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CAPÍTULO 2 – (IN)JUSTIÇA POLÍTICA E ANTICOMUNISMO: A JUDICIALIZAÇÃO DA REPRESSÃO E A APLICAÇÃO DA LEI DE SEGURANÇA

2.2. A atuação da Corte Suprema: aplicando qual constituição?

Numa democracia, como a nossa, o Governo, mesmo em tempo de guerra, não fica investido da Ditadura.

Ministro Carvalho Mourão (1936)

A atuação da Corte Suprema durante o período compreendido entre 1935 e 1937 deu- se quase exclusivamente sob o estado de emergência, seja o estado de sítio ou o estado de guerra. Apenas durante quatro meses esse tribunal pôde exercer a sua função em uma situação de normalidade constitucional. Em um contexto no qual a idéia de segurança nacional permeava a compreensão e a aplicação dos direitos fundamentais, eram realmente escassas as decisões judiciais em prol da limitação do poder estatal.

No período estudado, identificam-se quatro fases de atuação da Corte Suprema: a primeira, de janeiro a novembro de 1935, antes de acontecer o levante; a segunda, de novembro de 1935 a março de 1936, na qual vigorava o estado de sítio; a terceira, de março de 1936 até junho de 1937, regida pelo estado de guerra; e a quarta, de julho de 1937 a setembro de 1937, caracterizada por uma situação de normalidade constitucional anterior ao golpe de 1937. O exame a ser feito concentrar-se-á nas segunda e terceira fases e essencialmente sobre os processos de habeas corpus, com exceção da análise feita sobre dois mandados de segurança julgados ainda na primeira fase. Um dos motivos para não abordar os últimos quatro meses antes do golpe de 1937 é, além da dificuldade de acesso às fontes, o baixo número de ações relacionadas com o tema da pesquisa. A nossa observação adotará como fio condutor os acórdãos relacionados aos deputados João Mangabeira, Domingos Velasco, Abguar Bastos, Octavio da Silveira e com o senador Abel Chermont, seja como réus, ou como autores das ações ajuizadas. As demais decisões serão utilizadas apenas para agregar informações.

A competência para o julgamento dos crimes contra a ordem política e social e os respectivos habeas corpus era, até a criação do TSN, e de acordo com o art. 81, alíneas i, j e l, da constituição, dos juízes federais.408 Como não havia na época tribunais federais, os recursos das decisões proferidas pela justiça federal eram julgados pela Corte Suprema. Antes

408 Art. 81. Aos Juízes federais compete processar e julgar, em primeira instância: i) os crimes políticos e os praticados em prejuízo de serviço ou interesses da União, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral ou Militar; j) os habeas corpus, quando se tratar de crime de competência da Justiça federal, ou quando a coação provier de autoridades federais, não subordinadas imediatamente à Corte Suprema; l) os crimes praticados contra a ordem social, inclusive o de regresso ao Brasil de estrangeiro expulso.

de pesquisar a atuação da Corte no período posterior a Intentona, deve-se examinar dois casos intimamente relacionados com os acontecimentos de novembro de 1935: os Mandados de Segurança nº 111 e nº 127.

Estes casos discutiam a legitimidade do ato presidencial que suspendeu as atividades da Aliança Nacional Libertadora e da União Feminina do Brasil.409 Em ambos os processos, argumentou-se que não poderia haver fechamento de associações por ato do Executivo, na medida em que o art. 113, nº 12, da Constituição de 1934 estabelecia que era ―garantida a liberdade de associação para fins lícitos, nenhuma associação será compulsoriamente dissolvida senão por sentença judiciária‖. Assim, tanto os decretos presidenciais, como o art. 29 da Lei nº 38, seriam inconstitucionais. Ademais, mesmo entendendo o contrário, o fechamento teria sido ilegal por não ter sido provada a finalidade subversiva das associações.

