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A autofundação da Lógica e o caráter especulativo

No documento O problema do começo da lógica em Hegel (páginas 31-35)

1.2 O SABER AUTOFUNDADO DA LÓGICA

1.2.2 A autofundação da Lógica e o caráter especulativo

Em primeira análise, pode-se considerar que a fundamentação e os seus desdobramentos representam um problema recorrente na História da Filosofia. Já em um quadro mais restrito, a fundamentação representa um problema central para a filosofia hegeliana.

Nos primeiros textos especulativos de Hegel, já transparece esse problema. Inclusive, na Propedêutica Filosófica, que poderia ser comparada a uma espécie de sementeira do sistema de filosofia hegeliano, esses elementos já se fazem presentes, ainda que de forma embrionária, considerando que a Propedêutica é relativa à primeira fase do desenvolvimento da filosofia. Com a ressalva de que nesta obra ainda não se encontra o desenvolvimento pleno da questão, o que viria a ocorrer nas obras posteriores.

26 HEGEL, WL, II, 2003, p. 118.

Por isso, justifica-se a análise do desenvolvimento dos elementos básicos do problema da fundamentação à base da reconstrução da noção de causa, acompanhando a permanência dessa problemática ao longo do desenvolvimento geral das principais questões filosóficas, dispostas por Hegel. Assim se observa, nesse percurso, o desenvolvimento da gênese dos conceitos de fundamento e causa.

O problema da fundamentação não tem origem em Hegel, porque trata de um problema clássico, presente ao longo da História da Filosofia. Mas Hegel enfrenta esse tema como um problema moderno, com as tintas do espírito novo, espírito às alturas da modernidade.

Faz sentido pensar que a essência possa representar o substrato da filosofia em sua totalidade? Há que se repensar o lugar da essência diante do conceito. Veja- se que Hegel já mostra a sua preocupação quanto a essa possibilidade.

A essência é unidade absoluta do ser em si e do ser por si; seu determinar cai, por conseguinte, no interior desta unidade e não é nem um devir nem um transpassar, assim como tampouco as determinações mesmas são um outro como outro, nem relações com respeito a outro; são independentes, porém somente como as que estão em sua própria unidade recíproca.27

Qual é efetivamente a abrangência e o status da essência? Pode ela representar a unidade absoluta entre o ser em si e por si? Nesse caso, ela teria prioridade sobre as outras esferas do lógico. De onde surge o fundamento do pensamento lógico, senão da Lógica Subjetiva?

Em primeiro lugar, o problema da fundamentação surge como uma reação ao processo de justificação que leva a uma série infinita, ou seja, à má infinitude. Hegel explica que o processo linear de pensamento incorre no erro de compreender que

limite no pensamento seja um limite externo ao pensamento, um limite que está além de si. Isso se deve ao fato de, nessa perspectiva, o absoluto ser compreendido tão- somente como ser, não como essência e conceito.

Hegel entende ser necessário superar essa parcialidade na compreensão do absoluto. A compreensão do absoluto como conceito circunscreve o limite como uma dimensão imanente. A noção de limite se restringe a algo posto pela própria reflexão, sendo o limite não algo externo à razão.

Não é por acaso que esse problema é tratado centralmente na lógica da essência, momento em que o pensamento reflete sobre as suas próprias determinações. Hegel critica a lógica do entendimento por ela ser incapaz de compreender esse problema. “O que a reflexão extrínseca determina e põe no imediato são, portanto, determinações extrínsecas a este”.28 Hegel tem consciência da necessidade de superação da forma de pensar do entendimento, considerando que esse deveria ser superado dialeticamente a ponto de o limite ser compreendido como algo imanente, condicionado somente pela reflexão, ou seja, autocondicionado.

Com isso, a exterioridade da reflexão frente ao imediato se encontra superada; seu próprio pôr que se nega a si mesmo, é o fundir-se dela com seu negativo, com o imediato, e este fundir-se é a imediação essencial mesma. Resulta, por conseguinte, que a reflexão extrínseca não é extrínseca, senão muito mais reflexão imanente da imediação mesma [...].29

O problema, constituído no ato puro de fundamentação dialética, enfrenta diretamente o problema do regresso ao infinito, apresentado no parâmetro do que Albert denominou, contemporaneamente, o “Trilema de Münchhausen”. Hegel pretende superar esse impasse. Acredita que a filosofia deve evitar que a

28 HEGEL, WL, II, 2003, p. 29. 29 Ibidem, p. 28.

fundamentação caia em uma série ininterrupta de justificações ou em uma base estrutural de pressuposições axiomáticas não fundamentadas ou que seja dependente de uma base intuitiva, sem demonstração racional de seus pressupostos.

Qual é o limite da lógica formal diante da necessidade das ciências? Para Hegel, é nisso que consiste, basicamente, a diferença das ciências empíricas com a filosofia, uma vez que as ciências empíricas processam a sua demonstração a partir de axiomas não fundamentados de forma final e precisam cada vez mais recuar ao infinito. Mostra também que a filosofia do entendimento e a lógica formal não têm estrutura para superar este impasse do pensamento linear.

Hegel, então, propõe uma lógica especulativa que seja capaz de superar a lógica proposicional, que ele entende ser uma forma limitada de pensamento, característica da lógica clássica. Compreende que a lógica proposicional é incapaz de colocar adequadamente o problema da fundamentação, devido à sua forma de pensar que é linear. Na lógica da essência, Hegel mostra que o problema da fundamentação pode ser superado mediante um pensamento reflexivo que seja capaz de superar a lógica proposicional.

A contradição solucionada é assim o fundamento, a essência como unidade do positivo e negativo. Na oposição, a determinação se tem desenvolvido com independência; porém o fundamento é esta independência concluída; o negativo constitui nele uma essência independente, porém como negativo.30

Na relação dialética, o fundamento consiste no movimento da afirmação e negação, que se sustentam de forma correlacionada. Não há um pólo externo como substrato ou âncora a sustentar uma das dimensões. Não há um terceiro que seja

um retorno a si do ser posto. Ao contrário da forma dual de pensamento, há um além que é justamente a correlação dialética entre o interior e exterior.

No desenvolvimento da essência, porque o conceito, [que é] um só, é em tudo o substancial, apresentam-se as mesmas determinações que no desenvolvimento do ser [encontramos]; porém em uma forma refletida. Assim, em vez do ser e do nada, aparecem [agora] as formas do positivo e do negativo; o primeiro, correspondendo antes de tudo ao ser carente de oposição, enquanto identidade; e o segundo, desenvolvido (aparecendo dentro de si) como diferença.31

Substância não é um elemento ou instância externa ao mundo, mas a própria necessidade que revela a dimensão constitutiva da totalidade lógica de pensamento.

No documento O problema do começo da lógica em Hegel (páginas 31-35)