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4 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

4.1 ANÁLISE CONTEXTUAL

4.1.1 A atividade profissional de revisão de textos no Brasil

Nesta subseção, analisamos o contexto da atividade de revisão de textos enquanto profissão no Brasil com base em documentos que versam sobre a profissão, com vistas a realizar uma abordagem histórica e social do nosso objeto de análise, tal como Fairclough (2016) postula como a terceira condição para a realização de análise discursiva de viés crítico. Esse olhar histórico é muito importante, pois apresenta um panorama geral de como a revisão de textos, enquanto profissão, vem sendo constituída na sociedade, o que pode influenciar – direta ou indiretamente – os discursos dos participantes de pesquisa em virtude das relações de poder instauradas. É uma análise, portanto, de um contexto mais amplo, no qual os futuros revisores de textos egressos da Grámmatos Jr. atuarão profissionalmente.

O tema de revisão de textos possui um amplo leque de assuntos a serem explorados em uma pesquisa, tais como: revisão de textos orais, revisão focada em gêneros discursivos (acadêmicos, publicitários, etc), revisão específica de diferentes áreas do conhecimento (denominada revisão técnica), análise de materiais de consulta de revisores (gramáticas,

dicionários, etc.), dentre outros inúmeros assuntos. Dentre eles, um aspecto que tem recebido atenção é a questão profissional da atividade, com estudos voltados a entender o perfil desse profissional e seu lugar no mercado de trabalho. Nessa mesma linha, como já mencionado na Introdução deste texto, o recorte do presente trabalho também recai sobre o aspecto profissional da atividade, dando continuidade a estudos anteriores (PORTO, 2016; PORTO; PINTON, 2016; PORTO, 2017) voltados a investigar formas de colaborar para o empoderamento profissional de revisores de textos egressos de cursos de Letras Português no atual mercado de trabalho.

Mas por que é necessário lutar, especificamente, pelo empoderamento dos profissionais de Letras? Podemos refletir a respeito de tal necessidade nos colocando diante de algumas questões: como as mudanças nas formas de (se) comunicar reconfiguraram as relações sociais associadas ao trabalho do revisor de textos? Em que medida essas mudanças afetam a profissionalidade e o reconhecimento da atividade? Primeiramente, é importante mencionar que a revisão de textos é uma atividade profissional não regulamentada21, o que dificulta a valorização de profissionais aptos para exercê-la, culminando em uma concorrência desleal no mercado de trabalho (LEMOS, 2014). Ademais, o mercado de revisão de textos, em grande medida, é composto por jornalistas, os quais encontram-se contemplados no Art. 9º do Decreto- Lei nº 7.858 de 13 de agosto de 1945, que dispõe sobre a remuneração mínima dos que exercem a atividade de revisor e dá outras providências:

Para velar pela reestruturação dos quadros de revisores, através da revisão dos lançamentos ou declarações que figurem na carteira profissional, ajustando-os ao presente Decreto-lei, o Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio designará uma comissão especial, de caráter transitório, composta de um representante do Serviço de Estatística da Previdência e Trabalho, de um Sindicato dos Jornalistas Profissionais

do Rio de Janeiro e de um ao Sindicato das Empresas Proprietárias de Jornais e

Revistas do Rio de Janeiro, sob a presidência do primeiro (BRASIL, 1945, Art. 09, grifo meu).

Além disso, o Cadastro Brasileiro de Ocupações (CBO/2002)22 afirma que o exercício da atividade de revisão requer formação em jornalismo, estando, portanto, o profissional de revisão de textos alocado no grupo dos profissionais da comunicação e da informação (CBO 261) – mais especificamente, no grupo dos profissionais do jornalismo (CBO 2611), ao lado

21 Informação disponível em: <http://www.ocupacoes.com.br/profissoes_regulamentadas>. Acesso em: mar.

2018.

22 O Cadastro Brasileiro de Ocupações (CBO) teve sua versão mais recente expedida pela Portaria nº 397 pelo

Ministério do Trabalho e Emprego (MET) em 09 de outubro de 2002. O CBO é o “documento que reconhece, nomeia e codifica os títulos e descreve as características das ocupações do mercado de trabalho brasileiro” (BRASIL, 2002, Art. 00).

das profissões de arquivista pesquisador, assessor de imprensa, diretor de redação, editor, produtor de texto e repórter. Ainda de acordo com o CBO, a revisão de textos é descrita como uma atividade profissional que pode ser exercida de forma autônoma ou não, cujas atribuições são caracterizadas da seguinte forma:

Recolhem, redigem, registram através de imagens e sons, interpretam e organizam

informações e notícias a serem difundidas, expondo, analisando e comentando os acontecimentos. Fazem seleção, revisão e preparo definitivo das matérias

jornalísticas a serem divulgadas em jornais, revistas, televisão, rádio, internet, assessorias de imprensa e quaisquer outros meios de comunicação com o público (BRASIL, 2002, grifos meus, adaptado).

