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A antropologia como ciência

Capítulo I: Aproximação através da Antropologia

I.1. A antropologia como ciência

Carvalho NunesI

Para a Antropologia, o Mesmo e o Outro são o Mesmo; ou, o Outro e o Mesmo são o Outro.

(Mércio Pereira Gomes)18

No ano de 1800 desta nossa era Cristã, um grupo de médicos e naturalistas fundou em Paris a Sociedade dos Observadores dos Homens, visando promover o estudo da História Natural, através da qual forneceriam, principalmente, de acordo com o projeto, orientação aos viajantes e exploradores de regiões longínquas.19 Ficou, no entanto, impossibilitada de prosseguir com suas atividades, pois, em decorrência das Guerras Napoleônicas que se alongavam em demasia, o comércio e as viagens ao exterior cessaram.

Com isso, interrompido o fluxo de dados e informações úteis aos estudiosos, a entidade reorientou o seu foco para questões históricas e psicológicas ligadas à etnologia.20 Portanto, embora não por livre escolha dos patrocinadores, a História Natural foi negligenciada em favor da Filosofia, da Política e da Filantropia. Somente entre 1830 e 1840, momento de grande

18 In Antropologia: ciência do homem; ciência da cultura, pág. 12.

19 Até o século XVIII o saber antropológico ficou circunscrito às contribuições de cronistas, viajantes, soldados, missionários e comerciantes que discutia, em relação aos povos que conheciam, a maneira como os mesmos viviam, cultivavam seus hábitos, normas, características, interpretavam os seus mitos, os seus rituais, a sua linguagem, etc.

importância para o estudo do homem, é que a aparição e consolidação da Antropologia se deram com aceitação científica.21

Do gr. άνθρωπος, transl. anthropos = homem + λόγος, transl. logos = estudo, razão. Antropologia significa estudo e - também - lógica do homem e da humanidade em sua totalidade, sendo que, no primeiro caso a mesma se revela um dos campos das ciências humanas, tal como a sociologia ou a economia, ao passo que, sob o segundo enfoque, o estudo se concentra na observação da mente humana dentro do seu contexto psicológico, ritual e geográfico, ou seja, relacionando-se com temas próprios de outros campos do saber, a antropologia, aqui, assume um aspecto mais sensitivo, tomando em observação o homem em sua interação cultural e biológica, consideradas essas as dimensões básicas do ser humano.

Por ser ciência da humanidade e da cultura, com um campo de observação extremamente vasto, preocupa-se, no espaço, com toda a terra habitada; no tempo, durante cerca de dois milhões de anos, com todas as populações socialmente organizadas.

Sobressai lógico, portanto, que duas subáreas da antropologia, com objetivos definidos e interesses teóricos próprios, inauguraram esse campo científico, a saber, a Antropologia Biológica e a Antropologia Cultural, às quais se somaram, por questões de ordem prática, os subcampos da Arqueologia, da Antropologia Linguística e da Antropologia Aplicada. A propósito, não é demais anotar que o Dicionário de Ciências Sociais, do Instituto de Documentação da Fundação Getúlio Vargas22, faz inserir adiante do verbete “antropologia”, as seguintes especialidades da área: Aplicada, Cultural, Econômica, Física,

21 Sol Tax, “Início da ciência do homem” - Panorama da Antropologia. Rio de Janeiro: Editora Fondo de Cultura, 1966, pág. 10.

22 Benedicto Silva (coord. geral); Antonio Garcia de Miranda Netto et al. Dicionário de Ciências Sociais, págs. 58/71.

Política, Social, Urbana, além de explicitar a Antropometria23, o que entende com a vastidão do campo de observação da antropologia, que, por ser muito amplo, não é possível ser realizado por um único profissional, soando certo que nenhum antropólogo conseguiria dominar, sozinho, todos os campos abrangidos pela disciplina.

