• Nenhum resultado encontrado

A arte apropria-se da publicidade

No documento Da noite para o dia: intervenções urbanas (páginas 57-62)

3. Relação entre Arte e Design

3.2 A Arte e Design

3.2.1 Arte e Publicidade

3.2.1.1 A arte apropria-se da publicidade

Esta investigação reflete em grande parte, sobre a apropriação da arte pelo design, no que diz respeito à relação familiar entre o design e a publicidade, e ao uso de estratégias do design nas intervenções urbanas. E por outro lado, pela crítica que é feita pela arte (marginal) à publicidade. No entanto para compreender este processo de tornar próprio e perceber o que é crítica legítima ou não, há que analisar os dois lados.

imagem 14 - "Apollinaire Enameled", Marcel Duchamp, 1916 - 1917

A arte faz uso de diferentes referentes e símbolos, entre os quais se encontram elementos próprios dos mass media e publicidade. Examinando o movimento artístico dos cubistas, temos um dos primeiros exemplos da inclusão de um logótipo, pedaços de jornais e anúncios numa pintura, a obra Still life, Au bon Marche (1913) de Pablo Picasso (imagem 13). Existem também vários exemplos deste estilo no Dadaísmo, especialmente no trabalho de Marcel Duchamp (por exemplo, na obra Apollinaire Enameled (1916-1917) (imagem 14), na qual as palavras de um anúncio são recortadas e coladas de maneira a fazer uma homenagem ao poeta Apollinaire.) Estas primeiras apropriações de elementos vindos da publicidade foram de grande importância para o desenvolvimento dos movimentos artísticos seguintes como a Pop Art, a Arte conceptual, entre outros, influenciando a produção artística até aos nossos dias. O uso destes recursos (texto, filme, banda desenhada, imagens, revistas, etc.) não se resume à plasticidade, é também uma adoção de certas formas linguísticas que embora pareçam banais, têm um efeito no inconsciente do público. O poder do slogan é algo que não passa despercebido – “Although the messages itselves

are disingenuously simple, they held the potential to prompt complex thoughts (...) in the way that advertising slogans often provide access to deeper levels of subliminal thought.” (Gibbons 2005, 10)

Não é apenas nos elementos incorporados que a arte se apropria dos meios de massas. No final do séc.XX, um grande número de artistas começou a expor o seu trabalho em espaços públicos, normalmente reservados à publicidade. O uso da rua como galeria, começou na década de 60, com o primeiro exemplo de Billboard Art, nos Estados Unidos – Class 4, Matter 1. Matter

in general. (1968) de Joseph Kosuth (imagem 15). O trabalho conceptual deste artista abriu a porta

da galeria, e os artistas começaram a levar as suas obras para a rua. Permitiu também o desenvolvimento da billborard art, que mais tarde serviria de suporte às mensagens subversivas de vários artistas.

imagem 15 - "Class 4, Matter 1. Matter in General", Joseph Kosuth, 1968.

O desejo de levar a arte para mais perto do espaço público é um dos princípios da corrente política radical avant-garde do início do séc.XX, pretendendo aproximar a arte da vida e pretendendo criar uma consciência política e social em grande escala. É importante referir que este acontecimento (o aparecimento da primeira forma de billborad art) se dá paralelamente ao início da arte urbana marginal, com o advento do Graffiti, também nos Estados Unidos.

Os artistas que cresceram dentro da cultura de massas, escolhem expressar-se e desenvolver o seu trabalho inserindo-se na arena dessa cultura, adotando e criticando as suas formas. No entanto essa paródia é algo cínica, como diz Lisa Phillips, - “The relationship between art

and media in the 1980’s was complicated because, in simultaneously criticizing the system and benefiting from it, artists seemed to be having the cake and eating it.” (Gibbons 2005, 30) – Ou seja, apesar da sua

comodidade do sistema. A negociação entre Arte e cultura de massas, elite e público geral, rejeição e aceitação do sistema, por parte dos artistas, fez com que apenas os grupos ativistas anónimos conseguissem produzir arte urbana livre deste dilema.

Um exemplo de um artista que iniciou o seu trabalho nestes moldes e nesta altura, é Levine (Les Levine, nascido a 1935 em Dublin). O início da sua obra debruça-se sobre a relação entre a arte e o comércio, como se pode verificar em trabalhos como Disposables (1966) ou

Levine’s restaurant (1969) (imagem 16), ambas as obras procuram demonstrar que os trabalhos

artísticos devem ser únicos e transmitir uma aura de exclusividade, expondo os sistemas de mercado e marketing, nos quais os mundo da arte se apoia.

imagem 16 - "Levine's Restaurant", Levine, 1969.

A escolha da billboard art como método para executar o seu trabalho é importante na medida em que este meio permite que a mensagem seja espalhada duma maneira similar à publicidade, através de uma infectious connection, nem toda a gente precisa de ver a obra, mas eventualmente a mensagem espalha-se muito mais rápido e uniformemente do que se o trabalho fosse uma pintura ou escultura numa galeria.

“By nature of using advertising, it is simply not enough to create images that are interesting to the art world, or that are titillating or provocative on a political level. One must make images that absolutely put your life on the line. That’s what people need from artists, that they are willing to put themselves out on a limb. The “Blame God” posters

are very hot images and, as it is with any hot thing, they can be bounced around by many people at different levels.” (Levine) (Gibbons 2005, 38)

Outro exemplo é a designer e artista Barbara Kruger. (nascia em 1945 em New Jersey), cujo trabalho tem como objetivo fazer com que o público reflita sobre o poder do uso do imperativo, ao invés de o absorver sem análise crítica, como acontece na maioria dos anúncios publicitários. Kruger admite que a sua aproximação às práticas da publicidade se deve à sua formação como designer gráfica, não se assumindo como designer nem como publicitária – “I’m

someone who works with pictures and words.” (Kruger 1991) O trabalho Barbara Kurger partilha

estratégias com a publicidade, mas o seu propósito é completamente diferente – “I want to get

people to look at pictures and then to displace the conventional meaning that the image usually carries with perhaps a number of different meanings.“ (Gibbons 2005, 41)

imagem 17 - "We Don't Need Another Hero", Barbara Kurger, 1986.

Ainda que Kruger utilize elementos e táticas apropriados da publicidade e do design gráfico, e do seu suporte ser a billbord art (imagem17), o seu trabalho é considerado arte, um produto de autoria individual. (Gibbons 2005, 42)

“(...) neither art nor advertising per se, but something in between that takes the best of both.” (Gibbons 2005, 48)

imagem 18 - "Kissing Doesn't Kill", 1989

A fusão entre arte e publicidade encontra-se muitas vezes no domínio do serviço público. Tomemos como exemplo outra campanha de consciencialização sobre a SIDA, levada a cabo por vários artistas contemporâneos. On the road: Art Against AIDS (1989), comissiona pela Fundação Americana de Investigação para a SIDA (AmFAR). Os trabalhos, realizados por artistas, tiveram uma classificação dúbia entre a arte e a publicidade. Ainda que o estilo e autoria fosse reconhecido em alguns deles, o suporte que utilizavam (outdoors, paragens de autocarros, etc.) sem pretensões eruditas, fez com que não fossem considerados nem arte, nem publicidade, mas algo entre os dois. – “The morally questionable aspects of consumer advertising do not figure and the

much-criticized elitism of art is no longer an issue.” (Gibbons 2005, 48)

No documento Da noite para o dia: intervenções urbanas (páginas 57-62)

Documentos relacionados