Na definição apresentada, é possível identificar alguns equívocos sobre a atividade de revisar textos. Organizar as informações em forma de notícia, analisar e comentar os acontecimentos não é competência do revisor de textos, mas sim do jornalista, profissional responsável por informar a população sobre os acontecimentos do mundo. Como consequência da indistinção clara entre as atuações do jornalista, do redator e do revisor de textos, há um fomento da ideia de que o revisor teria a liberdade de atuar no texto alheio sem limitações de atuação. Em virtude disso, um tema muito discutido em espaços de formação de revisores de textos é o limite de atuação e de intervenção que esse profissional deve/pode fazer no texto. Ao buscarmos bibliografias especificamente voltadas para o trabalho do revisor e de autoria de profissionais da linguagem, constata-se que o processo de intervenção no texto sempre deve ser realizado em diálogo com o autor e com os demais profissionais envolvidos no processo editorial, cabendo “ao revisor saber limitar suas modificações em um texto, uma vez que precisa ter o cuidado de não intervir na ideia e na intenção do autor” (LEMOS, 2014, p. 143).

Em publicação posterior, Lemos acrescenta que

...diferentemente do leitor comum, que lê visando à compreensão do texto, o revisor, além da compreensão, identifica não só problemas, mas também possibilidades de

melhorar a produção textual. [...] O ofício exige, além de revisão gramatical, garantir o sentido dado pelo autor ao texto, bem como a inteligibilidade, coerência, adequação ao gênero que vai circular na sociedade. O revisor deve trabalhar para que o texto comunique, transmita informação, veicule uma

mensagem (LEMOS, 2017, p. 33, grifos meus).

Tendo isso em vista, é necessário que os revisores de textos tenham conhecimentos sólidos sobre linguagem e seus diferentes usos, não bastando que “dominem a língua como sistema para corrigirem os lapsos gramaticais nos textos, é preciso também que eles adotem uma atitude compreensiva em relação aos valores que orientam as escolhas das formas dadas ao conteúdo do texto” (OLIVEIRA, 2016, p. 143, grifos meus). Isso corrobora a necessidade

de uma formação específica em linguagens para o exercício da profissão, pois é a formação na qual se estuda, cientificamente, as manifestações linguísticas em diferentes gêneros textuais.

Ainda na linha de análise histórica sobre a atribuição da atividade de revisão ao profissional do jornalismo, temos o boom da sociedade da informação. Dejavite e Martins (2006) traçam um panorama acerca do impacto do advento da tecnologia – principalmente entre as décadas de 1980 e 1990 – sobre a forma de se produzir textos nas redações de jornais. Para isso, as autoras apresentam uma ambientação histórica sobre os bens de consumo que passaram a ter maior valor em uma sociedade tecnológica e informatizada, cujas barreiras culturais foram se pulverizando com o advento da globalização: “a inovação tecnológica [...] não está preocupada com a produtividade de bens materiais, mas com a produtividade informacional” (MASUDA, 1982, p. 10 apud DEJAVITE; MARTINS, 2006, p. 23, grifos meus).

Nesse contexto, o tempo de produção e publicação de notícias passou a ser um diferencial para os jornais, deixando de ser “apenas um parâmetro de duração dos acontecimentos para se estabelecer como valor, de importância social e monetária” (DEJAVITE; MARTINS, 2006, p. 24). Vale atentar para o fato de que a tecnologização impactou diversos setores de trabalho da sociedade, em que máquinas e computadores passaram a substituir a mão-de-obra humana, mas de forma diferente da Revolução Industrial do século XVIII: a revolução do século XX não atinge a produção de produtos manufaturados, mas sim a produção de trabalhos intelectuais. Na esfera editorial, “além de exigir maior versatilidade dos profissionais, o processo de informatização das redações levou ao chamado desemprego tecnológico. O revisor foi descartado pelos grandes jornais e substituído por terminais de vídeo” (loc. cit). Consequentemente, “os jornalistas que restaram tiveram de adotar uma nova postura e desempenhar papéis que antes eram encargos de outros profissionais” (DEJAVITE; MARTINS, 2006, p. 24), a exemplo do trabalho de revisão textual.

Esse levantamento histórico acerca dos documentos que versam sobre a atividade profissional de revisão de textos no Brasil e do impacto da tecnologização social sobre a indústria jornalística nos ajuda a compreender as motivações sociais para determinados comportamentos e significados discursivos socialmente naturalizados em relação à profissão, a exemplo da carência de espaço e reconhecimento do trabalho dos revisores profissionais. Consequentemente, corrobora-se o senso comum de que “as pessoas que têm sólido conhecimento em português e queiram ou possam fazer um ‘bico’ revisando livros, revistas, folhetos” (MALTA, 2000, p. 11) estejam aptas para o exercício de um trabalho tão árduo e delicado que é a revisão de textos.

Dessa forma, encontra-se uma lacuna na constituição da profissão em nível nacional e percebe-se que, de fato, “a profissão de revisor de textos, por muito tempo, esteve sem formação específica, sendo aprendida na prática, por profissionais de diferentes áreas do saber” (LEMOS, 2017, p. 11). É nesse sentido de contribuir com a valorização profissional e social do revisor de textos que temos acreditado no investimento e no estudo de uma formação profissional direcionada como uma ferramenta de empoderamento dos futuros revisores, pois “as diferenciações que o mercado faz precisam ser conhecidas do profissional [...] para que ele saiba distinguir suas intervenções e os serviços que presta” (RIBEIRO, 2016, p. 17).

Diante desse contexto, foi um grande desafio a realização desta pesquisa, pois a maior parte dos materiais que temos disponíveis sobre o assunto não é produzida sob a perspectiva de revisores de textos com formação em linguagens. Sendo assim, é necessário dar voz àqueles que exercem a atividade com tal formação, algo que o curso de Bacharelado em Letras – Português tem buscado fomentar em revisores aprendizes no espaço da Grámmatos Jr, sobre o que passo a discorrer na próxima subseção.

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