• Nenhum resultado encontrado

A assimilação de fontes precedentes e o fluxo iconográfico entre artistas

I. A GALERIA DE COSTUMES DO SÉCULO XVI: OS ‘LIVROS DE TRAJES’

2.1. A assimilação de fontes precedentes e o fluxo iconográfico entre artistas

Ao delinearmos a trajetória historiográfica e a fortuna crítica dos livros de trajes quinhentistas encontramos menções pouco sistemáticas e pontuais aos seus autores nos séculos imediatamente após a produção desses volumes como, por exemplo, em dicionários biográficos de gravadores e demais artistas (Joseph Strutt etc.). A temática floresceu durante o Ottocento, em catálogos de importantes coleções, como aqueles organizados pelos bibliófilos Leopoldo Cicognara e Hippolyte Destailleur, assim como em manuais especializados em referências bibliográficas, tais como o de Jean George Théodore Graesse, Jacques-Charles Brunet, Ernest Vinet (e Edouard Rahir). As últimas décadas do século XIX e as primeiras do século XX apresentam publicações que seguem o modelo dos manuais anteriores, porém, especializadas no tema da indumentária e dos costumes – como o renomado trabalho de Franz Lipperheide, René Colas, Hilaire e Meyer Hiler e, até mesmo, a obra germinal de Albert Racinet.

A partir da segunda metade do século XX encontramos catálogos de exposições (Anna Omodeo e Sandro Piantanida, por exemplo), os quais começaram a refletir de modo mais profundo sobre essas criações, embora consideradas à margem das demais produções artísticas. Já nas últimas décadas do século XX apareceram estudos especializados em nossos objetos de estudo, como os artigos de Jo Anne Olian, Daniel Defert e Odile Blanc. Ulrike Ilg, no início do século XXI, delineou um panorama desse novo gênero artístico-literário, seguido de estudos cada vez mais focados e produzidos por Isabelle Paresys, Margaret Rosenthal, Ann Rosalind Jones, David Brafman, Ilse O'Dell, entre outras autoridades.

Portanto, a temática é recente, seja dento do campo da História da Arte, da História da Moda ou mesmo de outras áreas do saber. Em 1965 Anna Forlani Tempesti no prefácio do catálogo da exposição Mostra di Stampe popolari venete del ‘500 já alertava para o pouco conhecimento dessa produção:

As impressões deste tipo, devido à sua grande difusão no momento da publicação, foram facilmente dispersas e, atualmente, são malconservadas e pouco estudadas.

[...] Esse material é pouco conhecido e esquecido pelos estudiosos, tendo sido

intercalado até agora a gravuras de diferentes tipos [...]254

Tempesti parece justificar continuamente a escolha de organizar uma exposição com um “tema menor”, entendendo essas gravuras de costumes e vestuários como “os jornais daquele tempo” (preistoria del giornalismo), dada a sua atualidade e difusão no momento da sua criação. Logo, atribui valor aos exemplares escolhidos por serem testemunhos de época, chegando até mesmo a afirmar a falta de qualidade das imagens:

Essas impressões não são bonitas, na verdade, são na maioria das vezes tecnicamente descuidadas e até mesmo desagradáveis, como no caso de certas caricaturas. As únicas exceções talvez sejam a cuidadosa série de trajes de Enea Vico e os belos desenhos coloridos de [Jacopo] Ligozzi, apresentados aqui como complemento e válida contrapartida pictórica às séries gravadas. Outras obras são, no entanto, agradáveis por sua ingênua espontaneidade popular, como os provérbios de [Nicolò] Nelli e certas celebrações venezianas na série de [Giacomo] Franco, imagens tão vivas. 255

