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CAPÍTULO III: RESULTADOS

3. O cotidiano do trabalho na UAD

3.2 A Atenção à Saúde no domicílio: dificuldades e facilidades

Os serviços de atendimento domiciliar pesquisados, de forma geral, realizam procedimentos domiciliares similares entre si. As orientações são passadas ao cuidador e tratam sobre os mais variados cuidados: medicação, curativo, aferição de sinais vitais, coleta de material para exames laboratoriais, alimentação, higiene. Além de orientações e apoio familiar e psicológico nas unidades que dispõem de profissionais específicos. O conjunto de atividades no domicílio varia com o tipo de profissional que o serviço dispõe.

Na descrição das atividades feita pelos profissionais, verifica-se o mesmo padrão do relato feito no contexto geral. São ações básicas de saúde que envolvem o atendimento de um acamado, conforme a categoria profissional.

Levantando as dificuldades que os profissionais consideravam para o trabalho nessa modalidade de assistência, pretendia-se buscar aspectos ligados à natureza do trabalho no âmbito domiciliar. Porém, os profissionais deram destaque à ausência de equipe multidisciplinar68 como uma das principais dificuldades. Atribui-se o dado ao fato de apenas duas equipes terem um quadro multidisciplinar considerado, por elas, satisfatório.

Três profissionais, além de incluírem como dificuldade a logística e carência de materiais, mencionaram outros elementos relevantes: desconforto pelo volume de pessoas no aguardo de atendimento; falta de cuidador; condições do domicílio quanto à higiene e segurança; horário das visitas, que sendo muito cedo atrapalha o cuidador.

Os profissionais foram ouvidos sobre o que consideravam favorável nessa modalidade de assistência. Os aspectos levantados permitiram construir vários eixos de análises: o vínculo da equipe de saúde com o paciente e/ou cuidador; a possibilidade de melhor acesso aos cuidados de saúde; uma atenção integral nesse cuidado; melhor percepção da realidade do paciente e família; maior resolutividade na assimilação de informações por parte do cuidador; possibilidade de enriquecimento profissional e integração da equipe como um aspecto altamente positivo nos resultados do trabalho.

O detalhamento a seguir permite a visualização desses elementos acompanhado da fala dos profissionais:

 Possibilidade de construção de vínculo com o paciente e a família. Esse aspecto constitui elemento fundamental na produção da saúde. Alguns consideraram a construção do vínculo mais facilitado no atendimento domiciliar quando comparado com a realidade de atendimento na unidade de saúde:

“[...] eu gosto de entrar na casa das pessoas, gosto desse contato, dessa intimidade [...] o vínculo que se cria [...] a carência é muito grande... a gente vê uma carência enorme de atenção.” (E1);

68

Dos 37 profissionais que compõem as equipes das UADs pesquisadas, apenas oito são de categorias profissionais aqui denominadas “outros”: três assistentes sociais; um psicólogo; um Fonoaudiólogo; um nutricionista; um Terapeuta Ocupacional; e um fisioterapeuta.

“[...] a família recebe bem a gente, é bom, é gratificante. Você vê que tem o resultado no que a gente está fazendo [...]” (E10);

“[...] O vínculo é maior com o paciente e com a família [...]” (E1).  Um segundo ponto verificado na fala dos profissionais relaciona-se à forma de atenção e cuidado. Destacaram a possibilidade de dar atenção integral ao paciente e visualizá-lo na sua realidade em todos os aspectos: ambiente físico, relações familiares e situação econômica:

“[...] pode ver o paciente por inteiro [...] tudo que ele precisa você consegue ver. É diferente quando o paciente vem na UBS, vem bonitinho. Lá, não. Lá você lida com a realidade.” (E2);

“[...] a questão da casa, do domicílio, a cama do paciente se é adequado ajuda mais a gente, e também a questão do cuidador que vai passar as informações pra gente, como passa, o que aconteceu no período que a gente ficou fora” (E6).