O debate judicial acabou, inevitavelmente, reproduzindo o discurso anticomunista do governo, principalmente o relacionado à ANL. Para a Corte, as provas apresentadas pelo chefe de Polícia eram suficientes para demonstrar que a Aliança Nacional Libertadora era uma fachada do Partido Comunista. Ficava difícil defender o contrário após o manifesto de Prestes divulgado em 05 de julho de 1935. De todo modo, os juízes não levaram em conta o fato de Prestes ter sido apenas o presidente de honra da ANL. Além disso, grande parte do material apreendido e apresentado com prova tratava-se de documentos provenientes do PCB e não de integrantes da Aliança. Mas, mesmo sendo frágil o conjunto probatório, o governo contava com o famoso bordão, lembrado por Carlos Maximiliano em seu parecer como membro do Ministério Público, de que ―é princípio estabelecido pela jurisprudência constante e pacífica adquirirem o valor de verdade as informações oficiais das autoridades, até a prova

409 Decreto nº 229/1935 e Decreto nº 246/1935. Outro processo interessante, embora ainda não se estivesse no agitado ano de 1935, foi o Mandado de Segurança nº 58, que discutia a legitimidade da suspensão, pelo chefe de Polícia e pelo ministro da Justiça, do Jornal do Povo. Este jornal foi suspenso por divulgar idéias subversivas da ordem política e social. O Procurador-Geral da República, na época Carlos Maximiliano, opinou pelo indeferimento do MS afirmando que o periódico tinha como objetivo ―atirar os trabalhadores contra a sociedade, incitá-los a proclamar a ditadura dos operários e camponeses, levá-los à violência. Tudo decorre, não só dos escritos; mas, também, e sobretudo, das estampas de visível propaganda de guerra entre as classes‖. Em sua decisão, o relator Min. Octavio Kelly entendeu diferente – menos tendencioso e mais técnico – ao afirmar que o chefe de Polícia não tinha competência legal para determinar a suspensão, pois ―enquanto lei expressa, regulando a parte final do art. 113, nº 9, da Constituição, não deferir à autoridade como meio de impedir a tolerância de propaganda de que cogita esse texto, falta à autoridade administrativa, mesmo um Ministro de Estado, competência para decretá-la, tendo em vista a que ex vi do art. 113, § 2º da Constituição Federal ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei e, nos termos do mesmo artigo, nº 09, em qualquer assunto é livre a manifestação do pensamento, respondendo cada um pelos abusos que cometer nos casos e pela forma que a lei determinar‖. Embora o ministro Ataulpho Paiva tenha acompanhado o relator, entendeu-se prejudicado o MS, pois, com o advento da Lei nº 38 (LSN), a suspensão do jornal foi revogada (ASTF, Autos do MS nº 58, 10.07.1935).

plena em contrário‖.410 Para os ministros, a impetrante não havia feito prova de espécie alguma, logo, a Corte tomaria como fonte de convicção o apurado pelo Executivo. Afora isso, ainda havia o discurso anticomunista, reproduzido por intermédio do Procurador-Geral da República:

Os inimigos da constituição liberal vêm ao pretório excelso impetrar um remédio democrático. […] Se a Corte Suprema der à suplicante, para esta subverter livremente a ordem política e social vigorante no Brasil, qual será, para as vitimas do plano terrível, o broquel contra a iniquidade? Com recusar à Aliança Nacional Libertadora o mandado, a Corte implicitamente o concederá ao operário brasileiro, amante da família, honesto pagador das dívidas, respeitador dos superiores, bem vestido e folgazão aos domingos, temente a Deus, modesto, cordato, razoável e inteligente, bom vizinho e bom amigo.411

O argumento era forte e repercutiria no processo da União Feminina do Brasil. As provas, no caso, eram praticamente inexistentes. As informações de Filinto Müller e de Vicente Ráo baseavam-se em fundadas suspeitas da entidade ser orientada pelo PCB, já que havia tomado a decisão de apoiar a ANL. A atividade subversiva revelou-se, ainda, ―pela presença, no seu quadro social, de Lígia de Freitas, agitadora comunista fichada na polícia‖.412 Na invasão da União Feminina, a polícia agiu ilegalmente: não existia ato do Executivo determinando o fechamento. E a Corte Suprema sabia disso.

Os membros do tribunal ainda deveriam enfrentar o argumento da inconstitucionalidade do decreto e, em consequência, do art. 29 da Lei nº 38. Para os ministros, a constituição não proibia o fechamento de associações por ato presidencial. O que se vedava era a dissolução determinada pelo Executivo. Nada impedia que a polícia atuasse preventivamente com o propósito de evitar novos surtos extremistas. Com isso, a Corte Suprema entendia pela inexistência do direito de ampla defesa e contraditório dos acusados, pois o presidente da República poderia fechar, durante o prazo de seis meses, qualquer associação com um simples decreto. A contestação do ato somente poderia ser feita na ação de dissolução da sociedade. O indeferimento, unânime, dos dois mandados de segurança chancelou um determinado ponto de vista das autoridades policiais – todo aliancista é um comunista –, o que serviu muito bem aos interesses da repressão.