Uma vez que o critério não era a beleza, até que ponto essas gravuras apresentavam a moda e os costumes contemporâneos de maneira fiel? Para Tempesti a extrema raridade e o caráter de testemunho tornam essas gravuras “dignas de aparecerem na tão rica série de

exposições do Gabinetto Disegni e Stampe degli Uffizi.” 256, ainda que sejam “impressões

marginais” (stampe marginali) e com “aspectos menos sublimes da nossa cultura”, como

mesmo afirma. No entanto, a série de trajes gravada pelo artista Enea Vico fora elogiada e a curadora Anna Omodeo, no mesmo catálogo, defende tal produção como a primeira série italiana de vestuário. Ela menciona os 24 exemplares da coleção florentina, sinalizando a presença dos mesmos em um volume pertencente à Biblioteca Consorziale di Siena: intitulado

Omnium fere gentium nostrae aetatis habitus numquam ante hoc aediti Ferdinando Bertelli aenaeis typis axcudebat Venetiis (1563).

As gravuras de Vico são efetivamente originais e fazem parte dos fundamentos desse gênero literário que mais tarde foi delineado como “livros de trajes”, além de refletirem

254 “Le stampe di questo tipo, proprio per la loro grande diffusione al momento della pubblicazione, andavano

facilmente disperse e oggi sono piuttosto scarsamente conservate e altrettanto scarsamente studiate. [...] Tale materiale è poco noto e dimenticato anche dagli studiosi, inframezzato com’era finora a incisioni di diverso tipo

[...].” In: OMODEO, Anna (ed.). Mostra di stampe popolari venete del ’500. Catalogo del Gabinetto disegni e stampe degli Uffizi. Firenze: L. S. Olschki, 1965, p. 3.

255 “Queste stampe non sono belle, anzi il più delle volte tecnicamente sciatte e addirittura sgradevoli, come nel

caso di certe caricature. Uniche eccezioni forse, l’accurata serie dei costumi di Enea Vico e i bei disegni colorati del Ligozzi, qui presentati in quanto complemento e valida controparte pittorica alle serie incise. Altre sono tuttavia gradevoli per una loro ingenua immediatezza popolare, come i proverbi del Nelli e certe feste veneziane della serie del Franco, così vive.”. Ibidem, p. 4.

uma cultura iconográfica tipicamente quinhentista. Entretanto, a obra mencionada pela pesquisadora é atribuída ao artista Ferdinando Bertelli, ainda que inúmeras incisões sejam consideradas cópias em reverso das criações de Enea Vico. Ambos atuavam no campo gráfico veneziano e é provável que o contato tenha ocorrido nesse universo e que artistas posteriores tenham chegado ao conteúdo de Vico através da publicação de Bertelli.

E. Vico. Hispaniae rustica F. Desprez. L'espaignole F. Bertelli. Hispaniae C. Vecellio. Habito di In: Diversarum gentium... rustique. In: Recueil… rustica. In: Omnium fere... Donna di Toledo. In: De (Veneza, 1558) (Paris, 1562) (Veneza, 1563) gli habiti… (Veneza, 1590)

Como sinalizado anteriormente, o francês François Desprez é considerado o autor do primeiro livro de trajes (Recueil de la diuersité des habits...), onde constam ao menos 26 pranchas nitidamente inspiradas em Vico.257 Como esse conteúdo chegou até ele? A sua obra foi publicada em Paris em 1562, logo, era um conteúdo que circulava anterior a essa data? A

Bibliothèque Nationale de France (FRBNF36586924) e o Rijksmuseum (BI-1933-996)

possuem um exemplar denominado Diversarum gentium nostrae aetatis habitus, ambos com datação de 1558, e atribuído pela instituição holandesa ao nosso artista natural da cidade de Parma. Ainda que a série de gravuras soltas do Gabinetto dei Disegni e delle Stampe delle

Gallerie degli Uffizi (e pertencente a outras instituições, como a Galeria Albertina em Viena)

seja mais conhecida, temos indícios de que o conteúdo circulou minimamente pela Europa em forma de publicação, ainda que não tenha sido um projeto editorial desenvolvido como os demais exemplares publicados por Vico ao longo da sua vida.

