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A apropriação indevida da teoria de Vigotaki na Educação Infantil

4 VIGOTSKI E AS POLÍTICAS EDUCACIONAIS NO BRASIL: UMA APROPRIAÇÃO PÓS-MODERNA

4.2 A apropriação indevida da teoria de Vigotaki na Educação Infantil

mas ele precisa apropriar-se do mínimo do patrimônio cultural criado histórica e socialmente pelas várias gerações, para poder objetivar-se como ser social, transformado pela sua atividade.

4.2 A apropriação indevida da teoria de Vigotaki na Educação Infantil

[...] a meta da educação não e a adaptação ao ambiente já existente, que pode ser efetuado pela própria vida, mas a criação de um ser humano que olhe para além de seu meio; (...) não concordamos com o fato de deixar o processo educativo nas mãos das forças espontâneas da vida, (...) tão insensato quanto se lançar ao oceano e entregar-se ao livre jogo das ondas para chegar à América! (VIGOTSKI, 2003, p. 77)

Após essa exploração ampla dos documentos produzidos nas últimas duas décadas passamos a uma análise mais profunda em busca de desvelar a essência do que se mostra na aparência. Em um primeiro momento, centralizamos nossa analise nos três documentos considerados mais importantes e referências para todos os outros: a Constituição Federal de 1988, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN 9.394/96) e os Planos Nacionais de Educação 2001/2014. Em seguida, passamos aos documentos

Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil e Base Nacional Comum Curricular/2016 (BNCC), nos aproximando das concepções que orientam e definem as escolhas dos conteúdos e das práticas na educação das crianças. Conhecer como o município de Fortaleza, referendado pelos documentos nacionais, organiza a educação para esse segmento foi o passo seguinte, analisando-se a Proposta Curricular Para a Educação Infantil da Rede Municipal de Ensino de Fortaleza/2016.

Em conformidade com nossos interesses, nossa leitura, desses documentos se dá no intuito de esclarecer a contribuição dessa educação proposta, na direção dos interesses da criança pequena do ponto de vista histórico e de classe social. Importante destacar que o artigo Implicações pedagógicas da escola de

Vigotski: algumas considerações, de Ligia Marcia Martins, nos guiaram.

Destaca-se, introdutoriamente o atrelamento destes documentos ao projeto neoliberal em curso, constatando-se o afastamento nefasto do Estado no tocante ás políticas públicas de direitos sociais, no caso brasileiro, agravado nos

últimos tempos, por medidas drásticas, como a emenda constitucional 95 36, promulgada em 15 de dezembro de 2016, que reduziu e congelou os gastos públicos por duas décadas. Tal projeto traz em seu bojo um ideário que apregoa uma sociedade de homens livres, responsáveis, empreendedores e competitivos, posto que destinados a escolhas, mudanças e sucesso individual. Cabe a educação - complexo vinculado umbilicalmente ao Estado, a função de instruir e adaptar, preparando o indivíduo para resolver problemas concretos da realidade. Cabe salientar que o Estado brasileiro só trouxe para si a tarefa de organizar a educação em nosso pais a partir de 1934, o fazendo a partir de princípios norte-americanos, que traz como papel da educação essencialmente a socialização.

Diante desse quadro, identificamos claramente na Constituição Federal em vigência, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9.394/96, nas Diretrizes Curriculares, nos Planos Nacionais de Educação, na Base Nacional Comum e na Proposta Curricular do Município de Fortaleza a presença marcante do ideário neoliberal.

A produção contemporânea, na qual se fundamentam esses documentos, sustenta-se em uma perspectiva idealizada e naturalizante do desenvolvimento em geral e infantil em particular não respondendo efetivamente as demandas colocadas na realidade concreta, não apresentando assim os necessários subsídios para uma compreensão das especificidades da constituição sócio histórica e política da criança e seu processo educativo.

Envoltos em determinações do Banco Mundial os documentos base, que vão garantir os direitos e o acesso à educação às crianças brasileiras, fundamentados em prerrogativas cientificas de cunho neoliberal, desconsideram os determinantes sócio -históricos pautando-se em conceitos biologizantes, universais e abstratos de criança, e de sua educação atualizados e ressignificados. Avança-se para não sair do lugar.

Isso posto, tem-se que, só nos idos de1988, ou seja, somente há cerca 20 anos é que o Estado brasileiro inclui no seu sistema escolar a educação das crianças pequenas como um direito, mantendo por sua vez as prerrogativas marcantes, das políticas anteriores: uma educação não formal e a baixo custo.

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Quais os objetivos essenciais de modelo educativo? Fomos em busca dessa resposta e inferimos que tal modelo - educação informal a baixo custo, traz no seu bojo, como analisa a teoria histórico-crítica, concepções e determinações que prendem o indivíduo nos limites das funções psicológicas elementares caracterizadas pelo domínio das relações espontâneas, decorrentes da formação de conceitos também espontâneos (fica-se então, dessa forma, nas aparências dos fenômenos).

