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A apropriação dos saberes escolares no Ginásio Pinheirense

A educação escolar secundária, no Brasil, no transcorrer das décadas de 1950 e 1960 sofreu transformações que envolveram, entre outras, a expansão dos estabelecimentos de ensino, a formação e habilitação de seus profissionais, e a reorganização de seu currículo escolar.

O Ministério da Educação e Saúde, em 1951, revisou os programas escolares do ensino secundário estabelecendo um „programa mínimo‟ Souza (2008, p.185), padronizado nacionalmente, a ser executado em todas as escolas do País. No entanto, ainda conservava o caráter acadêmico, propedêutico e aristocrático (GHIRALDELLI JR.; 2009 ROMANELLI, 2010).

A adoção deste programa, segundo (ABREU, 2005), foi uma estratégia utilizada pelo governo para descentralizar a organização curricular, mas a grande inovação de 1951 foi permitir a elaboração dos programas por uma congregação de professores, no intuito de incluir na preparação do currículo características regionais ou saberes indispensáveis à aprendizagem do público atendido.

Nesse sentido, a Congregação do Colégio Pedro II130 passou a elaborar o programa oficial das disciplinas que formavam o currículo do curso secundário a serem adotadas pelos estabelecimentos desse nível de escolarização em todo o país.

Esta ação foi determinada pela Portaria nº 966, de 2 de outubro de 1951131, com a finalidade de “eliminar excessos e reduzir „a prolixidade dos conhecimentos alinhados na estruturação das diversas disciplinas, que tornava penosa a tarefa didática‟ dos professores” Souza (2008, p.185).

Assim, o conteúdo das disciplinas que constituíram o programa curricular do ensino secundário foi distribuído de acordo com a Reforma de 1942 em áreas: Línguas (Português, Latim, Francês e Inglês), Ciências (Matemática, Ciências, História / Geografia Geral e do Brasil), Artes (Trabalhos Manuais e Canto Orfeônico).

Assim sendo, a composição do programa escolar do Ginásio Pinheirense foi

130

Modelo de padronização dos estabelecimentos de ensino secundário oficial.

131 Vale ressaltar que o art. 1º da referida Portaria foi retificado por meio do suplemento nº 271, publicada no

organizado de acordo com a legislação acima mencionada, e as disciplinas distribuídas conforme o quadro a seguir:

Quadro 18 – Disciplinas escolares do Ginásio Pinheirense 1953-1962132

DISCIPLINAS SÉRIES E NÚMEROS DE AULA

1ª SÉRIE 2ª SÉRIE 3ª SÉRIE 4ª SÉRIE

Português 4 3 3 3 Francês 3 2 2 2 Latim 2 2 2 2 Inglês - 3 3 3 História Geral 2 2 - - História do Brasil - - 2 2 Geografia Geral 2 2 - - Geografia do Brasil - - 2 2 Ciências - - 2 2 Matemática 4 3 3 3 Desenho 2 2 2 2 Canto Orfeônico 1 1 1 1 Educação Física 2 2 2 2 Trabalhos Manuais 2 2 - -

Total de aulas por semana 24 24 24 24

Fonte: Relatório do Ginásio Pinheirense, 14 de novembro de 1958, p.4.

O quadro acima apresentado revelou que a estrutura curricular do Ginásio Pinheirense constituiu-se de catorze matérias e Educação Física, distribuídas nas quatro séries que formavam o curso. As referidas disciplinas, selecionadas para cada série, cumpriam um total de 24 horas/aula semanais que duravam 50 minutos, com intervalo de 20 min de recreio. Pela manhã as aulas iniciavam-se às 7h50min com término às 11h30min, à tarde de 13h50min às 17h30min (RELATÓRIO, 1958, p.4).

O estudo de línguas constou em todas as séries do curso ginasial, teve finalidade propedêutica e serviria ao ensino superior, pois era destinado “a atender à necessidade de capital linguístico oriundo de caráter internacional e cosmopolita das elites” Garcia (2007, p. 122, grifos da autora).

O Canto Orfeônico, figurando no programa escolar do Ginásio Pinheirense, foi criado sob a inspiração de Villa Lobos, na década de 1930, e objetivava despertar o gosto musical na mocidade através do treino de hinos e cantos folclóricos, com o propósito de fomentar a formação moral, intelectual e cívica do aluno, fortalecendo o sentimento nacionalista. Coadunaram com este propósito a disciplina História e Educação Física.

