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2 A POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL E A ASSISTÊNCIA EM TRANSPLANTE: BREVE HISTÓRICO E CENÁRIO ATUAL

2.2 A assistência em transplante no contexto brasileiro

O Brasil possui, na atualidade, um programa público de transplantes de órgãos e tecidos com reconhecimento mundial, em que o SUS é responsável por 95% dos procedimentos realizados. A Política Nacional de Transplantes de Órgãos e Tecidos está fundamentada por meio das Leis no 9.434/1997 (BRASIL, 1997) e 10.211/2001 (BRASIL, 2001), tendo como diretrizes: a gratuidade da doação, a beneficência em relação aos receptores e a não maleficência em relação aos doadores vivos (MARINHO; CARDOSO; ALMEIDA, 2011).

Em 1930, ocorreu a primeira experiência no Brasil, referente a um transplante de córnea. Já em 1964 (Rio de Janeiro) e 1965 (São Paulo), foram realizados os primeiros

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transplantes renais. O primeiro transplante cardíaco foi registrado em 1968 (São Paulo) (CAVALCANTE, 2010; FERRAZ, 2003).

Em relação à legislação, até 1998, todo o processo que envolvia a realização de transplantes de órgãos – como a inscrição dos pacientes receptores, a retirada dos órgãos, a ordem dos transplantes, os critérios de prioridade, entre outros – era organizado de maneira

“informal” por meio de regulamentações estaduais (MONTEIRO, 2013).

Nesse contexto, ainda em 1998, entram em vigor a Lei nº 9.434/01/97 e o Decreto 1480, de 08/08/1997, do Conselho Regional de Medicina (CRM), os quais passam a determinar os critérios para o diagnóstico da morte encefálica, bem como aqueles relativos à doação (doador vivo e falecido). A Lei proíbe ainda a doação feita por pessoas sem identificação, entre outros. Fundamentada com a legislação do SUS, essa Lei promove a transparência do processo, sendo a decisão da doação de órgãos autorizada pela família, colaborando para a coibição da comercialização de órgãos (MONTEIRO, 2013).

A Lei 9.434, de janeiro de 1997, representou um avanço importante na regulamentação dos direitos e garantias dos pacientes que têm a indicação clínica para realização de transplante, tendo ainda entre seus objetivos: primar pela segurança na realização de transplante envolvendo doador vivo, de maneira a não trazer danos para o ele; e regular a rede de assistência por meio do credenciamento e da autorização para o funcionamento das instituições (BRASIL, 1997).

Nesse sentido, em 1997, é criado o Sistema Nacional de Transplantes (SNT), com vistas a aperfeiçoar a administração e a operacionalização dos transplantes de órgãos financiados pelo SUS, tornando-se um dos maiores sistemas públicos de transplantes do mundo. Ele dispõe de 25 Centrais de Notificação, Captação e Doação de Órgãos (CNCDO) nos estados e no Distrito Federal e de uma Central Nacional de Notificação, Captação e Doação de Órgãos (CNNCDO), localizada em Brasília, contando ainda com 548 estabelecimentos autorizados a realizar transplantes, envolvendo 1.376 equipes médicas.

O Brasil ocupa, hoje, o segundo lugar em número de transplantes ao nível internacional, antecedendo os Estados Unidos, onde o procedimento é financiado de forma

direta pelo usuário ou por meio de planos de saúde. No que se refere aos “muito pobres”, eles

recebem financiamento dos programas assistenciais do Governo – Medicare e Medicai (MARINHO, 2006).

Embora as regiões Sul e Sudeste concentrem os maiores resultados em números absolutos, o Nordeste vem se destacando em virtude da atuação dos estados do Ceará e de

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Pernambuco, os quais apresentam elevada frequência na realização do procedimento, principalmente nos transplantes de rim, fígado e córnea (MARINHO, 2006).

No Ceará, destacam-se três centros transplantadores: o Hospital Geral de Fortaleza (HGF), com 208 transplantes (33 de fígado; 166 de rins; e nove de pâncreas); o Hospital de Messejana, que realizou 28 transplantes de coração e 4 de pulmão; e o Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC/UFC), que, de acordo com dados oficiais realizou, em 2013, 130 transplantes de fígado, 111 de rim, 44 de medula, 2 de pâncreas e 18 de córneas (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE TRANSPLANTES DE ÓRGÃOS, 2014).

