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Capítulo I Enquadramento teórico

1.7. A aprendizagem da leitura e da escrita

A aprendizagem da leitura e da escrita começa muito antes da entrada no 1.º Ciclo, nos anos pré-escolares, quando as crianças realizam as primeiras experiências com a linguagem escrita e constroem os seus conhecimentos (Viana, Sucena, Ribeiro e Cadime, 2014). Contudo, os estudos realizados nesta área têm revelado que os conhecimentos que as crianças vão construindo dependem, em grande medida, do meio em que vivem. As crianças oriundas de meios desfavorecidos, nomeadamente em termos socioculturais têm mais dificuldades na aprendizagem à leitura e à escrita (Viana, 2006).

pelo mais frágil domínio das competências linguísticas, e pela falta de oportunidades para interagirem com o material impresso e, consequentemente, de serem desafiadas a, sobre ele, construir conhecimento. (ibibem, p. 5)

O modo como se processa a entrada formal no mundo das letras influencia o sucesso do aprendiz leitor, pois a aprendizagem da leitura é complexa, nela intervêm processos linguísticos, cognitivos e emocionais. Aprender a ler consiste na apropriação de estratégias e requer por isso, um ensino explícito, consistente e sistematizado, que implica centrar o ensino da leitura na obtenção do significado do que está escrito, em contextos reais de leitura, e consequentemente, no acesso ao mundo (Sim-Sim, 2009). De acordo com Viana, et al. (2014), existe um conjunto de competências facilitadoras da aprendizagem da leitura, nomeadamente: o desenvolvimento linguístico que a criança apresenta, os conhecimentos prévios sobre a leitura e a escrita e a motivação para ler.

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1.7.1. O desenvolvimento linguístico

Embora o desenvolvimento linguístico integre outros domínios, o desenvolvimento lexical está fortemente relacionado com a leitura, quer ao nível da decifração, quer ao nível da compreensão. A relação entre o vocabulário e a compreensão leitora é bastante clara, se criança não consegue atribuir significado ao que lê, não compreende (Viana, et al., 2014). Na decifração, Sim-Sim (2009) diz-nos que perante uma palavra conhecida a criança utiliza preferencialmente estratégias lexicais (reconhecimento da palavra rápido e global) libertando-se de estratégias mais morosas, de recodificação fonológica. O reconhecimento da palavra “é a chave da identificação da palavra lida” (ibidem, p.14). Desta forma, é necessário que o professor perceba a importância desenvolver a consciência lexical das crianças, e como afirmam Duarte, Colaço, Freitas e Gonçalves (2011, p. 24):

envolvê-las em actividades (aparentemente apenas lúdicas) que as obriguem a concentrar-se ora na forma fónica das palavras, ora na sua forma ortográfica, ora na sua estrutura interna, ora nas condições que impõem ao contexto, ora no seu significado. Actividades deste tipo despertam-lhes a curiosidade para saberem mais acerca das palavras e promovem o domínio de estratégias autónomas de aprendizagem de palavras novas.

Viana et al. (2014) referem que para além de um amplo e diversificado conhecimento lexical, a reflexão sobre a estrutura sintática da língua cumpre um papel importante na aprendizagem da leitura. A criança que controla um número alargado de estruturas sintáticas, (numa primeira fase ouvindo ler, e mais tarde ela própria lendo), terá mais facilidade em compreender o que lê. Ao mesmo tempo, é essencial que desenvolva a capacidade de refletir sobre a língua, ou seja, desenvolva competências metalinguísticas, e dentro destas a consciência fonológica (ibidem).

1.7.2. Consciência fonológica

As crianças antes dos sete anos de idade mostram-se mais sensíveis ao significado da linguagem do que à sua forma. Todavia, para aprender a ler numa língua de escrita alfabética, terão de passar de um conhecimento implícito das representações fonológicas (suficientes para a perceção e produção da fala), para um conhecimento explicito e reflexivo, chamado consciência fonológica (Valente e Martins, 2004).

A consciência fonológica é a capacidade de identificar e de manipular de forma intencional os sons da fala (Freitas et al., 2007). Vários estudos têm revelado o papel

56 determinante do desenvolvimento fonológico nas fases iniciais da aprendizagem da leitura e da escrita (Viana et al., 2014; Freitas et al., 2007; Sim-Sim, 2009), onde salientam que para aprender a ler, a criança precisa de compreender que a linguagem é constituída por frases, que estas são constituídas por palavras (consciência de palavra), que as palavras por sua vez, são constituídas por unidades menores, as sílabas e as unidades intrassilábicas (consciência silábica), que depois se decompõem nas unidades mínimas do sistema fonológico - os fonemas (consciência fonémica). Os diferentes tipos de consciência fonológica não se desenvolvem em simultâneo, mas numa ordem de complexidade crescente, respetivamente: consciência silábica, a consciência intrassilábica e a consciência fonémica (Freitas et al., 2007).

Os estudos apresentados por Valente e Martins (2004) salientam que a aquisição do principio alfabético é uma das principais dificuldades do aprendiz leitor. Para se apropriar deste principio, a criança tem de compreender que as palavras podem ser analisadas em fonemas (menor unidade sonora) e de aprender as correspondências letra- som. O conhecimento das letras do alfabeto facilita a descoberta das correspondências grafo-fonémicas, e promove a intuição à estrutura fonológica das unidades linguísticas da palavra, auxiliando o desenvolvimento da consciência fonémica.