410 ASTF, Autos do MS nº 111, 12.08.1935.

411 ASTF, Autos do MS nº 111, 12.08.1935. Havia, ainda, outros argumentos para o indeferimento do MS: o meio utilizado não era idôneo para analisar prova; o judiciário não estava habilitado ao exame do mérito do ato administrativo, mas somente às formalidades extrínsecas, como competência, forma e se havia previsão legal para sua adoção.

Em seguida à Intentona, os desafios postos perante a Corte Suprema ficaram mais complexos. Eram tempos de emergência constitucional. Antes mesmo de começar, no Distrito Federal, o levante, o Legislativo já havia autorizado o presidente da República a declarar o estado de sítio. Ao contrário do regime constitucional anterior, a Constituição de 1934 estabeleceu várias medidas restritivas à atuação do Poder Executivo durante o tempo em que vigorasse o sítio. Dentre as limitações, registrem-se as seguintes normas constitucionais:

Art. 175. […].

2) na vigência do estado de sítio só se admitem estas medidas de exceção: b) detenção em edifício ou local não destinado a réus de crimes comuns; § 2º - Ninguém será, em virtude do estado de sítio, conservado em custódia, senão por necessidade da defesa nacional, em caso de agressão estrangeira, ou por autoria ou cumplicidade de insurreição, ou fundados motivos de vir a participar nela.

§ 3º - Em todos os casos, as pessoas atingidas pelas medidas restritivas da liberdade de locomoção devem ser, dentro de cinco dias, apresentadas pelas autoridades que decretaram as medidas com a declaração sumária de seus motivos ao Juiz comissionado para esse fim, que as ouvirá, tomando-lhes, por escrito, as declarações.

§ 4º - As medidas restritivas da liberdade de locomoção não atingem os membros da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, da Corte Suprema, do Supremo Tribunal Militar, do Tribunal Superior de Justiça Eleitoral, do Tribunal de Contas e, nos territórios das respectivas circunscrições, os Governadores e Secretários de Estado, os membros das Assembléias Legislativas e dos Tribunais superiores.

§ 14 - A inobservância de qualquer das prescrições deste artigo tornará ilegal a coação, e permitirá aos pacientes recorrerem ao Poder Judiciário.

Durante os meses de novembro de 1935 e março de 1936, com o país sob o estado de sítio, o principal problema que a Corte Suprema enfrentou foi a discussão sobre a aplicação dos limites constitucionais estabelecidos à execução daquela medida de exceção. Nos primeiros meses depois da rebelião, vários habeas corpus foram ajuizados em nome de presos políticos. Afora o argumento da inconstitucionalidade do estado de sítio, por não mais existir a sua situação ensejadora – emergência de insurreição armada –, os fundamentos eram sempre as regras estabelecidas no art. 175. Ao analisar a jurisprudência dessa fase, enxerga-se por trás do raciocínio judicial uma idéia que orientava e condicionava a interpretação da Corte: o público sobrepõe-se ao privado. O público, sob as vestes de interesse social, apresentava-se, na verdade, como interesse do Estado, privatizado pelos detentores do poder. Com base nesta

lógica, qualquer garantia individual deveria ser lida e compreendida em favor do interesse nacional.413

Seria produtivo, antes de ingressar nos acórdãos da Corte Suprema, examinar duas decisões judiciais de primeira instância. Tal operação pode mostrar-se importante na iluminação de alguns aspectos da repressão e no cotejo da interpretação dos juízes federais com a adotada pela Corte. As decisões destacam-se pelas pessoas envolvidas e por terem abordado a questão da tortura.

O primeiro processo é um habeas corpus impetrado pelo deputado Octavio da Silveira em favor de Clóvis Lima e Adalberto Fernandes, o Miranda, secretário-geral do PCB. As alegações que serviram de base para o HC fundamentavam-se no art. 175, nº 02, b, da constituição. Defendia-se, também, a inconstitucionalidade da incomunicabilidade dos presos, o fato de não serem autores ou cúmplices da insurreição (art. 175, § 2º) e por estarem sendo ―espancados diariamente, tendo um deles, o de nome Clóvis Lima baixado à enfermaria, em conseqüência de tais sevícias‖. A ação foi distribuída ao juiz federal da 2ª Vara, José de Castro Nunes.414

Para responder devidamente o pedido feito por Octavio da Silveira, Nunes teve que ouvir Clóvis Lima e Adalberto Fernandes dentro da Casa de Detenção. A primeira conduta a ser realizada era constatar as eventuais alegações de tortura. Verificou o magistrado que ―dos espancamentos alegados pelo impetrante e confirmados pelos pacientes nas declarações que lhes ouvi e mandei tomar por termo, já não existem, se verdadeira a alegação‖.415 De fato, era realmente difícil a constatação de violências físicas depois de um ou dois meses de ocorridas.