257 Prancha La barbare; Le Persien; La vesue d'affrique; La fille turquoise; La damoisele flamede; Le dueil de

Flandre; L'italienne; La Suysse; La lansquenette; Le lansquenet; La feme de cõpostelle; La feme de Tollette; La rustique d'espaigne; La rustiq de Portugal; Le Portugais; Le grec seruãt le turc; L'indienne; Le Barbare; Le Tartare; La Romaine; L'indien; L'espaignolle; La Portugaise; L'espaignole rustique; La delubicque; La Fille Flamende.

E. Vico. Diversarum gentium nostrae aetatis habitus. Venetiis, M.D.LVIII. Exemplar da BnF.

E. Vico. Serie di stampe rappresentanti i costumi di varie Nazioni. GDS, inv. UFF.1167- 1190.ST.SC.

Essa parece ser uma faceta negligenciada da produção do artista, pois diversos estudiosos se concentraram em seu papel como antiquário e especialista em medalhas e moedas

antigas, como Giulio Bodon.258 Do mesmo modo, os manuais e dicionários dos séculos XIX e XX incluem Vico e suas mais renomadas publicações (Discorsi sopra le medaglie degli

antichi..., Le Imagini delle Donne Auguste..., Ex-Libris...259), porém, sem nenhuma menção às obras representando o vestuário mundial. Abaixo organizamos um quadro sistemático das publicações que mencionam os nossos objetos de estudo e, assim, constatamos a ausência de referências a Vico:

Um importante relato contemporâneo ao artista, i.e., as biografias artísticas narradas pelo escritor, pintor e arquiteto toscano Giorgio Vasari em 1568 (“edição giuntina”), traz uma breve análise da vida de Enea Vico no interior da Vita di Marcantonio Bolognese, e d’altri

intagliatori di stampe. 260 Além de alguns fatos e dados pessoais, Vasari menciona seus trabalhos mais relevantes, entre eles:

Enea [Vico] também desenhou, para a satisfação comum e utilidade aos homens, cinquenta trajes de diferentes nações, ou melhor dizendo, como se vestiam [os

habitantes] da Itália, da França, da Espanha, de Portugal, da Inglaterra, de Flandres

e de outras partes do mundo; tanto os homens como as mulheres e tanto os camponeses quanto os citadinos. Obra que foi fruto do engenho; bonita e caprichosa.261

258 BODON, Giulio. Enea Vico fra memoria e miraggio della classicità. Roma: L'Erma di Bretschneider, 1997. 259 Conferir a lista das obras publicadas por Vico na seção “Referências Bibliográficas” do presente trabalho. 260 VASARI, Giorgio. Delle vite de’ piv eccellenti pittori, scultori, et architettori, scritte da M. Giorgio Vasari

[...] [di nuovo dal medesimo riviste et ampliate, con i ritratti loro et con l'aggiunta delle vite de'vivi e de'morti dall'anno 1550 insino al 1567... Con le tavole in ciascun volume, delle cose piu notabili] Primo Volume della Terza Parte. Con licenza, & priuilegio di N. S. Pio V. & delli Illustrissimi, & Eccellentissimi Signori Duca, & Príncipe di Fiorenza, e Siena. In Fiorenza, apresso i Giunti, 1568.

261 “Disegnò anco Enea [Vico] a commune sodisfazione, & vtile degl’huomini cinquanta habiti di diuerse nazzioni,

Em comparação aos comentários que tece a respeito das demais produções de Vico, Vasari imprime certo destaque – em tom elogioso – a essas criações. E, embora tenham caído em esquecimento atualmente, ainda foram mencionadas por Joseph Strutt em 1785 (“Um

conjunto de cinquenta pranchas de vestes de diferentes nações” 262) e por Giuseppe Campori em 1872 (“O retrato do busto adornado do duque Afonso II e cinquenta impressões de trajes

das diversas nações são atribuídos ao tempo de sua estadia em Ferrara”263), nos poucos exemplares da produção de Vico citados por ambos os autores em suas publicações.264