Todavia, para que este processo ocorra são necessários exercícios que explicitamente convoquem a atenção e a reflexão da criança sobre as unidades da fala, num contínuo reforço sobre a oralidade (na compreensão e na produção do oral). Estes exercícios deverão incluir o treino da discriminação auditiva, (capacidade de ouvir de forma atenta e seletiva os sons) e das várias competências relacionadas com consciência fonológica (discriminação auditiva>palavra>sílaba>segmento) (Freitas et al., 2007, p.8).

Por sua vez, a natureza dos exercícios, a frequência, a sistematicidade e a consistência são de extrema importância “são palavras-chave de uma metodologia para a estimulação da oralidade e da consciência fonológica” (ibidem, p.8).

A realização diária de exercícios com estruturas similares, mas com conteúdos distintos, consistentes e promotores de um determinado resultado ajudam à indução, à instalação, à consolidação e finalmente, à automatização do processamento (meta) fonológico (trabalho explícito da consciência fonológica) (ibidem, p.29).

Os mesmos autores recomendam o treino da consciência fonológica, sustentado por processos cinestésicos, auditivos, visuais e tácteis, para permitir a fruição e a

57 estimulação sensorial da criança, facilitando assim o autoconhecimento e uma maior consciência dos processos fonológicos a desenvolver. Por exemplo, associar gestos e/ou desenhos aos sons da palavra convoca a atenção para esses mesmos sons e para a sua entidade (Morais,1997).

Para Sim-Sim ( 2007), a leitura é antes de mais, um processo de compreensão, um ato refletido que envolve interpretar o que se lê, em função da informação oferecida pelo texto e pelos conhecimentos que a criança já possui, e embora seja fundamental o ensino da decifração, que corresponde ao treino de estratégias de reconhecimento das palavras escritas, é determinante que o aprendiz leitor seja ensinado a mobilizar os seus conhecimentos sobre o mundo e sobre a vida, para pensar sobre o texto, e para antecipar conteúdos com bases nas pistas que este lhe fornece.

Morais (1997) acrescenta que o primeiro passo para a aprendizagem da leitura é ouvir ler livros. A leitura pela voz de outra permite, ao nível afetivo, uma envolvência plena de entoação e de significado. Ao nível cognitivo possibilita à criança antecipar os acontecimentos, identificar as experiências dos personagens com as suas e questionar e compreender o mundo que a rodeia. Ao nível linguístico facilita a compreensão das relações entre a linguagem escrita e a linguagem oral: o sentido da leitura, a fronteira entre as palavras, a distinção entre o comprimento das palavras faladas e das escritas, a frequência das letras e dos sons.

Relembrando que o desenvolvimento da linguagem oral (expressão e compreensão) é uma condição básica para o domínio da linguagem escrita, as metas curriculares para o ensino do português por Buescu, et al. (2012) consideram que as atividades de leitura e de escrita deverão ser incentivadas com regularidade, pois apesar de distintas, a sua relação é complementar e recíproca, a experiência numa afeta potencialmente o desenvolvimento da outra.

E, muito embora, as metodologias de ensino da leitura se dividam entre duas opções pedagógicas, uma privilegiando as estratégias de correspondência grafema/fonema e outra dando primazia a estratégias de reconhecimento global da palavra, é necessário que se faça uso de ambas (fónicas e globais), suportadas por atividades sedutoras, que alimentem na criança o prazer de ler e o desejo de aprender a ler (Sim-Sim, 2009).

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1.7.3. Motivação para ler

Tendo em consideração que a aprendizagem da leitura e da escrita é uma tarefa complexa, a motivação para aprender a ler é um fator decisivo, pois a criança motivada será perseverante, e mesmo que sinta dificuldades, possuirá um desejo interior de se tornar leitora (Viana et al., 2014).

Se a aprendizagem for um estímulo à curiosidade e à descoberta, o interesse pela leitura e a vontade de querer aprender surgem naturalmente. Por outro lado, se a aprendizagem for agonizante, estática e desencantadora, conduzirá à desmotivação, ao desconforto e, muitas vezes, à rejeição, comprometendo a mestria leitora e consequentemente o sucesso escolar da criança (Sim-Sim, 2009).

Assim, as atividades de leitura devem ser preparadas com especial cuidado, tendo em conta as características dos alunos, devem ser articuladas com outras atividades e se possível devem procurar uma continuidade nos ambientes mais relevantes para a criança, na escola e em casa.

Mesmo numa fase inicial de aprendizagem do código tem de haver motivação, porque aprender a ler é uma tarefa difícil, que requer esforço. Por sua vez, para ter motivação para ler, será necessário que a criança entenda a sua utilidade, as suas funções, conheça os objetivos e encontre sentido para a atividade de ler. É preciso estimular a curiosidade da criança, saciando-a através da leitura, e esta deve manter uma relação lúdica com os materiais, associando a leitura a sentimentos de fruição e prazer (Viana, 2012).

Para Solé (1995, p. 4), os aspetos motivacionais atuam como motor de aprendizagem:

Los alumnos deben sentirse intrínsecamente motivados para aprender, porque aprender requiere un esfuerzo. Para aprender a leer, necesitan percibir la lectura como un reto interesante, algo que los desafía, pero que podrán alcanzar con la ayuda que les proporciona su maestro; deben darse cuenta de que aprender a leer es interesante y divertido, que les permite ser más autónomos. Han de percibirse a sí mismos como personas competentes, que con las ayudas y recursos necesarios, podrán tener éxito y apropiarse de ese instrumento que les será tan útil para la escuela y para la vida.

A criança motivada para aprender a ler irá exercitar as habilidades recém-adquiridas lendo. Lendo mais, lerá melhor, entrando, assim, num círculo virtuoso (Viana, 2006).

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