413 Esse pano de fundo às vezes ficava encoberto no raciocínio dos juízes e dos ministros. Em algumas situações, porém, ele era expressamente declarado. Em HC impetrado por Mangabeira em favor do professor Emílio de Barros Falcão, o juiz federal Edgar Ribas Carneiro deixou claro que ―o interesse social, o interesse coletivo, o interesse público sempre se sobrepõe ao interesse individual, ao interesse privado, ao interesse particular. É um

Canon do direito constitucional brasileiro. […] Esse interesse coletivo – tão solicitamente reconhecido pela Constituição Federal de 1934 – está confiado à tutela do Estado‖. Aplicando essa premissa ao art. 175, § 2º, citado por Mangabeira para fundamentar o pedido de HC, chega-se a seguinte conclusão: ―julgar que alguém seja autor ou cúmplices de certo crime, mediante o processo sumaríssimo do habeas corpus – constitui uma situação impossível, pois o Juiz, necessariamente, terá que proceder à mais alta indagação. […] Se o estado de sítio pode e deve ser mesmo declarado preventivamente para evitar o crime de insurreição, claro que se justifiquem prisões de indivíduos a respeito dos quais a autoridade exequente do sítio tenha fundados motivos de reputar com as condições de vir a participar naquele crime‖ (JUÍZO FEDERAL DA 1ª VARA DO DISTRITO FEDERAL, 1936a). O problema é que esses ―fundados motivos‖ poderiam ser uma simples declaração de que o preso seria extremista ou comunista.

414 Castro Nunes seria nomeado, durante o Estado Novo, membro da Corte Suprema.

415Conforme o depoimento de Adalberto Fernandes, ―quando foi recolhido ao Depósito de presos na polícia central foi espancado a cano de borracha e socos e bofetadas em uma das dependências da polícia central; que o mesmo fato se repetiu na polícia especial; sendo que os agentes executores desses espancamentos eram pessoas da Polícia; (...) sendo que sua mulher também foi despida e maltratada‖ (DPL 12.03.36, p. 11026).

Relativamente à regra constitucional prevista no art. 175, § 2º, que estabelecia as situações legítimas de detenção durante o estado de sítio, o magistrado afirmou não poder atender a exigência constitucional, pois somente o governo poderia ―conhecer a extensão das ameaças à ordem pública e a periculosidade dos indiciados ou suspeitos‖. Daí decorreria a ―impraticabilidade do disposto no parágrafo segundo do artigo 175, que não comporta entendimento literal, senão uma exegese livre, construtiva, compatível com o sentido constitucional do sítio e os fins superiores que legitimam as medidas adotadas pelo governo na sua execução‖.416 Havia, ainda, o componente anticomunista: Clóvis Lima e Adalberto Fernandes ―são adeptos declarados ou pelo menos suspeitos de participação em atividades comunistas, o que basta para legitimar a sua reclusão como medida a bem da segurança pública‖.417

A exigência constitucional de locais exclusivos para a detenção de presos políticos talvez fosse mais fácil de ser cumprida. Castro Nunes constatou que os pacientes estavam ―presos em um cubículo do Pavilhão dos Primários, prisão destinada a presos comuns [...], ainda que reservado exclusivamente aos detidos em virtude do sítio e sem mistura com presos comuns‖. Se as justificativas administrativas apresentadas pelo chefe de Polícia poderiam ser suficientes para uma aprovação política do Legislativo, para o Judiciário ―não se faculta dispensar a aplicação reclamada do preceito imperativo da Constituição‖.418 Pelo menos nesse ponto específico, Castro Nunes aprendia com a experiência constitucional:

Na vigência da antiga Constituição a detenção somente se autorizava ―em lugar não destinado aos réus de crimes comuns‖. Para sofismar a proibição constitucional buscou-se, em dado momento, um expediente – classificar oficialmente como prisão política uma dependência da Casa de Correção – (o salão da capela) – para daí tirar-se o argumento de que ―o lugar‖ seria a ―dependência‖ e não o estabelecimento considerado no seu todo. Ao encontro dessa distinção especiosa e com o objetivo claro de lhe obstar a renovação, veio a atual Constituição que [...] proíbe a detenção ―em edifício ou local‖ destinado a presos comuns. [...] Ora, os pacientes estão presos na Casa de Detenção, presídio destinado a detentos comuns. Bastaria isso para que, com o apoio na palavra edifício, se houvesse por infringente da Constituição a permanência dos pacientes em tal estabelecimento, ainda que

416 JUÍZO FEDERAL DA 2ª VARA DO DISTRITO FEDERAL, 1936.

417 Em outra ocasião, ao julgar uma ação penal baseada na Lei nº 38, Castro Nunes teria usado um argumento semelhante: ―As suas visitas a Dedino Bezerra e os seus antecedentes policiais como comunista, apontam-no nestes autos como indivíduo suspeitíssimo. O seu prontuário, a fls. 130, o dá como agitador extremista, distribuidor de boletins subversivos, filiado à Aliança Libertadora Nacional, associação já dissolvida judicialmente pelas suas finalidades comunistas‖. A conclusão era a seguinte: ―É impossível dissociar o fato material do porte das bombas […], ou a guarda e posse, senão o fabrico, de engenhos explosivos, em seu próprio quarto […], desses antecedentes que apontam tais acusados como agitadores conhecidos ao serviço do comunismo‖ (JUÍZO FEDERAL DA 2ª VARA DO DISTRITO FEDERAL, 1936a).

se encontrassem em dependência não destinada anteriormente a presos comuns.

Se o argumento acima foi fundamento para o ganho da causa de Octavio da Silveira, a mesma sorte não teria Harry Berger e sua esposa no habeas corpus impetrado por Abel Chermont.419 Em sua petição inicial, o senador Chermont denunciava que eles estavam ―por ordem do chefe de Polícia, Capitão Felinto Müller recolhidos à Casa de Detenção contra a expressa disposição da letra ‗b‘ do nº 2 do art. 175 da Constituição‖.420 Reclamava, ainda, da brutalidade da polícia:

O mais grave, porém, é que têm sido torturados, tendo Harry Berger chegado a tal estado que foi preciso chamar-se a Assistência para socorrê-lo, afim [sic] de livrá-lo de morte iminente tão bárbaro o espancamento que sofrera e em resultado do qual tivera várias costelas fraturadas. Ora, seja qual for o crime de Harry Berger, a tortura que se lhe inflige e à sua mulher, atenta contra a civilização e desonra do Brasil. Eis por que, representante do povo, o impetrante se levanta, protestando contra o crime da policia, como o fará da tribuna do Senado. Não é possível a continuação das atrocidades, que transformam este sítio, no mais hediondo de quantos até hoje têm sido decretados. A polícia já matou friamente, em torturas chinesas, Augusto de Medeiros e o soldado Abesguardo Martins, afora outros, cujos nomes se ignoram. Os espancamentos não têm número.421

O pedido feito no HC de Berger era unicamente para livrar os pacientes das torturas e transferi-los da Casa de Detenção para um presídio político, como determinava a Constituição na letra b do nº 2 do artigo 175.422 O HC foi distribuído ao juiz federal da 1ª vara, Edgar Ribas Carneiro. Diante das graves acusações feitas contra o chefe de Polícia, o magistrado reputou necessário ouvir os pacientes, além de visitar o presídio onde estavam presos. Antes, porém, solicitou informações a Filinto Müller, que declarou a sua preocupação com a medida pleiteada, pois a transferência de Berger da Casa de Detenção abriria a suspeita de que ―os agentes da Terceira Internacional no Brasil visam facilitar-lhes os meios de evasão, burlando, desta forma, a ação das autoridades brasileiras‖. Não havia razão jurídica para o pedido, pois os presos políticos estavam ―recolhidos em pavilhão especial, na casa de detenção, completamente separados dos detentos de crimes comuns, e que o governo não dispõe de outro edifício especial que possa ser transformado em presídio público‖ (DPL, 06.03.1936, p. 11006).

419 Chermont protestaria na tribuna do Senado contra as torturas de Berger. Depois do julgamento do HC, o senador requereu a publicação da sentença, das informações da polícia e do interrogatório dos presos no Diário do Poder Legislativo. Para a leitura das peças, ver as edições do dia 06 e 11 de março de 1936.