A afirmação de Campori pode ser contestada em um ponto. Durante a carreira artística de Vico, ele passou de sua cidade natal Parma aos grandes centros artísticos italianos como Roma, Florença, Veneza e Ferrara, respectivamente. Sua estadia em Florença ocorreu por volta de 1546 e é possível que essas gravuras – ou parte delas – já existissem, pois, como apontado acima, 24 exemplares fazem parte da coleção da Gallerie degli Uffizi (além de obras

vichianas com variados temas). Durante o seu período veneziano Vico parece ter inspirado

Ferdinando a lançar sua obra sobre o vestuário em 1563 e, durante a década de 1550, possivelmente encontrou os Vecelli em uma empreitada artística à Alemanha. Angelo Pezzana é quem relata o episódio:

Em Augsburgo [Vico] projetou o arco triunfal [e] dedicou esse trabalho a Filippo II, filho de Carlo IV. Ali conheceu [Tiziano] Vecellio e teve com ele um consórcio familiar. Partiu dessa corte no início de novembro, segundo menciona Tiziano em uma carta do dia 11 a P[ietro] Aretino; e, levado de volta a sua querida Veneza,

[Vico] retornou a seus amigos, os quais o convidaram, segundo relata [Anton Francesco] Doni no carnaval consequente (1551), a um solene banquete. 265

Embora poucas notícias biográficas estejam disponíveis ao leitor contemporâneo, sabemos de incursões artísticas do nosso autor Cesare Vecellio com seu primo, o renomado

altre parti del mondo, così gl’huomini; come le donne, & così i contadini, come i cittadini. Il che fu cosa d’ingegno, e bella, & capricciosa.” Ibidem, p. 307.

262 “A set of fifty plates of dresses of different nations”. In: STRUTT, Joseph et al. op.cit., p. 390.

263 “Si attribuiscono al tempo della sua permanenza in Ferrara il ritratto in busto grande istoriato del Duca

Alfonso II e cinquanta stampe di abbigliamenti di diverse nazioni”. In: CAMPORI, Giuseppe. “Enea Vico e

l’antico museo estense delle medaglie”. In: Notizie dei miniatori dei Principi Estensi. Modena: Tipografia di Carlo Vincenzi, 1872, p. 7.

264 Tanto Giorgio Vasari quanto Joseph Strutt e Giuseppe Campori não mencionam a série de 70 trajes espanhóis realizada por Enea Vico e elencada por Adam von Bartsch em Le Peintre Graveur (1867).

265 “In Augusta [Vico] disegnò il detto arco trionfale [e] intitolò questo suo lavoro a Filippo figliuolo di Carlo.

Conobbe colà il Vecellio ed ebbe con esso lui famigliare consorzio. Partissi di quella Corte in sul cominciar di novembre secondo che accenna Tiziano in lettera del dì 11 a P. Aretino; e, ricondottosi nella sua cara Venezia, ritornò in braccio agli amici, i quali, conforme racconta il [Anton Francesco] Doni, nel conseguitante carnevale (1551) invitò a solazzevole banchetto.” In: PEZZANA, Angelo. Di Enea Vico parmigiano. Parma: Stamperia

Tiziano. Ambos teriam viajado para Augsburgo por volta de 1548. Logo, é provável que Vico tenha entrado em contato com os Vecelli em uma dessa ocasiões – como afirma Pezzana – ou, até mesmo, fora do ambiente da corte alemã ao retornarem para La Serenissima. Vico só teria se direcionado para a corte em Ferrara após 1562, cinco anos antes da sua morte prematura. É inevitável não conjecturar algum tipo de troca ou influência entre Vico e Vecellio, uma vez que alguns exemplares vichianos estão presentes em ambos os volumes do mestre cadorino. Seriam eles oriundos apenas do intermédio com a obra de Ferdinando Bertelli ou, pelo contário, teriam sido criados após o contato com Vecellio, visto que o artista colecionou durante anos as suas imagens de trajes embora viessem à tona somente na última década do Cinquecento?

