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A profissão docente tem diversas marcas históricas, sustentadas em concepções como: ter caráter sagrado; ser concebida como algo que vem de berço e não poder ser negado a ninguém; ser um exercício tipicamente feminino; ser desenvolvida por pessoas generosas, que mesmo merecidamente reconhecidas, contentam-se com pouco (condições de trabalho modestas e baixos salários, por exemplo); por fim, sofreu – e ainda sofre – desvalorização e proletarização da profissão (Marques, 2006; Rodriguez, 2008). No entanto, quando se pensa o caso específico do professor universitário há outra valoração social.

Para Pimenta e Anastasiou (2005), a condição profissional de professor universitário distingue-se, em termos de valoração social, daquela referente ao professor

em geral. Distinta do título de professor, pois somente ele parece referir-se ao ensino secundarista e primário, conferindo-lhes, nesse caso, uma “identidade inferior”, ao comparar o professor no ensino secundaria e primário com o docente no ensino superior. Muitos profissionais ingressam nessa atividade pelo status que essa ocupa no meio socioprofissional. Pois ensinar o próprio métier-ofício, como é o caso da grande

maioria dos professores universitários, é uma característica “nobre” de distinção dos

demais profissionais; por exemplo, ser advogado e professor universitário, é diferente de ser apenas advogado.

No entanto, a valoração social que a titulação acarreta não é condizente com o atual cenário de trabalho nas universidades. Hoje, o ingresso na universidade se torna cada vez mais atraente e necessário para se inserir e se manter no mercado de trabalho. Ao mesmo tempo, a consolidação dos ideais democráticos de “educação como direito”, fortalece a demanda por um ensino de nível superior por parte das várias camadas sociais ainda não contempladas.

A crítica aos modelos massivos criados para expansão no ensino superior é premente, haja vista as fortes incongruências presentes na política educacional nacional, que abarca um sistema de ensino escolar de nível fundamental e médio deficitário, e que não cumpre com a ideia de formação continuada e de qualidade para o ingresso no ensino superior. Assim, esses moldes de inserção na educação superior padecem de inúmeros problemas estruturais. É o caso, por exemplo, dos atuais incentivos

governamentais de “acesso a formações superiores” ainda não suficientes para garantir a

qualidade do processo formativo. Tais programas colocam o professor universitário em dificuldades, sobretudo quando se analisa o assunto a partir das grandes contradições presentes no cenário sócio-político-econômico e cultural da contemporaneidade.

Para Pena, Alonso, Feldmann e Allegretti (2005), são múltiplas as questões postas para o ensino superior, pois não se trata apenas de atender a um aumento quantitativo da demanda, mas também de adequar-se às características de uma população heterogênea. As instituições necessitam cada vez mais de um ensino que permita a entrada de grandes grupos de alunos, tentando ao mesmo tempo preservar a qualidade do ensino. Esse processo demanda um trabalho de formação do corpo docente com o objetivo de produzir alterações nas concepções norteadoras das suas práticas, ao mesmo tempo em que torna indispensável rever as condições de trabalho dos professores e atentar para os possíveis reflexos dessa situação no contexto universitário.

As condições de trabalho no ensino superior são diferentes quanto à sua forma de ingresso (concurso, seleção ou convite), aos vínculos (celetista, funcionário público ou terceirizado/contratado) e à jornada de trabalho (horista, tempo parcial ou tempo integral). Podendo a docência ser, em determinados contextos, mais uma atividade para obtenção de renda. E, em alguns casos, não foi concebida como a primeira escolha profissional do sujeito, de modo a contribuir para não valorização da formação profissional como professor.

Essa característica do docente no ensino superior de ser composta por profissionais de diversas áreas (engenheiros, psicólogos, médicos, advogados, entre outros), que adentram nesse contexto em decorrência natural de suas atividades, os fazem ingressarem no ensino superior por interesses variados, e os levam a transportar uma bagagem de conhecimento de suas áreas de atuação, muitas vezes não se questionando sobre o que é ser professor (Pimenta & Anastasiou, 2005). De modo semelhante, as Instituições de Ensino Superior (IES) já entendem que eles são professores, não se responsabilizando por torná-los, como se o fato de ser profissional de uma área específica o tornasse plenamente capaz de ensinar.

