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2 BASES CONCEITUAIS

4.5 Considerações éticas

5.1.2 A atenção à urgência e à emergência hospitalar

Contemplada no planejamento da GSMAD da cidade do Recife já há alguns anos, a emergência psiquiátrica municipal ainda não é uma realidade. A meta de implantar esse serviço, que tem previsão de ser aberto na Policlínica Agamenon Magalhães foi reprogramada para o próximo ano, ou seja, 2016.

Na ausência de uma emergência própria o município tem como referência o Serviço de Emergência Psiquiátrica do Hospital Ulysses Pernambucano – SEP/HUP, única emergência psiquiátrica do estado.

Cabe lembrar que ao tratar do componente de atenção à urgência e emergência hospitalar a RAPS define como pontos de atenção serviços como as Unidades de Pronto Atendimento e emergências em hospitais gerais. Mas apesar desses serviços fazerem parte da rede municipal, os mesmos não dialogam com a saúde mental.

E como indica estudo de Paulané et al (2012), acerca do acolhimento à crise em hospitais gerais em Porto Alegre, continua sólida a concepção de que a emergência de um hospital geral não é lugar adequados para esse tipo de tratamento.

Os participantes da pesquisa avaliaram como positiva a relação de comunicação que existe com o serviço supra citado. Mas é consenso que devido à demanda que esse equipamento recebe as vagas disponibilizadas são insuficientes.

Às vezes acontece de termos um indivíduo aqui dentro em uma iminência de surto, ou em surto e a gente não tem como compensar, a gente não tem como fazer contenção física... ou seja mecânica mesmo, e nem sempre a gente tem um psiquiatra na unidade que possa fazer a administração da medicação com urgência naquele momento. Nesses momentos a gente liga para o HUP, a gente diz:

- "olhe, estamos com um indivíduo e precisamos enviar para vocês, como é? tem vaga, não tem?"

- "olhe, não tem vaga não, mas mande que a gente está sabendo que vocês estão mandando" (Entrevistado 07 - RAPS Recife).

Como explícito acima, a “boa comunicação” existente entre o SEP/HUP e os CAPS não se traduz em garantia efetiva de acesso. E assim como na realidade nacional, a atenção à crise em saúde mental no Recife configura-se em um nó substancial na rede de atenção às pessoas em sofrimento psíquico.

Apesar da dificuldade de restrição de leitos, o Hospital Ulysses Pernambucano através de um núcleo de articulação de rede, composto por profissionais dessa instituição, emite mapeamento mensal dos indivíduos que deram entrada no serviço, além de marcar reunião com o CAPS para discussão sobre alta de usuários ou comunicar através de ligação telefônica a entrada de usuários adscritos no território sob a responsabilidade desses serviços. Essa comunicação contribui para dar seguimento ao acompanhamento das pessoas com transtorno mental em seus territórios.

A respeito da atuação do CAPS nas situações de urgência e emergência, algumas considerações se fazem necessárias. Ao longo do processo de quebra de paradigma do cuidado em saúde mental o conceito de crise foi adquirindo diferenças expressivas com relação ao de urgência. Mas há o reconhecimento que tanto a urgência como a crise se referem a situações em que predomina o sofrimento psíquico grave, complicado ou não por comorbidades clínicas. Cabe então lembrar que a crise, na perspectiva da atenção psicossocial se refere a um momento complexo resultado de uma diminuição do limiar de solidariedade ou da precariedade de recursos sociais que envolvem terceiros (familiares, vizinhos) distanciando-se do entendimento clássico da psiquiatria mediante o qual a crise tratar-se-ia de uma disfunção grave que ocorre exclusivamente por conta da doença (AMARANTE, 2007).

Apesar das discordâncias conceituais, entende-se como urgência psiquiátrica as situações nas quais há distúrbio do pensamento, sentimentos ou ações que envolvem risco de vida ou risco social grave, necessitando de intervenções imediatas e inadiáveis (ZEFERINO, 2013).

A compreensão da diferença conceitual entre ambos, crise e urgência/emergência psiquiátrica é imprescindível para o entendimento do papel de cada ponto de atenção na RAPS, evitando-se delegar exclusivamente ao CAPS atribuições que competem também aos pontos de atenção à urgências.

Ressalta-se ainda que o atendimento à urgência em saúde mental pelos CAPS configura- se em grande desafio, tendo em vista o reduzido número de CAPS tipo III, ou seja com funcionamento 24h no território nacional. Desafio também enfrentado por Recife já mencionado nesse trabalho nas páginas 66 e 67.

Apesar do CAPS ser um espaço para atender pessoas em crise, a população ainda não tem esse conhecimento... o CAPS não está preparado estruturalmente para isso, a gente não tem o funcionamento 24h e as equipes ainda não internalizaram bem esse conceito de urgência e emergência dentro do CAPS (Entrevistado 01 - RAPS Recife).

Outra dificuldade que diz respeito à realidade do Recife quanto às situações de emergência psiquiátrica é a indisponibilidade de transporte tanto para atender as situações que acontecem dentro dos próprios serviços CAPS, quanto nos territórios:

No caso de urgência e emergência psiquiátrica a gente tem problema, por exemplo, por não ter carro disponível em todos os momentos para o CAPS. Porque quando não tem psiquiatra no turno e surge uma emergência psiquiátrica, o Ulisses é a única referência. Não estou dizendo que o CAPS não faz atendimento de urgência do usuário que acompanha ou usuário que está no processo de matriciamento, se a gente tem as condições para fazer, a gente faz (Entrevistado 10 - RAPS Recife).

Cabe lembrar que na proposta inicial em Santos, os serviços substitutivos eram responsáveis pela demanda de saúde mental de um território bastante determinado com média de 90.000 habitantes, contavam com equipes de aproximadamente 35 pessoas e com funcionamento 24 horas por dia, nos 7 dias da semana, para dar conta das situações de crise dentro da lógica da atenção psicossocial. Realidade essa, muito distante do cotidiano dos CAPS, inclusive da cidade do Recife.

Além de que, condicionar o atendimento à urgência e emergência psiquiátrica a um serviço específico, contraria os preceitos da RPB e a própria proposta da RAPS que considera como pontos de atenção desse componente, as UPAS e demais serviços de emergências.