Os estudiosos da história da Antropologia explicam que os filósofos gregos, por se julgarem pertencentes a um povo muito superior aos demais e nações vizinhas - a quem chamavam de bárbaros -, por não terem olhos ou interesse em relação aos mesmos, não podem ser confundidos como precursores ou mesmo fundadores dessa ciência, cuja característica mais marcante, a propósito da epígrafe, é exatamente mirar o outro como um possível igual a si mesmo. Santo Agostinho, ícone teológico do catolicismo, muito tempo depois, descreveria as civilizações greco-romanas pagãs como moralmente inferiores em relação às sociedades cristianizadas.24

O professor Mércio Pereira Gomes, antropólogo, professor adjunto do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal Fluminense, destaca em sua obra, por exemplo, que a Europa somente se abriu à possibilidade de reconhecimento do valor de outras culturas quando se encontrava em situação de iminente perda de sua identidade medieval e, por isso, hesitante quanto às possibilidades de seu futuro e duvidando de si mesma. Só assim pode ver e conceber outros povos, ainda que no plano puramente

23 Antropometria: uma das técnicas da antropologia física que consiste em um sistema convencional de medir e realizar observações no corpo humano, no esqueleto e nos demais órgãos, utilizando procedimentos adequados e científicos. (op. cit., pág. 69).

24 Aceitando a provocação da epígrafe, é bom que se diga: não obstante a objeção por parte de alguns teóricos e da certeza de que a Antropologia, como ciência, nasceu a partir da grande revolução cultural inaugurada com o iluminismo no século XVI e cujo apogeu se deu no século XVIII, o certo é que desde a Antiguidade Clássica o anseio de saber antropológico perpassa a curiosidade humana, vez que, desde que o ser humano pensou sobre si mesmo e sobre sua relação com o outro, pensou antropologicamente.

teórico, como variedades humanas, cada qual com seus próprios valores e significados.25

No mesmo passo das outras ciências humanas que têm no homem e na humanidade os seus objetos de estudo, cada qual destacando um ou alguns aspectos, parte ou dimensão humanas, a Antropologia toma-os em sentido integral de homem, mulher e coletividade, mas também sob o enfoque de espécie da natureza e ser da cultura e da razão.26

É a ciência que mais expressa a busca humana por compreender as eternas questões que permeiam nosso intelecto desde tempos imemoriais sob um ponto de vista totalizante: Quem somos? De onde viemos? Porque somos o que somos? O que há de comum e de distinto entre nós? É a busca humana por responder as questões sobre sua origem e natureza. Através dos estudos antropológicos conhecemos melhor a nós mesmos e aos outros. Estamos em busca da compreensão dos elementos que compõem a própria natureza humana.27

Em França de 1895, com a publicação da obra Regras do Método

Sociológico, Émile Durkheim elege os fenômenos sociais como objeto da

investigação sócio-antropológica, episódio que marca o início da linhagem francesa da Antropologia, a qual tomaria os fatos sociais com a complexidade que suplantava o entendimento da época e, juntamente com Marcel Mauss, esse autor toma as representações primitivas para elaboração da obra Algumas formas

primitivas de classificação, publicada em 1901.

Contemporaneamente à Antropologia Francesa, nasce nos Estados Unidos da América, a partir dos estudos de Franz Boas, o relativismo cultural e, na Inglaterra, floresce o funcionalismo, inspirado na obra de Durkheim, que enfatiza o trabalho de campo, com a observação direta do participante, forma de

25 Mércio Pereira Gomes, op. cit., págs. 11 a 31. 26 Idem.

27 Rossano Carvalho Nunes, in Antropology. Instituto Grupo Veritas de Pesquisa em História e Antropologia (2007).

apreender na sua totalidade o conhecimento de determinada cultura, privilegiando o paralelismo entre as sociedades humanas e os organismos biológicos. Paralelamente a tudo isto, Claude Lévi-Strauss inaugura, na década de 1940, a Antropologia Estrutural, centralizando o debate na idéia de que existem regras estruturantes das culturas na mente humana, assumindo que essas regras constroem pares de oposição em função da organização do sentido. Como fundamento de sua teoria, Lévi-Strauss se vale de duas fontes primordiais, a saber: a corrente psicológica de Wilhelm Wundt e o trabalho no campo da lingüística, denominado Estruturalismo, de Ferdinand Saussure, além das influências advindas de Durkheim, Jakobson, Kant e Marcel Mauss.

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