Essa concepção assemelha-se à noção antiga de ofício, que contempla a ideia de que este é ensinado com base no “fazer”, e o aprendizado do fazer ocorre quando o profissional já se encontra no exercício da atividade. Nessa concepção, o ato de ensinar não se atrela a proposições didáticas e pedagógicas, mas a transmissão de saberes de um profissional experiente para um novato na profissão. Por exemplo, um marceneiro

aprendiz tem como referência o marceneiro mais velho, ele é o “mestre do métier-

ofício”. Nesses casos, o lugar de mestre, do ato de ensinar, é do profissional, e não necessariamente de professor, no sentido, didático e formativo da concepção de docência.

Dentre as problemáticas que assolam a docência no ensino superior, Pimenta e Anastasiou (2005) mencionam que o “suposto” consenso de que a docência no ensino superior não requer formação no campo do ensinar, apresenta-se como uma mazela onipresente na concepção de professores e instituições. Além disso, pode-se apontar outro dilema, como a falta de orientação sobre os processos de planejamento, de metodologias e de avaliação, recaindo sobre o professor uma responsabilidade individual pelo seu trabalho. Por fim, a esses aspectos atrela-se a tendência de os professores assumirem cargos administrativos e de gestão sem a devida qualificação.

Esse problema de investimento em qualificação é um fenômeno gritante, tendo em vista as novas configurações de trabalho no cenário globalizado (Antunes, 1999; Mattoso, 1995; Toni, 2003). O trabalho autônomo está cada vez mais presente e, gradativamente, tende a descartar as diversas conquistas trabalhistas. Para isso, como critério de sobrevivência às demandas do mercado, a busca por qualificação apresenta- se como uma responsabilidade exclusiva do trabalhador.

No contexto da educação superior não é diferente: há uma responsabilização sobre o professor como indivíduo para incrementar sua formação. Ultimamente, há uma

forte expansão de postos de trabalho nas IES, sobretudo nas instituições privadas. Contudo, o aumento da empregabilidade está dissociado da profissionalização, já que as exigências são restritas apenas a formação nas áreas específicas desses profissionais (Pimenta & Anastasiou, 2005).

Essa preocupação com a qualificação/preparação em detrimento da formação é uma fonte de problemas perene e contínuo, que vem sendo corroborada formalmente desde o Decreto n. 2.207/97 – que prevê percentuais de titulação de pós-graduação (mestre, doutor) por ano de vigência da IES (Pimenta & Anastasiou, 2005). Logo, legalmente, esse decreto tem como premissa a qualidade do ensino, justificada pela atuação de profissionais pós-graduados. No entanto, não há na legislação um decreto que assinale a obrigação de promover atividades efetivas de formação continuada para os professores do ensino superior.

Portanto, além do investimento em formação, muitos são os desafios que o cenário contemporâneo coloca para a profissão docente. Desde lidar com as

necessidades apontadas pela “sociedade da informação e do conhecimento”; a conviver

com uma “sociedade da esgarçadura das condições humanas”; até a uma “sociedade do

não emprego” (Antunes, 1999; Toni, 2003), das novas configurações de trabalho

(Pimenta & Anastasiou, 2005). Portanto, permanece o complexo questionamento nesse contexto: qual o papel da universidade e, por conseguinte, do professor universitário?

Salienta-se que a lacuna na formação de professores, apesar de contextualizar-se na problemática das transformações do mundo do trabalho, não é restrita a essa. Historicamente, a categoria profissional já sofria com essa carência. No entanto, as mutações corroboram cada vez mais para a permanência desse estado, na medida em que as demandas de qualificação aparecem como uma responsabilidade estritamente

individualizada, e que o fracasso e/ou o sucesso atrela-se a quanto o trabalhador

“esforçou-se ou não para alcançá-la”.

2.3. As mutações no mundo do trabalho e suas repercussões no âmbito da