A hipótese acima ganharia maior sustentação se Vecellio tivesse efetivamente publicado uma obra em 1564, como afirma Haydn Williams em seu recente artigo Additional

printed sources for Ligozzi’s series of figures of the Ottoman Empire 266 (2013): “Um dos livros

mais antigos [ilustrando trajes de todo o mundo] – e que parece ter servido como principal fonte de modelos para [Jacopo] Ligozzi – foi Habiti antichi... de Cesare Vecellio, publicado pela Combi & La Noù em Veneza em 1564.”267 Assim, vários fatores contribuíram para a suspeita de uma informação inexata na análise de Williams: a existência de uma edição vecelliana póstuma publicada pela Combi and La Noù exatamente cem anos depois, em 1664; a própria descrição física do volume – conteúdo reduzido, ausência de molduras e textos na mesma página que as imagens – tal como essa edição do Seicento; a ideia de que essa obra de Vecellio tenha surgido previamente à de Nicolas de Nicolay e de que o artista, na verdade, teria consultado os desenhos preparatórios de Nicolay, já prontos em 1555268; a ausência de qualquer menção ao volume pelos especialistas da produção vecelliana; e de que maneira Ligozzi teria consultado esse exemplar excepcional de Vecellio, hoje pertencente a um acervo francês. Ao contactar a instituição, i.e., a coleção Edmond de Rothschild do Museé du Louvre em Paris, confirmamos que a edição de 1564 da obra de Cesare Vecellio não existe, sendo, na verdade, a conhecida versão publicada em 1664.269

266 WILLIAMS, Haydn. “Additional printed sources for Ligozzi’s series of figures of the Ottoman Empire”. In:

Master drawings, 51, 2, 2013. pp. 195-220.

267 “One of the earliest such books [of prints illustrating costumes from around the world] – and one that seems to

have served as the main source of models for [Jacopo] Ligozzi – was Cesare Vecellio’s Habiti antichi, published by Combi and La Noù in Venice in 1564.”. Ibidem, p. 195.

268 Vecellio inclui uma prancha com indivíduos carregando uma espécie de baldaquino turco, intitulada Sposa

Tvrca, nas suas duas edições de 1590 (n. 391) e 1598 (n. 371). É provável que ela tenha sido inspirada pela obra

de Nicolas de Nicolay, porém, a imagem correlata – Sposa di Costantinopoli per la Città (n. 186) – surge apenas na edição italiana da obra do geógrafo francês, publicada em Veneza em 1580. Deste modo, Vecellio não poderia reproduzí-la em uma edição de 1564.

269 Correspondência eletrônica ocorrida em março de 2017: “Chère Mme. Carvalho, en réponse à votre

De volta às investigações envolvendo Enea Vico e François Desprez gostaria de indicar outra direção para a “origem” desse gênero de publicação. Ao atentarmos para a organização das pranchas no volume de Desprez, notamos que os habitantes da Espanha e de Portugal aparecem após várias “nacionalidades” europeias, tais como os franceses, italianos, flamengos, ingleses, suíços, alemães, húngaros, poloneses e escoceses. Em seguida a representação dos 14 moradores de territórios espanhóis e dos 3 personagens portugueses, observamos mouros, bárbaros, selvagens, indianos, indígenas americanos, turcos, árabes, asiáticos e africanos. O elo entre a Europa e o restante do mundo parece ser mesmo a península ibérica. Dessas 17 pranchas ibéricas mencionadas acima, 8 delas advém da produção

vichiana.270 Além disso, o fato do editor Richard Breton ter participado ativamente da

l’édition de 1664. L’article de Haydn Williams comporte une erreur de date, en effet. Bien cordialement, Victoria Fernandez (Documentaliste scientifique - Collection Edmond de Rothschild)”.

270 Acompanham as seguintes legendas: Hispana m.; Hispaniae; Hispaniae; Hispaniae rustica; Hispanus;

publicação do livro de Desprez e ser um dos artistas presentes na corte francesa de Caterina de' Medici poderia indicar uma via de entrada desse material, já que a rainha desenvolveu um papel importante no campo do mecenato e das trocas culturais entre a Itália e a França.271

E. Vico. Hispana rustica; Hispaniae rustica; Hispana rustica mul.; (sem título); Hispana rustica; Galla serua (?) Flandren. In: Diversarum gentium... (Veneza, 1558). Exemplar da BnF.

