jurisdicionado o direito que lhe pertence. Assim,

[...] percebe-se que a mera alteração legislativa não possui o condão de resolver os problemas corriqueiramente atribuídos ao sistema processual (demora procedimental, alto custo, formalidade exacerbada, baixa eficiência e arraigamento a práticas processuais ultrapassadas) caso não ocorra a preocupação de se redimensionar a infra-estrutura do Poder Judiciário e a                                                                                                                

166

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de conhecimento. v. 2, 9. ed., rev. e atual., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 199.

167

“Aos juízes incumbe o dever de aplicar a lei cegamente, uma vez que ‘os juízes não são nada mais do que a boca que pronuncia as palavras da lei; são seres inanimados que não podem moderar quer a força quer o rigor da lei’.” CAPPELLETTI, Mauro. Repudiando Montesquieu? A expansão e a legitimidade da “justiça constitucional”. Revista Forense. v. 366. Rio de Janeiro: Forense, mar.-abr. 2003. p. 135.

própria mentalidade de todos os técnicos jurídicos, uma vez que não se atacam os grandes problemas causadores da demora processual.168

Fazia-se necessário repensar o conceito de jurisdição. Não se poderia mais admitir seu atrelamento tão só ao ato de dizer o direito ao caso concreto. E, assim, o processualista Ovídio Araújo Baptista da Silva afirma:

Certamente, o estabelecimento de uma nova categoria diferenciada da condenatória, para a qual a atividade judicial, expressa na sentença, não se limite a uma melancólica exortação dirigida ao condenado, mas se traduza numa ordem imediatamente executiva, é em si mesmo altamente positivo e desejável. Mas as verdadeiras vantagens dessa vitória inicial haverão de refletir-se no novo conceito de jurisdição, agora imperativa e não mais meramente arbitral e privada como a temos concebido e praticado sob o domínio secular do Processo de Conhecimento; haverá igualmente de impor a recuperação dos juízos de verossimilhança a que faz tímido aceno o art. 273 do CPC, em sua nova redação; provocando, finalmente, o despertar da ilusão racionalista, responsável pela tentativa de ‘geometrização’ do Direito, livrando-o da servidão em que ele se encontra; acima de tudo, criando-se juízes democraticamente responsáveis – não, como agora, burocraticamente responsáveis, perante seus superiores hierárquicos –, capazes de exercerem, em sua verdadeira transparência, uma jurisdição criadora do direito, como ela necessariamente deverá sê-lo, de modo que o Poder Judiciário possa tornar-se o agente intermediário entre a lei e seus consumidores, como preconiza Cappelletti.169

Para a construção de um novo conceito de jurisdição, era necessário repensar não somente o poder judiciário e seu exercício jurisdicional, mas também o resultado do ato de julgar: a sentença e sua classificação.

As reformas contribuíram para tanto. Na expectativa da ampliação da classificação das sentenças, foram introduzidas ao Código de Processo Civil as tutelas específicas previstas no artigo 461.

                                                                                                                168

NUNES, Dierle José Coelho. Processo jurisdicional democrático: uma análise crítica das reformas processuais. Curitiba: Juruá, 2009. pp. 42-43.

169

SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Jurisdição e execução na tradição romano-canônica. 2. ed., rev., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 215.

2.2.2 AS TUTELAS ESPECÍFICAS, A RECLASSIFICAÇÃO DAS SENTENÇAS E A