5. As Fontes e as Trajetórias da Criatividade na Inovação Cervejeira 132
5.1. A Aprendizagem de Competências Sensoriais 134
“Ê morena, quem temperou?
Cigana quem temperou?” Fernando Brant / Milton Nascimento.
Essa composição dos sais eu vejo muito com final de gole assim, aquela sensação de água mineral no final do gole. De querer mais um gole, ou aquela sensação talvez de preenchimento, de sensação na boca. E é muito legal brincar com isso nas APAs a gente teve outra APA que em vez de ter esse perfil mais seco, né? (Cervejeiro 6 - Cervejaria Viela)
Se ele começar muitas características que a gente não gosta , aí a gente acaba descartando mas a gente não vai nessa linha, o que que a gente vai fazer para barril especificamente. Esse barril tem nota mais cítrica, tem nota mais fruta amarela , esse é tem mais cítrico (Cervejeiro 9 - Cervejaria Fazenda Zalaz)
Fontes e Trajetórias Ações Casos Aprendizagem de Competências Sensoriais Conhecimento sensorial de diversos estilos; Desenvolvimento de olfato e paladar na identificação de notas sensoriais; Técnicas de Sommelier.
Clube da cerveja Taco Mac;
Degustação técnica entre amigos;
Familiarizando com perfis sensoriais de insumos dos fornecedores; Curso profissional de sommelier em cerveja. Dominando Técnicas Cervejeira Dominando equipamentos; Dominando novas técnicas; Domesticando leveduras.
Acidificação da Abaporu;
Coolship na Spontaneous; Kveik na Norueguesa.
Práticas Experimentais Elaborando novos estilos; Elaborando novos insumos adicionais;
Elaborando uma levedura.
A Lacto IPA - Uai Sô Serious; O Café Expresso na BadMotorFinger; A Microflora da Zalaz; A Desconstrução de Estilos na Cervejaria Viela.
Colaboração entre pares Colab ;
Troca de experiências; Fóruns técnicos.
Blanc, Abaporu BadMotorFinger e Norueguesa.
Se Naiara Carvalho (2015) nos menciona a importância sensorial da bebida como diferencial mercadológico, desenvolver aspectos sensoriais em cervejas especiais poderia ser considerado um imperativo. Assim como mencionado no capítulo introdutório, foram realizadas diversas visitas e conversas informais com diversos produtores cervejeiros no início desta pesquisa que apontam uma preocupação nesse sentido. A maioria das microcervejarias visitadas não possuíam traços inovadores e não eram consideradas criativas pelo mercado. Os discursos eram em torno de maquinários, estilos americanos que estavam se consolidando no mercado, reclamações quanto aos poucos fornecedores e a completa desorganização da legislação no Brasil.
Foi quando chegamos na antiga e inovadora Cervejaria Inconfidentes Conjuradas, as conversas tiveram rumos diferentes: contavam saudosamente da formação da cultura cervejeira de BH, falavam em cervejas com adicionais diferentes, questionavam estilos consolidados no mercado, sonhavam com a escola brasileira e falavam de cerveja destacando perfis sensoriais. Nessa visita se mapearam algumas cervejarias que hoje fazem parte desta pesquisa. Uma diferença clara entre os discursos dos entrevistados dos casos desta pesquisa, que são produtores de cerveja reconhecidos como criativos, está nas diversas referências sobre questões sensoriais na produção de cerveja. Como as falas acima demonstram, ao descrever processos sempre aparecem referências sensoriais. Quando se descreve sobre correção da água, que os outros cervejeiros do início passavam a impressão de ser um processo corriqueiro, sem importância, se percebe a preocupação do cervejeiro em realçar nuances da bebida pela correção da água. Ao explicar sobre a seleção de barris de maturação, o Cervejeiro 9 atribui uma forma de personalidade em cada barrica de madeira, levando em conta especificamente as notas sensoriais que estes conferem na fase de maturação da bebida.