O HUWC/UFC vem se tornando referência ao longo de sua história como centro de transplantes, principalmente no que concerne aos de fígado. Segundo dados divulgados pelo Registro Brasileiro de Transplantes (RBT), ele realizou em 2013, 130 transplantes de fígado, ultrapassando o Hospital Israelita Albert Einstein (com 102 transplantes realizados no mesmo período), e assumiu o primeiro lugar na América Latina na realização do referido procedimento (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE TRANSPLANTES DE ÓRGÃOS, 2014). Todavia, apesar do crescimento no número de transplantes realizados no Brasil desde o seu início, os estudos chamam a atenção para a desigualdade no acesso a tais procedimentos. Esse fato é complexo e suas explicações envolvem questões que vão desde a ausência de centros transplantadores em determinadas regiões a índices ainda não tão significativos de doações de órgãos.

Os avanços no âmbito da política de transplante de órgãos e tecidos no Brasil são inquestionáveis, porém, a desigualdade em relação à distribuição dos centros transplantadores no País é uma realidade que persiste. Esse aspecto impacta na garantia do acesso ao diagnóstico precoce e ao tratamento antes e após o transplante. Assim, discutir a Política de Transplante no Brasil equivale a considerar as desigualdades referentes à realização de transplantes, bem como as dificuldades no acesso aos níveis de atenção em saúde (CAVALCANTE, 2010; FERRAZ, 2003).

A disparidade geográfica da realização de transplantes de órgãos também ocorre em países desenvolvidos, como Austrália, Espanha, Estados Unidos, França e Reino Unido. No entanto, no Brasil, a dimensão continental é apenas um dos fatores que agravam o problema, principalmente em relação ao tempo na fila de espera. No tocante à equidade em saúde com ênfase no SNT, destaca-se:

[...] Para melhoria da equidade, o SNT tem realizado correções normativas, especificação clara de princípios de justiça e de critérios de alocação, aperfeiçoamento gerencial, planejamento estratégico, transparência de informações e

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abordagem sistêmica, no âmbito do SUS. (MARINHO; CARDOSO; ALMEIDA, 2011, p. 12).

Logo, ancorado no pensamento dos autores, afirma-se a necessidade não apenas da produção, mas também da compreensão dos dados para qualificar o planejamento, a execução e a avaliação de ações em saúde. Nesse sentido, a forma como os centros transplantadores estão distribuídos regionalmente e as características epidemiológicas devem ser analisadas para a garantia da ampliação da assistência em transplante no País.

Constatam-se implicações da referida desigualdade regional na realização de transplante de órgãos no Brasil. Como consequência, muitos usuários se deslocam para outros estados em busca do tratamento, permanecendo por longo período antes e após o transplante. Isso implica gastos e distanciamento dos vínculos familiares e comunitários.

Pesquisas acerca do tema revelam que muitas das doenças que incidem nas insuficiências renal, hepática, cardíaca, pancreática e pulmonar resultam das fragilidades da atenção básica em saúde. Ressaltam-se, inclusive, as repercussões dos determinantes sociais do processo saúde-doença (MARINHO, 2006).

Nesse contexto, destaca-se a necessidade de ampliação dos investimentos e da capacitação de equipes transplantadoras em todas as regiões do Brasil, a fim de minimizar as desigualdades no acesso à assistência em transplante no País. Na perspectiva da integralidade, há de se considerar que as políticas de saúde contemplem ações de prevenção, promoção e proteção da saúde da população.

Considerando a complexidade do tratamento, a necessidade de acompanhante, gastos com moradia, transporte, medicação não disponibilizada pelo SUS, entre outros, reconhece que referidos aspectos constituem determinantes que impactam na condição de adesão ao tratamento. Esses fatores denotam a importância de equipes multiprofissionais que atuem de maneira integral, com vistas a garantir o acesso do usuário aos serviços de saúde e à rede de apoio. Nesse sentido, o capítulo seguinte propõe discutir a Residência Multiprofissional e suas implicações na área de concentração da assistência em transplante, com enfoque na prática interdisciplinar do assistente social.

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3 A RESIDÊNCIA MULTIPROFISSIONAL EM SAÚDE E SERVIÇO SOCIAL: O