• Nenhum resultado encontrado

A arte das jóias de crioula e dos balangandãs

Ilustrações 9 -Negra Jhô

3. A MODA AFRO-BAIANA

3.2. A arte das jóias de crioula e dos balangandãs

As jóias de crioula eram um dos principais símbolos da beleza usados para compor a indumentária das mulheres negras e até hoje influenciam a moda afro-baiana. Essas jóias proporcionavam sentimentos de auto-afirmação e distinção dentro da sociedade escravocrata dos séculos 18 e 19. Este fato se devia em parte, pela privilegiada situação econômica que a Bahia ocupava na época por conta do ciclo do açúcar, período em que os senhores de engenho acumularam grandes fortunas que eram percebidas pelo visual através do uso de uma rica indumentária.

As jóias representavam a ostentação desse poder dos senhores ou, muitas vezes, eram adereços próprios que elas recebiam como pagamento por alguma gentileza amorosa. As mulheres negras costumavam ir aos locais públicos, principalmente à procissões religiosas, sempre elegantes, bem trajadas e cobertas de ouro. “Era quase uma questão de honra elas

saírem com essa demonstração de riqueza para mostrar que não eram escravas, e sim pessoas de posse.” (SILVEIRA apud Jornal Correio da Bahia, 2005).

Enquanto para os senhores o adorno utilizado pelas suas escravas era sinal de sua riqueza, para elas, era uma retomada às suas matrizes étnicas, sua identidade.

Segundo GODOY (2006), as jóias utilizadas na Bahia eram inspiradas em rainhas e mulheres ricas da África Ocidental (Golfo de Guiné). Essas jóias circularam pela Europa, África e América, ganhando essa expressão de sincretismo aqui na Bahia.

As negras baianas (babás, amantes ou as libertas) usavam as jóias como forma de perpetuar a tradição milenar de seus antepassados e expressar poder e distinção à época do Brasil colonial. Essas jóias têm um enorme valor, pois foram confeccionadas com a criatividade dos negros, e não como cópias das jóias que eram usadas na Europa. Eram jóias que se caracterizavam principalmente pela sua exuberância. Os negros eram proibidos de copiar, por isso os ourives da época desenvolviam as jóias com referências em elementos africanos que passaram a ser chamada de “jóias de crioula”.

As pulseiras largas, chamadas de copo, cobriam todo o pulso, e era normal usar três ou quatro delas em cada braço. Os colares compridos de bolas decoradas com anéis de filigranas também faziam sucesso nos pescoços negros. (Correio da Bahia, 2005).

As jóias eram produzidas utilizando elementos ou símbolos ligados à religião, como o candomblé, o catolicismo ou islamismo. As mulheres negras se ornamentavam como uma forma de homenagear os deuses. A jóia era confeccionada de acordo com o orixá de proteção. Qualquer dinheiro que elas recebiam, corriam para adquirir uma jóia para homenagear sua divindade e para simbolizar a sua liberdade.

As jóias de crioula da Bahia são em si mesmas, uma evidência da cultura material de três mundos distintos, interligados pelo antigo sistema colonial. Um colar de contas de ouro pode contar a história das trocas, do comércio, das influências havidas durante mais de quatro séculos entre Europa, África e o Novo Mundo. (GODOY apud Correio da Bahia, 2005).

Os adereços africanos tinham uma ligação muito forte principalmente com o candomblé. Os balangandãs funcionavam como verdadeiros amuletos de proteção. Eram compostos de vários símbolos como: signos, animais, flores, figas. LODY (2001) afirma que a proteção trazida por eles se relacionava à parte do corpo em que eles eram usados. Os balangandãs eram de uso exclusivo feminino, exceto as figas e dentes, que eram também de uso masculino. As jóias traduziam elementos obrigatórios nos rituais, como os fios-de-contas, os brincos, as pulseiras, braçadeiras e tornozeleiras. As contas (que na religião dos terreiros, desempenham inúmeros papéis), eram diferentes para cada orixá.

