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A Comunicação através da moda e do corpo

Ilustrações 9 -Negra Jhô

1. TRANÇANDO MODA

1.3 A Comunicação através da moda e do corpo

A moda traduz atitudes e se constitui um ato de significação. Impossível não associar a indumentária a uma ideologia, uma antropologia ou ainda uma psicologia da roupa. A discriminação social, as contradições de classe se manifestam no vestir. A roupa é uma linguagem que fala do social, das relações entre as pessoas, da relação entre o homem e o mundo.

LURIE (1992), afirma que há muitas linguagens diferentes do vestuário, e que as roupas funcionariam como palavras que “combinadas” formariam frases. Através dessas frases haveria uma comunicação. Não concordamos com a idéia defendida por ela. Quando nos referimos à moda como linguagem, não é no sentido de transmissão de mensagens, mas no sentido da moda evocar sinais de pertencimento, na maioria das vezes, utilizando o próprio corpo. Para entender a moda como linguagem é necessário ir além desse conceito de transmissão de mensagem.

O vestuário proporciona o exercício da linguagem da moda, quando esta atua no campo do imaginário, dos significantes. A moda é a expressão mais significante, que partilha valores em uma coletividade. Através dela, os sujeitos conseguem mostrar o seu modo de ser e estar no mundo.

Não há uma sociedade senão por um fundo de idéias e de desejos comuns; é a semelhança entre os seres que institui o elo da sociedade é imitação. (...) A moda é uma lógica social independente dos conteúdos; todas as condutas, todas as instituições são suscetíveis de serem levadas pelo espírito da moda, pelo fascínio do novo e atração dos modernos. (LIPOVETSKY, 1997, p. 66).

A união da roupa ao nosso corpo, que tem uma linguagem significante, passa a evocar sinalizações e determina o sujeito em um momento histórico.

Ao mesmo tempo em que a moda pode ser vista como um objeto revestido de valores simbólicos, inclusive, para o sujeito, ela também é considerada como imbricada ao corpo e, com ele, significa e faz significar o sujeito. (CASTILHO, 2004: 28).

Uma moda sempre vai dialogar com a outra, reafirmando-a, confrontando-a, etc., e permitindo múltiplas leituras. A leitura se faz através dos elementos que utilizamos, que podem ser escolhidos e combinados em um determinado tempo, e assim propor diversas significações, reapropriações, referências culturais trazendo novas releituras e contextos. Através da aparência, manifestamos um discurso articulado que nos faz interagir e ser interagido de alguma forma no contexto sociocultural. Quando assumimos uma moda, um estilo, assumimos também um discurso perante a sociedade, que faz a gente seguir “essa” ou “aquela” tendência.

O corpo funcionaria como um veículo de comunicação e podemos detectar diferentes maneiras de usá-lo como manifestações e práticas discursivas das sociedades ou de grupos. As características fenotípicas e a estrutura física constituem-se como uma forma de se integrar

o sujeito com o mundo. E o processo de valorização do corpo através dos tempos, acompanha, de certa forma, a valorização da imagem de uma época para outra.

O corpo constrói manifestações textuais que se deixam apreender e significar por efeitos de sentido que produzem. Esse corpo cria processos de identidade, e a presença do outro, como corpo visível e sensível com o qual podemos nos identificar, representa (...) a “cristalização do sentido”, que está sempre aberto a ressignificações. (CASTILHO, 2004:46).

O ser humano, em muitos casos, apresenta uma relação problemática com o corpo, e tenta remodelá-lo de diversas maneiras para tentar alcançar um padrão imposto pela sociedade. Para tentar se enquadrar no contexto, o indivíduo recorre a mudanças corporais seja através de cirurgias, uso de cosméticos, pinturas, tatuagens ou escarificações para traduzir novos valores. Eles inserem elementos significantes tentando “criar” um novo discurso no contexto a que fazem parte. Eles tentam reconstruir o corpo para resolverem a sua insatisfação pessoal.

O corpo possui diversas características fenotípicas como altura, cor da pele, formas e cabelo que funcionam como características distintivas. Esses elementos, a princípio, é que pressupõe a aceitação ou negação, da estrutura física que ele oferece. O sujeito vive o processo de aceitação ou negação do corpo, a dualidade do desejo de ver e ser visto, por isso ele procura embelezar o corpo, criar estruturas de atração, instaurando significados e possibilidades de expressão, através das características da cultura que vivencia.

Ao eleger esta ou aquela forma de se vestir, o ser humano entra num sistema de moda. Se ele segue padrões “modais” da época, ele afirma o “outro”, a alteridade, ao mesmo tempo que se põe como partícipe desse “outro”, desse grupo que passa a ser o mesmo da sua própria identidade. Se ele, por outro lado, não segue padrões “modais” da época, ele nega o “outro”, a alteridade, ao mesmo tempo em que se afirma como o “diferente”, mas é justamente aí que se aprende a sua identidade. (CASTILHO, 2004: 90).

Quando adotamos uma moda, adotamos também uma forma de afirmar a nossa identidade. Os indivíduos do grupo vão se reconhecer baseado nos trajes, no penteado, nas idéias e valores. O estilista quando cria a roupa, cria também um “discurso”, a sua visão e leitura da produção. Mas, esse discurso é desarticulado no momento em que o sujeito faz a sua própria composição da roupa. Ele rearticula outras concepções, através da combinação de cores, tecidos e vestimentas, produzindo o seu “discurso” pessoal, o seu “discurso” identitário e construindo a relação pessoal de seu corpo. Então a criação do estilista passa a ter uma nova linguagem.

Nas propostas de moda atuais, é comum se fazer “releituras” que resgatam elementos da construção do passado, reorganizadas ou reconstruídas segundo uma nova proposta adequada

a um novo momento. Elementos de uma moda são combinados com outros elementos criando novos discursos que se redefinem nas novas realidades sociais e na cultura. Muitas vezes esses elementos são combinados e não tem intenção de pertencer a algo, mas de apenas brincar com a moda.

Nos anos 2000, a idéia de precisar pertencer a um determinado grupo perdeu sua legitimidade. Cada um faz o que quer - ao menos com sua própria imagem, e aí está metade da graça da moda e da expressão cultural por meio das roupas.

(PALOMINO, 2001:46).

Surge à chamada antimoda, as pessoas deixam de usar o que é moda e passam a usar roupas no intuito de quebrar os padrões de seguimento da moda, das coleções e de desafiar as categorias.

A moda vive a evolução sociocultural, ela está sempre se reconstituindo e definindo particularidades do sujeito. No próximo tópico vamos analisar a moda e suas implicações na formação da identidade dos sujeitos.