A construção do conhecimento, aspecto fundamental das propostas analisadas, se reduz a um produto das elaborações cognitivas individuais dos alunos tendo como base suas próprias experiências na vida cotidiana. Conhecer representa um produto cognitivo individual para adaptação do indivíduo ao meio – que é quem define e comporta os critérios de validação do saber. Nesse caminho a aprendizagem, construção de conhecimento, tem como base as experiências cotidianas. Os conhecimentos a serem aprendidos partem do meio social, desconsiderando-se os conhecimentos historicamente sistematizados e a ciência. O papel do professor, é relegado a um plano inferior de facilitador e organizador do contexto, favorecendo a construção individual de cada aluno. Sintetizando, temos que em todos esses documentos as formas históricas e elaboradas do conhecimento são negadas e o ato pedagógico de ensinar tem seu conteúdo esvaziado.

Martins (Idem, p. 56), destaca:

[...] Nesse ideário, marcadamente construtivista, a inteligência aparece como um conjunto de funções do conhecimento a serviço da resolutibilidade de problemas, isto é, como a capacidade de adaptação às circunstâncias variadas.

Preterindo essa perspectiva, Vigotski, ao elaborar uma teoria a serviço de um novo tipo de sociedade, em novas bases, faz uma revisão das concepções cientificistas dominantes na época, que reduziam o desenvolvimento a suas determinações biológicas, estruturando uma teoria que ao invés de descrever de forma atomística os processos constitutivos do homem, explicou de forma radical como o desenvolvimento humano está relacionado as condições concretas da vida, sendo as relações concretas e as aprendizagens (principalmente as formais), estabelecidas nestas o verdadeiro motor da humanização e desenvolvimento.

Indo contra a concepção de construção de conhecimento, Vigotski vai afirmar que captar a realidade não assegura o real conhecimento do objeto, pois conhecer exige a construção da inteligibilidade sobre a realidade captada “é enquanto possibilidade explicativa, enquanto abstração mediadora na análise do real que as teorias, a ciência e, portanto, a transmissão dos conhecimentos clássicos assume sua máxima relevância” (Idem, p. 57). A aprendizagem, nessa perspectiva é condição para que se chegue a humanização e pressupõe a apropriação das formas mais elevadas de conhecimento, por isso a educação escolar exerce um papel insubstituível.

Através do aprendizado escolar a criança vai entrando em contato com o mundo dos conhecimentos científicos, que a induzirá a percepção generalizante, de extrema importância para a conscientização de seus próprios processos mentais.

Para Vygotsky os conceitos espontâneos se desenvolvem de maneira ascendente, ou seja, de baixo para cima, e os conceitos científicos se desenvolvem de maneira descendente, ou seja, de cima para baixo. Os dois conceitos se desenvolvem em direções opostas, mas os dois processos estão relacionados, pois "e preciso que o desenvolvimento de um conceito espontâneo tenha alcançado um certo nível para que a criança possa absorver um conceito cientifico correlato”. Isso nos demonstra a necessidade de entender o relacionamento dos dois conceitos - o conceito cientifico desenvolvendo-se por meio do conceito espontâneo e esse por meio daquele. Os conceitos científicos desenvolvem-se para baixo por meio dos conceitos espontâneos utilizando-se das experiências de mundo que a pessoa já possui.

As aprendizagens formais, permitindo o acesso aos conhecimentos historicamente sistematizados, seriam a condição para a ativação de uma série de processos mentais interfuncionais garantindo-se assim o desenvolvimento das funções psíquicas superiores e o desenvolvimento humano no seu mais alto grau. Numa sociedade assim as mistificações e alienações também estariam abolidas.

Sua teoria, como ele mesmo intencionou, poderia ser a base para dirigir e organizar os processos educativos nas escolas, numa sociedade onde a exploração tivesse sido abolida, e todos, tivessem acesso aos conhecimentos culturais em seu mais elevado do grau. Na sociedade capitalista o acesso ao conhecimento sistematizado no seu mais elevado nível é negado a grande maioria da população.

Sintetizamos no quadro I abaixo, as principais concepções apreendidas nos documentos oficiais diferenciando o que diz respeito as concepções hegemônicas do que propõe a teoria histórico-cultural. Destaca-se que, preliminarmente nossa analise já revela que a teoria de Vigotski não encontra pontos convergentes com o ideário cientifico hegemônico presente nos documentos.

Quadro 2 – Síntese das principais concepções hegemônicas nos documentos em contraponto com a teoria histórico-cultural.

CONCEPÇÕES CONCEPÇÕES