Muita coisa da tradição foi perdida com o passar do tempo. Mas, a importância das contas, por exemplo, até hoje é tradição no candomblé. As pessoas que usam as contas comunicam as divindades a que fazem parte, através do número e das cores das contas. Elas são usadas por adeptos da religião e por simpatizantes, mas é visto como um poderoso símbolo que traz proteção a quem usa. Muitas pessoas fizeram uma releitura dessas contas e usam como um elemento de moda, onde misturam várias cores e usam como um enfeite estético, um colar. Alguns dos elementos utilizados na confecção das jóias foram: o barro, o fio de algodão, a madeira, a pedra, as fibras naturais e os metais. Até hoje, muitas pessoas confeccionam bijuterias utilizando esses elementos. O trabalho com os metais é herança dos africanos ocidentais que vieram trabalhar na época da mineração em Minas Gerais. Muito dessa riqueza cultural se perdeu e atualmente produzimos uma moda afro-baiana reinventada, que utiliza elementos africanos usados no passado, bem como, outros elementos que se misturam com a história africana.

Essa África que chegou ao Brasil é predominantemente ocidental, numericamente banto, sofisticadamente sudanesa e fortemente islâmica. Ela está também presente na composição cultural portuguesa, trazendo para a realidade brasileira uma africanização dupla, ou seja: uma colonização portuguesa, inicialmente afro-ibérica, e contatos com a África negra durante três séculos da escravidão. (LODY: 2001, 20).

Portanto, o retorno à África acaba se tornando um mito. Buscamos referências na ampla memória africana que temos no Brasil.

Os escravos tinham suas roupas valorizadas para as grandes festas religiosas. São os chamados “trajes de crioula”, que podemos ver ainda presentes na festa da Boa Morte em Cachoeira (BA). Esses trajes, do século XIX, conseguem se manter até hoje, através dessas tradições. São saias de tecidos com bainhas de bico de renda, anáguas por baixo das saias para armar a roupa, camisa branca bordada em richilieu ou com rendas de bilro e a bata de tecido fino. Chinelas de couro, pano-da-costa, turbante e as jóias para se adornar.

Hoje podemos ver grande parte dessas jóias na festa da Irmandade da Boa Morte que tenta conservar a tradição das festas do passado. A festa tem todo o cuidado com a indumentária utilizada nesse período, para tentar conservar a tradição por muitos anos ainda.

Ilustração 6 – Algumas das integrantes da Irmandade da Boa Morte. Foto de Roberto Faria. Em 13/08/2006.

Atualmente podemos ver no mercado de consumo, coleções inspiradas nas jóias africanas. Como o caso do baiano Carlos Rodeiro e da pernambucana Lucia Lima, que investem no sincretismo baiano para criar as suas coleções.

Ilustração 7 – Adriana dos Santos, Deusa de Ébano do Ilê Aiyê 2008, posa com jóias da designer Lucia Lima para o editorial da Revista Muito “Deusa Urbana”. Foto divulgação: Jornal A Tarde. (06/04/2008)

Outro exemplo é a Linha Miscigens da joalheria H. Stern11.Uma coleção dedicada ao

cantor Carlinhos Brown feita com o uso de materiais comuns, mas utilizados de uma forma não convencional. As jóias ganharam uma coleção de riqueza cultural inspirada no mundo de Brown que aborda o candomblé, os orixás e sua significação. Essa coleção nada mais é do que uma releitura de elementos que já existiam desde a época da escravidão. A joalheria lança uma linha “étnica” com influências africanas, que foi consagrada em Salvador e no mundo.

11 A linha Miscigens (batizada pelo próprio Carlinhos Brown, reflete a preocupação de um futuro de raças

misturadas) se subdivide em três: “Mãe de Samba” de berloques, “Mares de Ti” de búzios de ouro e “Colar de Contos” feito com colares coloridos. A coleção tem direção de arte assinada por Gringo Cárdia.

Ilustração 8 – Parte do catálogo da coleção Mãe de Samba da H. Stern. Pingente com os símbolos Obá, Ewá, Iemanjá e Ifá. Imagem da modelo negra e mais dois pingentes com os símbolos Oxaguiã e Oxalufã.