Essas competências seriam melhor desenvolvidas a partir da compreensão dos estilos e da formação de uma imagem sensorial olfativa e gustativa que
engendrariam uma espécie de memória sensorial em auxílio da imaginação cervejeira. Neste estudo, entre os produtores pesquisados, apareceram algumas estratégias. A primeira delas seria beber diversas cervejas de um mesmo estilo, principalmente as cervejas icônicas, aquelas que inauguraram ou ganharam um destaque mundial dentro do estilo. O antropólogo Bruno Latour (2012, p.108,109), chama a atenção de se considerar os objetos como atores sociais, a partir do momento que eles interferem e se constituem agentes sobre o curso da ação. As cervejas icônicas seriam estes agentes da ação criativa guiando diversas cervejas criativas apuradas por este estudo. Durante as conversas e entrevistas da pesquisa, apareceram diversas cervejarias mundiais formando um certo grupo de influenciadores tanto nos estilos tradicionais, como na vanguarda cervejeira: Rodenbach, Sierra Nevada, Cantillon, Flying Dog, Brooklin, Mikkeller, Omnipollo, Allagash e Trillium. Os cervejeiros travaram contato com o fruto destas reconhecidas cervejarias. portanto, as cervejas icônicas atuam na criatividade mineira com os exemplos: A Gonzo da Flying Dog inspirou a linha BadMotorFinger da KSB, a Brooklin Wheat Wine inspirou a primeira linha de cervejas da Zalaz e a Hoegaarden WitBier inspirou algumas características da cerveja Blanc DosCaras. Não só os rótulos icônicos são agentes, mas várias cervejas bem executadas servem de referências sensoriais e fonte de imaginação, mais apropriadamente oferecem soluções criativas.
Para melhor exemplificar a partir das entrevistas com os cervejeiros da DosCaras se construiu o Quadro 11, podendo mapear melhor as influências e soluções provenientes de memórias sensoriais adquiridas na degustação de outras cervejas e quais soluções sensoriais foram adquiridas para a elaboração da cerveja DosCaras Blanc.
Quadro 11 - Contribuição das inspirações de outras cervejas na justaposição de ideias no
conceito da Blanc.
Fonte: Elaborado pelo autor.
O sócio proprietário e responsável pela produção da Verace, Cervejeiro 4, relatou da sua experiência em um restaurante especializado em cervejas artesanais em Atlanta, com uma carta de cervejas girando entre 300 e 500 rótulos disponíveis aos clientes e um programa de fidelidade que incentivava a experimentação de diversas cervejas. O cervejeiro, quando residia em Atlanta, nos Estados Unidos, ingressou neste plano de fidelização que premiava quem bebesse os estilos mais diversificados e não repetisse a mesma bebida. À medida que foi experimentando foi somando os pontos, onde ganhava souvenirs (taças, bonés, camisas), rodadas de cerveja, até ao ponto de se tornar cliente master, ganhando uma placa em inox com seu nome gravado no seleto rol do restaurante.
O entrevistado relata que no cardápio era informado todo o perfil sensorial de
cada cerveja. Assim, atribui essa empreitada como um dos principais responsáveis pelo desenvolvimento de uma memória sensorial de estilos, onde aprimorou o paladar e se inspirou a produzir cervejas de estilos inusitados no Brasil. Em semelhante estratégia, Cervejeiro 1 e Cervejeiro 2 compravam diversas marcas de um mesmo estilo nos empórios especializados de Belo Horizonte e realizavam degustações comparativas selecionando pontos fortes e pontos fracos de cada rótulo em relação ao estilo selecionado.
⇨ ⇨ ⇨ 🍺
Hoegaarden (InBev)
Hell Or Hight Watermelon (21st-amendment) Saison D’Ignez (Dos Reis) Blanc (DosCaras) Blanche WitBier
American Wheat Strong Belgian Saison American Wheat Solução da leveza e do sabor cítrico. Solução da leveza, do sabor cítrico e livre de condimentos e aromas
fenólicos.
Solução do Aditivo de Uva
Branca.
Cerveja leve, cítrica, levemente amarga com
Outra estratégia da dupla de produtores já mencionada acima é o hábito de visitar os fornecedores para poder conferir in loco as características olfativas dos insumos. Nessa mesma estratégia, o trio de produtores da Cervejaria Viela solicitam aos fornecedores do Bar e da Cervejaria produtos frescos como adicionais, ou novidades de insumos cervejeiros para identificação de notas sensoriais dos mesmos.
A última estratégia foram os cursos profissionais de sommelier em cerveja. Todos os investigados investiram nestes cursos, sendo os mais citados os cursos: Instituto da Cerveja do Brasil, Doemens Academy do Brasil e a Sinnatrah Cervejaria-Escola. De forma a desenvolver os estudos em sommeliaria cervejeira, existem aqueles que investiram em kits de off-flavors , na aquisição de livros sobre o tema e todos exercem a prática constante tanto na própria cervejaria como nos redutos e encontros cervejeiros.