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As tutelas específicas, a reclassificação das sentenças e a possibilidade de

2.2 As reformas processuais civis e a tentativa de propiciar um novo parâmetro ao

2.2.2 As tutelas específicas, a reclassificação das sentenças e a possibilidade de

Ao lado da antecipação da tutela, as tutelas específicas, inseridas pela reforma no artigo 461 do Código de Processo Civil, foram impactantes e, também, muito relevantes para um novo pensar e agir pelo processo.

O provimento específico foi idealizado sob o propósito chiovendiano,170 segundo o qual deve haver a máxima coincidência entre a tutela jurisdicional a ser prestada pelo juízo e o originário direito que assiste a parte.

A alteração legislativa pretendia que o devedor cumprisse exatamente o pactuado, concedendo ao credor, via processual, aquilo que ele obteria se a obrigação fosse espontaneamente cumprida em seu primitivo interesse.

Em análise ao direito brasileiro, a tutela específica é correlata exatamente nos termos do revogado artigo 75 do Código Civil de 1916, que assim prescrevia: “A todo direito corresponde uma ação, que o assegura”,171 caracterizando-se sua função eminentemente instrumental do direito material.

O caráter instrumental do direito processual civil atende à necessidade de consagrar a avocada mudança de mentalidade do processualista a fim de proporcionar ao jurisdicionado a realização de seu direito, conferindo menor importância à forma e, consequentemente, maior

                                                                                                                170

“Il processo deve dare per quanto è possibile praticamente a chi há um diritto quello e próprio quello ch’egli há diritto di conseguiri.” CHIOVENDA, Giuseppe. Dell azione nascente dal contratto preliminare. In: _____.

Saggi di diritto processuale civile. 2. ed., n. 3, Roma: Foro It., 1930. p. 110. No vernáculo: O processo deve

proporcionar, na medida do que for praticamente possível, a quem tem um direito tudo aquilo e precisamente aquilo que ele tem o direito de obter. (tradução livre)

171

O artigo 75 do CC/16 não foi reproduzido no novo Código Civil, nem mesmo com redação aproximada. Pesquisou-se na balizada doutrina civilista a respeito da ausência deste importante dispositivo legal na legislação material, no entanto, percebeu-se que os doutrinadores, quando de seus comentários ao novo Código, quedaram- se acerca do assunto, demonstrando uma provável falta de compromisso com a efetividade do direito.

atenção aos resultados substanciais.172 Estes argumentos fundamentam a efetivação das medidas não só adequadas, mas, principalmente, contempladas pela tutela específica.

Se a função do processo há de ser instrumental, deverá ele ser concebido e organizado de tal modo que as pretensões de direito material encontrem, no plano jurisdicional, formas adequadas, capazes de assegurar-lhes realização específica, evitando-se, quando possível, que os direitos subjetivos sejam reparados por um precário e aleatório sucedâneo indenizatório.173

Entretanto, o modelo processual civil clássico, cujas técnicas executivas recaíam sobre o patrimônio do devedor, não se mostrava suficiente para atender satisfatoriamente aos direitos dos jurisdicionados pelas tutelas específicas, sobretudo pelo fato de o devedor ter a oportunidade de esquivar-se da obrigação, ora ficando sem patrimônio, insolvente, ora cumprindo tão-somente a obrigação subsidiária, ou seja, resgatando perdas e danos.

Como já ressaltado, pelo processo, o autor nada mais busca do que restaurar uma situação ilegalmente violada pelo réu, razão pela qual a tutela jurisdicional deverá proporcionar-lhe exatamente o que possuía antes da malograda atuação do devedor.

Nesta linha de raciocínio, no que tange à execução, o legislador, envolvido nas ondas renovatórias, inovou com expressão, criando a tutela específica das obrigações de fazer e não fazer, procurando entregar àquele que procura o Judiciário, o seu primitivo direito e não um outro substituto, em forma de perdas e danos.

                                                                                                                172

“[...] Sente-se, porém, a precisão de aplicar com maior eficácia à modelagem do real as ferramentas pacientemente temperadas e polidas pelo engenho dos estudiosos. Noutras palavras: toma-se consciência cada vez mais clara da função instrumental do processo e da necessidade de fazê-lo desempenhar de maneira efetiva o papel que lhe toca. Pois a melancólica verdade é que o extraordinário progresso científico de tantas décadas não pôde impedir que se fosse dramaticamente avolumado, a ponto de atingir níveis alarmantes, a insatisfação, por assim dizer universal, com o rendimento do mecanismo da justiça civil.” MOREIRA, José Carlos Barbosa.

Temas de direito processual: terceira série. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 3. 173

SILVA, Ovídio Araújo Baptista da. Curso de processo civil: processo de conhecimento. v. 1, 6. ed. rev. e atual., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 125.

Procurou o legislador evitar, ao máximo, o uso, pelo devedor, da obrigação substituta. Para melhor compreensão, seguem as palavras dos processualistas Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart:

Embora a norma fale em ‘tutela específica da obrigação’, o seu objetivo é o de dar ao jurisdicionado as técnicas processuais necessárias à obtenção da tutela específica do direito material, impedindo a sua transformação em dinheiro. Melhor explicando: o art. 461 não mira o alcance da tutela específica da prestação inadimplida, mas sim a obtenção da tutela específica ou da integridade do direito material. O seu escopo mais importante é permitir a tutela inibitória – a mais relevante espécie de tutela específica, pois dirigida a inibir o ilícito – e as tutelas de remoção do ilícito e ressarcitória na forma específica, as quais, apesar de viáveis após a violação da norma (remoção do ilícito) e da produção do dano (ressarcitória na forma específica), são voltadas a tutelar, na medida do possível, a integridade do direito, evitando a sua degradação em pecúnia.174

A fim de impender referido mister, a comissão revisora do Código de Processo Civil, inspirada no direito estrangeiro, importou do direito francês as chamadas astreintes, consistente num meio de coerção indireta pela imposição de multa diária cominada ao devedor (§4º, art. 461).

