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2 BASES CONCEITUAIS

2.3 Regulação em saúde

2.3.1 O surgimento do Estado regulador no Brasil

Ao revisitar a história constatar-se-á que após a Segunda Guerra Mundial até 1970 o Estado desempenhou o papel de provedor direto de bens e serviços, além de destacada atuação como interventor nos processos de mercado. Apesar da diversidade nas formas de Estados nesse período - a exemplo dos Estados socialdemocratas e democrata-cristãos na Europa e o Estado democrata liberal nos Estados Unidos - as mesmas comungavam do pressuposto que o Estado deveria concentrar-se no pleno emprego, no crescimento da economia e no bem estar-social e que poderia, se necessário, intervir ativamente na política industrial para alcançar esses fins (HARVEY, 2012).

Mas após a crise de acumulação do capital na década de 1970, quando houve a combinação de baixas taxas de crescimento, aumento do desemprego e inflação acelerada (ANDERSON, 1995) e com a ascensão do neoliberalismo, o papel desempenhado pelos Estados sofreram profundas transformações e assim, a desregulamentação da economia, a privatização e a retirada do Estado de muitas áreas do bem-estar social, passaram a ser enfatizadas. Emergia o Estado mínimo, ao qual caberia criar e manter uma estrutura

institucional forte e favorável ao direito à propriedade privada, aos livres mercados e o livre comércio, mas fraca em relação aos gastos sociais e nas intervenções econômicas (HARVEY, 2012; ANDERSON, 1995). Nas palavras de Sader (2010), o Estado “torna-se um Estado mínimo para a grande massa da população, mas fortalece seu papel de Estado máximo no fomento ao grande capital privado”.

Na contramão do cenário mundial de hegemonia neoliberal e em época de instabilidade econômica, o Brasil incorporou em 1988 o ideário do Estado de bem estar-social em sua Constituição (PAIM et al, 2010; FAGNANI, 2008; FLEURY, 2008).

Mas é preciso lembrar que a versão brasileira de Estado intervencionista, fundamentado no modelo econômico desenvolvimentista, ao contrário do Estado de bem-estar social europeu nunca garantiu serviços públicos universais, como também a intervenção na economia não pretendia reduzir desigualdades sociais.

O modelo jurídico-institucional do Estado brasileiro dos anos 1930 até o período da ditadura militar (1964-1985) foi caracterizado por forte influência do pensamento autoritário nacionalista, com centralização de poder decisório e forte aliança entre os interesses políticos e econômicos que serviam ao interesse privado, deixando na penumbra os interesses da sociedade civil intensificando no país a dependência econômica e a exclusão social (MATTOS, 2006).

A partir da década de 1990 o Estado brasileiro, ao acompanhar o movimento mundial do neoliberalismo, deflagrou reajustes estruturais submetendo a política social à tensões entre dois ideários antagônicos: o estado mínimo versus o estado de bem-estar social recém incorporado à “Constituição Cidadã” (FAGNANI, 2008), mas que nunca chegou a vigorar no Brasil.

Foi nesse contexto que em 1995 o governo de Fernando Henrique Cardoso, propôs o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado fundamentado no princípio de que as funções do Estado deveria ser de coordenar e financiar as políticas públicas e não de executá-las (REZENDE, 2008).

Assim, o Estado regulador brasileiro consolida-se com expressiva retração dos direitos sociais e ampliação do espaço privado. Rezende (2008) assinala as principais diretrizes do Plano Diretor para o setor saúde, como a contenção de gastos públicos e flexibilização da força de trabalho, reorientação dos recursos públicos para o setor privado, focalização em detrimento das políticas universais e um modelo de descentralização pensado na tríade Estado, terceirização e privatização.

Constata-se dessa forma que logo depois que a Constituição de 1988 priorizou o Papel do Estado como responsável por garantir o direito universal e igualitário à saúde, houveram

intensas mudanças na definição das atribuições estatais e nas formas de articulação do estado/mercado/sociedade gerando acentuada revisão dos conceitos de público, privado e estatal, discussão sobre modelos alternativos de prestação de serviços e ampliação do poder de regulação do Estado. (MENICUCCI, 2010).

Para consolidar a transformação do papel do Estado brasileiro de provedor para regulador, foi criado uma burocracia estatal fundamentada no modelo de agências reguladoras independentes/autônomas – fortemente inspirado no modelo norte-americano (SALVATORI; VENTURA, 2012; PÓ, 2010) – que marcou a formulação de políticas públicas nos setores de telecomunicações, energia elétrica, gás e petróleo, transporte, água e saúde.

Dessa forma, uma série de medidas foram operadas como a aprovação de diversas leis, entre elas a Lei das Concessões de serviços públicos (Lei nº 8.987/95), a Lei que institui as Organizações Sociais – OSs (Lei nº 9.637/98) e a Lei que institui as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP (Lei nº 9790/99). Além da criação de agências reguladoras (Lei nº 9.472/95 – Agência Nacional de Telecomunicações; Lei nº 9.427/96 - Agência Nacional de Energia Elétrica; Lei nº 9.478/97 - Agência Nacional do Petróleo; Lei nº 9.984/2000 - Agência Nacional de Águas; Lei no10.233/2001 - Agência Nacional de Transportes Aquáticos; Lei nº10.233/01- Agência Nacional de Transportes Terrestres). No setor saúde foram criadas as seguintes agências: Agência Nacional de Vigilância Sanitária - Lei nº 9.782/99 e a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) - Lei nº 9.961/2000 (PÓ, 2010; REZENDE, 2008; MATTOS, 2006).

O cenário apresentado legitimou e aprofundou a trajetória da política de saúde brasileira consolidando a complexa combinação público-privada do sistema de saúde. Nesse sistema, composto por três subsetores (PAIM et al,2010) o setor público (financiados e providos pelo Estado em suas três esferas gestoras – federal, estadual e municipal), o subsetor privado com ou sem fins lucrativos (financiados tanto por recursos privados quanto públicos) e o subsetor da saúde suplementar (composto por diferentes tipos de planos privados de saúde e apólices de seguro, além de subsídios fiscais), as imbricações da dualidade público-privada geram contradições entre ideários opostos (acesso universal e igualitário vs segmentação do mercado) que repercutem negativamente no acesso aos serviços de saúde e nas condições de saúde da população.

Em suma, o Brasil vivência uma condição de ruptura e continuidade. Apesar de conquistar a aprovação de um projeto transformador de mudança institucional com o SUS, também garantiu a continuidade e crescimento do setor privado (MENICUCCI, 2010)

acarretando impactos sociais que justificam a crescente ação reguladora do Estado na área da saúde com objetivo de garantir qualidade, equidade e acesso.