O inventário realizado por Adam von Bartsch (Le Peintre Graveur...272 1867) elenca 29 pranchas para a série sobre as diversas nações de Vico e, ainda, 70 pranchas (algumas com o monograma do artista) representando apenas trajes espanhóis.273 O motivo que levou Vico a representar tantos personagens espanhóis sempre foi um enigma, visto que os dados biográficos do artista não mencionam viagens à Península Ibérica. Ao conferirmos o volume

271 Cf. FROMMEL, Sabine. Il mecenatismo di Caterina de’ Medici: poesia, feste, musica, pittura, scultura,

architettura. (Kunsthistorisches Institut Firenze: Studi e ricerche 2). Venezia: Marsilio, 2008.

272BARTSCH, Adam von; HELLER, Joseph; WEIGEL, Rudolph. Le Peintre Graveur. Quinzième volume (XV).

Leipzig: J. A. Barth, 1867, pp. 325-31; SPIKE, John (ed.). The Illustrated Bartsch. Italian masters of the sixteenth

century. Enea Vico (30). New York: Abaris Books, 1985.

da BnF e do Rijksmuseum notamos a presença de mais 6 pranchas sobre os trajes mundiais, reforçando, principalmente, o conteúdo hispânico. Logo, das supostas 50 imagens de Vico ilustrando os habiti di diuerse nazzioni (segundo atestara Vasari e alguns autores contemporâneos) temos acesso a pelo menos 35 delas.

Gostaria de conjecturar outra circunstância. Por volta de 1529-32 o artista alemão Christoph Weiditz retratou os habitantes das diversas regiões visitadas ao acompanhar a corte de Carlos V em uma viagem à Península Ibérica e Países Baixos. Na Espanha, Weiditz entrou em contato com os indígenas trazidos da América pelo explorador Hernán Cortés e com o restante da população hispânica. Ao retornar para Augsburgo, ainda na década de 1530, o artista organizou suas criações em um álbum de viagem manuscrito, conhecido como Trachtenbuch

des Christoph Weiditz. 274

C. Weiditz. Tracht der E. Vico. Woman of the C. Weiditz. Wie die Frauen in E. Vico. Woman of Frauen in Sevilla. In: Nobility. In: SPIKE, Santander zur Kirche gehen. In: Aghilar with Hooded

Trachtenbuch (1530/1540)275 John. The Illustrated Trachtenbuch (1530/1540) 276 Cape. In: SPIKE, J.

Bartsch... (NY, 1985) The Illustrated.. (1985)

Como apontado acima, sabemos que Enea Vico esteve na corte imperial, por aproximadamente dois meses, compondo até mesmo um retrato do soberano e, posteriormente, dedicando uma obra ao príncipe Filippo II, filho do imperador Carlo V (Sopra l’effigie...277, 1551). Nesse contexto é possível que o mestre italiano tenha encontrado o próprio Weiditz – morto somente em 1559 – ou se familiarizado com o seu álbum de desenhos de alguma outra

274 WEIDITZ, Christoph. Trachtenbuch. Germanisches Nationalmuseum [Hs 22474]. Nurembergue, 1530/1540. 275 A imagem é acompanhada por breves escritos em alemão: "Allso gand die Frauen Im Kinig Reich asarcilia In

sybillien der stat mit 50 tausentt heysern". Em inglês, Hampe a denomina Dress worn by women in Seville.

276 A imagem é acompanhada por breves escritos em alemão: "Allso gand die Frawen zue sanctt andres zue

Kirchen". Em inglês, Hampe a denomina Women going to church in Santander.

277 VICO, Enea. Sopra l’effigie, et statue, motti, imprese, figure et animali poste nell’Arco fatto al vittoriosissimo