A par da multa, denominada de provimento mandamental, sustentou-se um outro provimento cognominado executivo lato sensu (§5º, art. 461) que, à época, foram comentados pelo processualista Kazuo Watanabe:

Através do provimento mandamental é imposta uma ordem ao demandado, que deve ser cumprida sob pena de configuração do crime de desobediência, portanto mediante imposição de medida coercitiva indireta. Isto, evidentemente, sem prejuízo da execução específica, que pode ser alcançada através de meios de atuação que sejam adequados e juridicamente possíveis, e que não se limitam ao pobre elenco que tem sido admitido pela doutrina dominante. E aqui entra a conjugação do provimento mandamental com o provimento executivo ‘lato sensu’, permitindo este último que os atos de execução do comando judicial sejam postos em prática no próprio processo de conhecimento, sem necessidade de ação autônoma de execução. Dentre os vários meios de execução possíveis, certamente as medidas de sub- rogação de uma obrigação em outra de tipo diferente são bastante eficazes.                                                                                                                

174

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Execução. v. 3, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 47.  

Bem se percebe que não estamos falando de sub-rogação comum, que é a conversão da obrigação de fazer ou não fazer descumprida em perdas e danos. E sim de sub-rogação propiciadora da execução específica da obrigação de fazer ou não fazer ou a obtenção do resultado prático- jurídico.175

Com as tutelas específicas, a reforma processual civil admitiu a inclusão, no rol das sentenças (declaratória, constitutiva e condenatória), de duas novas modalidades: a mandamental e a executiva lato sensu. De trinária, passou à classificação quinária.

A primeira delas é caracterizada pela aplicação de multa coercitiva e a segunda, pela possibilidade de sobrepor medidas executivas necessárias, ambas com o fim de garantir a integridade do direito material, nos moldes descritos.

Todavia, a importante inovação não estava atrelada tão somente à inserção de multa ou de medidas executivas necessárias. Por meio das descritas ‘novas’ sentenças, o magistrado emite ordem às partes, o que era incabível no modelo processual civil clássico.

Corroboram o afirmado os processualistas paranaenses:

A doutrina clássica não só não admitia a sentença mandamental porque ela interfere na realidade social – e o processo de conhecimento somente poderia culminar em sentença que se limitasse a atuar no plano normativo, sem executar ou realizar concretamente o direito –, mas principalmente porque a sentença que ordena e impõe uma ameaça interfere na esfera jurídica do réu, o que evidentemente não era admissível em um Estado preocupado em não se intrometer na esfera jurídica dos particulares, mantendo sua liberdade.176

A mesma conjuntura permeava a sentença executiva lato sensu. Ambas comportam, em seu conteúdo, ordem do juízo, cujo comando consiste na realização do direito forçadamente, ou sob pena de multa (mandamental) ou sob pena de serem empregadas as

                                                                                                                175

WATANABE, Kazuo. Tutela antecipatória e tutela específica das obrigações de fazer e não fazer (arts. 273 e 461 do CPC). In: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (coord.). Reforma do código de processo civil. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 44.

176

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Processo de conhecimento. v. 2, 9. ed., rev. e atual., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 60.

medidas executivas necessárias (executiva lato sensu), permitindo a efetivação da sentença no próprio processo de conhecimento.177

Dispensado estava o clássico processo de execução. Não seria mais preciso inaugurar nova ação para se fazer cumprir o disposto em decisão, eis que, para os provimentos mandamental e executivo lato sensu, não se estava diante de dispositivo cujo teor era eminentemente declaratório/condenatório. Tratava-se de comando decisório que continha ordem.

As novas sentenças atuam sobre a vontade do executado, coagindo-o a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, ou ainda, conferindo possibilidade ao próprio Estado de cumprir o preceito decisório, independentemente da vontade do devedor, tudo na esfera do processo de conhecimento, como dito.

Não há como negar que as mudanças inseridas pelas tutelas antecipatória e específica, contempladas pela reforma processual civil de 1994, alteram significativamente o modelo até então existente.

Com o mesmo intuito reformador, no biênio 2001-2002, operou-se a segunda etapa das reformas, intitulada reforma da reforma. O objetivo, diga-se alcançado, era o de aprimorar o que fora implementado na primeira etapa. Foram aperfeiçoadas, dentre outros institutos, as próprias tutelas antecipatória e específica, para se ter um exemplo.

Entretanto, a insatisfação dos jurisdicionados ainda era manifesta. O arquétipo conhecimento-execução gerava descontentamento, principalmente após as reformas descritas as quais demonstravam ser possível implementar técnicas executivas no próprio processo de conhecimento.

Neste contexto, sobrevém, em 2005, a reforma que se opera sobre a ação de execução de sentença (Lei nº 11.232/2005).

                                                                                                                177

“Com essa nova alteração, toda e qualquer obrigação específica amparada por título judicial comporta essa espécie de execução mais severa e mais ágil, dispensada a instauração de formal processo executivo.” DINAMARCO, Cândido. A reforma da reforma. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 222.

2.2.3 O FIM DO PROCESSO DE EXECUÇÃO DE SENTENÇA E O SINCRETISMO