A Educação Física era de frequência obrigatória a toda clientela escolar até os 21 anos de idade, e as aulas incorporaram o caráter militarista para o sexo masculino (SOUZA, 2008), sendo dispensados dessa prática somente os alunos que apresentassem deficiência física ou orgânica, cuja aptidão era emitida por meio do exame biométrico como recomendava a legislação de 1942.

Componente curricular do Ginásio Pinheirense, a matéria acima citada teve a duração de duas horas/aula semanais para todas as séries, e os alunos praticados exercícios físicos e jogos esportivos.

Segundo o relato de ALVIM (2012), ginasiana que se formou no ano de 1958, ela recorda que as aulas aconteciam em ambientes separados para moças e rapazes e eram ministradas pelo professor Antônio Carlos Costa Guterres, que treinava os homens nas modalidades de basquete e futebol e as mulheres, em vôlei. Tais práticas eram destinadas às disputas dos campeonatos locais.

No entanto, observamos uma particularidade no Quadro 18, a inexistência da disciplina Ensino Religioso como integrante do programa das matérias propostas pelo Ginásio Pinheirense, apesar de a Lei Orgânica de 1942 ter destinado um capítulo exclusivo para a educação religiosa, registrando que o “ensino de religião constitue parte integrante da educação da adolescência” Brasil (1942, p.24).

Não constando no currículo da escola referida disciplina, foi muito forte a influência da doutrina católica na educação dos ginasianos pinheirenses quanto à formação dos valores morais e religiosos através de uma sólida educação cristã.

Para maior conhecimento da crença católica, muito contribuíam as missas, o ensino do catecismo, as cerimônias religiosas, os momentos de reflexão, a valorização dos sacramentos e a devoção à „Mãe de Deus‟ Kerck (1987, p. 36), tudo com a finalidade de fortalecer o espírito religioso de acordo com as tradições da Congregação.

Com relação ao culto a Nossa Senhora do Sagrado Coração,133 a ex-aluna Moema Castro Alvim relembrou:

A adoração a Maria era uma prática religiosa muito presente no nosso cotidiano. Todas as alunas que comungavam da religião católica eram envolvidas nesta devoção. As irmãs organizaram entre nós uma associação religiosa cujo propósito foi nos auxiliar na vivência da vida cristã. Eu, por exemplo, era filha de Maria, pertencente à Legião de Maria, uma espécie de catequese leiga em que realizávamos diversas atividades, como o ensino do catecismo às crianças uma vez por semana para que elas pudessem fazer a primeira comunhão. Também fazíamos

133 Novo título dado à Virgem Maria por Pe. Julio Chevalier, fundador da Congregação de Nossa Senhora do

visitas às famílias em que os casais não fossem casados no religioso, pois o Matrimônio era um dos sacramentos de grande importância para Igreja e para ela a união somente no civil não tinha validade. Ao executarmos essas tarefas nós assinávamos uma ata como forma de assegurar a presença e o compromisso com a entidade religiosa.

Por meio do relato, constatamos que a prática do ensino religioso também se deu através de atividades que enfatizavam a responsabilidade pessoal do cristão em colaborar nas obras restauradoras da Igreja.

A organização de associações religiosas foi um instrumento adotado para fortalecer a formação cristã. Comandadas por padres e freiras, foi um eficiente meio para o fortalecimento da fé, que funcionou como instrumento educativo, eficaz, promotor do bem e fortalecedor da disciplina e da própria obediência do alunado.

Observamos ainda no relato acima que, para garantir o cumprimento da realização das atividades propostas aos alunos, a escola fez uso da autoridade disciplinar, com destaque para a vigilância, que se efetivou através da confirmação da presença dos estudantes com a assinatura em ata das ações realizadas.

Também fizeram parte do cotidiano escolar do Ginásio Pinheirense os rituais, os espetáculos e as celebrações que cultuavam certos acontecimentos e personagens do passado, fazendo da escola um centro recriador da memória, da história e da cultura local, visualizados por meio das práticas simbólicas materializadas nas festividades.