A construção de vínculo e os aspectos do cuidado fazem lembrar as reflexões de Boff (2004) quando diz:

[...] O cuidado somente surge quando a existência de alguém tem importância para mim. Passo então a dedicar-me a ele; disponho-me a participar de seu destino, de suas buscas, de seus sofrimentos e de seus sucessos, enfim de sua vida (BOFF, 2004, P. 91).

Também Ayres (2004) em suas reflexões sobre cuidado sugere que os atores que cuidam da saúde das pessoas se interroguem: “o por que, como e quanto se responsabilizam em relação aos projetos de felicidade daqueles de cuja saúde cuidam”(p.24).

 Os profissionais citaram aspectos ligados à otimização do acesso para paciente e sua família, principalmente, pela ida da equipe de saúde ao domicílio, bem como fatores ligados a transporte. A visão de que, com o atendimento domiciliar, uma série de preocupações são minimizadas ou deixam de existir par aas famílias, uma vez que há a necessidade de locomoção do paciente à unidade de saúde. Mencionam

o conforto por parte da família e equipe à medida que constroem uma relação de confiança e visualizam como resultado a melhora na qualidade de vida do paciente.

Conforme o relato:

“[...] você evita que a família tenha todo um desgaste pra poder remover o paciente da casa, que é uma dificuldade imensa, mesmo que tenha uma ambulância disponível [...]” (E3).

Complementando:

[...] eu acho que as pessoas se sentem mais confortáveis. Muitos ficam felizes e quando a gente chega, não sabe o que faz por você, então é muito gratificante, você vê principalmente quando o paciente apresenta melhora. (E4).

 Foi falado sobre a capacidade de compreensão do cuidador às orientações da equipe, como um aspecto favorável para o trabalho no domicílio. Aparece o desejo do técnico de que essa assimilação seja a máxima possível, embora haja a dificuldade própria do contexto vivido. As pessoas se deparam com responsabilidade de cuidar de uma pessoa dependente, muitas vezes, em condições físicas e emocionais não apropriadas:

Então, sobre o cuidador é relativo, porque você encontra a pessoa que entende o que você fala, faz o que você fala e você vê que o paciente evolui bem. Tem pessoas que não fazem o que você orienta e não se vê a evolução do paciente. (E5).

 Outro eixo importante detectado no discurso dos profissionais, trata sobre o enriquecimento profissional e à capacidade de integração da equipe. Isso, como um elemento que maximiza as potencialidades e contribui na superação das dificuldades enfrentadas no cotidiano do trabalho:

Na questão de enriquecimento profissional, eu acho que é uma experiência única. Porque você sai do ambiente de ambulatório, de hospital e você vai conhecer o paciente na sua residência. Vai ver uma situação que nunca iria conhecer no consultório [...]. Vínculos sem dúvida é importante (E7);

Fator favorável é a equipe que se comunica muito bem. Acho que a integração da equipe é o mais importante para quem vai montar uma equipe de atendimento domiciliar (E8);

Eu até acho que, embora a gente não tenha esse suporte, o que mais facilita é uma equipe centrada. Nossa equipe foi montada com pessoas que quiseram vir pra UAD, escolheram. Então, a gente consegue criar, avaliar o serviço, a crítica, os conflitos, dá a possibilidade de estar sempre melhorando, reavaliando, mudando estratégias. Eu acho que isso é muito favorável. Isso facilita a gente se sentir acolhida, o que não tem enquanto programa. Tecnicamente, pessoalmente, a gente sempre tem essa possibilidade de discutir, de contar as fragilidades, de colocar os limites, de poder dividir. Isso eu acho que esta é a força da UAD (E12).

Estes aspectos também foram descritos na literatura sobre o atendimento domiciliar. Duarte & Diogo (2000), já apontavam o atendimento domiciliar como resposta a algumas demandas, possibilitando, entre outros: a individualização e redução de iatrogenias; parceria entre equipe e família; e maior envolvimento de todos os envolvidos, potencializando o grau de responsabilização pelo cuidado.

Já Karsch (1998) destaca que conhecer e estabelecer parcerias com o cuidador é um dos passos mais seguros para a assistência à saúde no domicílio.

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