• Nenhum resultado encontrado

A autonomia financeira do município brasileiro

No documento 2018JanainaOliveira (páginas 75-80)

CAPÍTULO II – AUTONOMIA DO MUNICÍPIO BRASILEIRO

3.3 A AUTONOMIA MUNICIPAL NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA

3.3.5 A autonomia financeira do município brasileiro

Conforme demonstrado até o momento, o município brasileiro passou a fazer parte dos entes federados através da promulgação da Constituição Federal vigente e, por consequência desse novo modelo, adquiriu competências e autonomias municipais em diferentes searas.

229 CORRALO, 2014. p. 234. 230 CORRALO, 2008. 231 COSTA, 2014. p. 138 232

SANTANA, Jair Eduardo. Competências legislativas municipais. Belo Horizonte: Del Rey, 1998. p. 91.

233

CORRALO, Giovani da Silva. O poder municipal na federação brasileira: reflexão sobre a autonomia municipal e o federalismo. História: Debates e Tendências, Passo Fundo, v. 15, n. 1, p. 128-139, 2015.

234

Entretanto, há de se refletir que, a partir do momento em que assume diversas responsabilidades, haverá a necessidade de esse ente estar dotado de receitas financeiras que permitam a execução daquilo que lhe cabe, pois, diante do acréscimo de funções consequentemente, ocorre o aumento de gastos235.

Nesse sentido, objetivando a garantir a autonomia dos entes, a Magna Carta conferiu a competência tributária, permitindo a instituição e a arrecadação de tributos236, ou seja, “a autonomia financeira repousa na instituição dos tributos municipais (impostos, taxas e contribuições) e na aplicação dos seus recursos [...]”237

.

Nesse cenário, para a consecução daquilo que lhe compete, isto é, para a concretização das ações municipais através da execução de políticas públicas voltadas ao atendimento das necessidades locais, o município terá autonomia para recolher tributos, exercendo, assim, a autonomia financeira.

A autonomia financeira nessa óptica, é descrita nas palavras de Nelson Nery Costa como: “o poder para arrecadar os seus tributos e aplicar suas rendas, de acordo com os respectivos orçamentos, vem a se constituir na autonomia financeira”238

.

O artigo 30, III, da Constituição Federal dispõe que compete ao município instituir e arrecadar tributos de sua competência, corroborando assim com a autonomia financeira municipal. Dessa forma, “arrecadado o tributo pelo Município, fica a critério da Administração local a aplicação, não dependendo do Estado- Membro ou da União, devendo apenas haver previsão orçamentária”239.

Porém, mesmo diante dessa garantia constitucional, percebe-se, na realidade prática, que os pequenos municípios padecem com a falta de recursos para execução de suas políticas. Não é proporcional o repasse da responsabilidade na execução de tarefas em áreas importantes com os recursos necessários para sua consecução.

Corroborando com esse entendimento, Giovani da Silva Corralo enfatiza: “o ideal é que, para cada assunção de responsabilidades estaduais ou federais, o Município tivesse o total ressarcimento dos ônus oriundos desses encargos, [...]” pois a diminuição de receitas

235

MARRA, Natália Cardoso. Cooperação interinstitucional como instrumento de formação de regiões metropolitanas. Revista Brasileira de Direito Municipal, Belo Horizonte, v. 11, n. 35, 2010.

236 MACHADO SEGUNDO, 2005. 237 CORRALO, 2016. p. 29. 238 COSTA, 2014. p. 126. 239 Ibid., p. 127.

acaba gerando certa dependência da União, o que afeta diretamente a autonomia e o pacto federativo240.

Não há como pensar nas diversas autonomias sem que haja receitas suficientes para a execução das políticas públicas, haja vista que, ficar na dependência dos demais entes aguardando recursos adequados, vai de encontro com os princípios federativos.

A Constituição Federal estipula em seu artigo 156 quais são os tributos que competem ao município, e, somado isso, também ocorrem repasses da União (arts. 153, §5, II, 158, I-II, e 159, I, b) e do Estado-membro (arts. 158, III-IV, e 159§3º)241.

Desse modo, pode se afirmar que

há um longo caminho a ser perfilhado pelos municípios brasileiros que no atual contexto, fazem gestão de aproximadamente 15% da receita pública nacional (a União fica com 60% e os Estados 25%), o que demonstra uma grande dependência das transferências voluntarias dos recursos dos Estados e da União242.

Em virtude dos aspectos apresentados ao longo do presente capítulo, percebe-se o grande avanço alcançado pelos municípios ante a promulgação da Constituição Federal de 1988, a qual estipulou a forma de estado e de governo, elevando o município à posição de ente federado. Porém, é salutar a compreensão de que, diante e a partir do momento em que foram dotados de competências e autonomias, os municípios necessitam necessariamente de receitas adequadas para a consecução das tarefas que lhe cabem.

Visando a debater a preocupação com relação à autonomia financeira dos municípios em face da falta de recursos, reuniram-se, em junho de 2016, em Brasília, prefeitos de inúmeras cidades brasileiras. Esse encontro resultou na publicação da cartilha intitulada “Pacto Federativo – encontro com prefeitos”, a qual, logo em suas palavras iniciais, expõe claramente a situação dos municípios sintetizada da seguinte forma:

Desde a redemocratização, os Municípios brasileiros passaram de um momento de auspiciosas expectativas, para uma realidade angustiante. A Constituição Cidadã de 1988 definiu novas fontes de recursos, com patilha de tributos federais e estaduais

240

DUARTE, Claudio Hiran Alves. Leasing financeiro: em qual município deve ser recolhido o ISS? Revista

Brasileira de Direito Municipal, Belo Horizonte, v. 15, n. 51, p. 45-60, 2014. 241

MEIRELLES, 2002.

242

CORRALO, Giovani da Silva. A autonomia municipal como um direito fundamental na Constituição

brasileira. 2006. 304 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Direito, Universidade Federal do

Paraná, Curitiba: 2006. p. 266. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp008852.pdf>. Acesso em: 29 mar. 2018.

para as cidades. Porém, desde então, a União passou a transferir para os Municípios uma série de obrigações sem uma contrapartida em recursos públicos243.

Diante disso, se observa que há uma necessidade latente de revisar os repasses efetuados para os municípios, afinal, é no município que ocorre a convivência entre as pessoas e a vida realmente se efetiva. Todos os problemas tornam-se maiores no município, pois as pessoas que ali vivem sentem em seu cotidiano a falta da concretização de inúmeras políticas públicas, que na maioria das vezes não podem ser executadas por falta de recursos.

Dessa forma, se constata que

[...] o município brasileiro tem muito ônus e pouco bônus. Assume todas as responsabilidades na organização da cidade, dos serviços públicos locais, com atribuições político-administrativas abrangentes a todo território do município. Mas quando se quantifica a repartição tributária nos entes federativos, verifica-se o quanto o Município é prejudicado, em uma voracidade centralizadora de recursos por parte da União244.

Portanto, levando em consideração todos os aspectos abordados acerca da federação, bem como a forma como o município foi tratado pela atual Magna Carta vigente, resta ratificado o caráter inédito da elevação desse ao patamar de ente federativo e, por consequência, detentor de autonomias e competências.

Todavia, apesar de esse posicionamento ser um grande avanço quando comparado a toda trajetória histórica a que os municípios foram submetidos, ainda resta um longo caminho a ser trilhado para que as autonomias não sejam apenas previsões constitucionais e possam existir na prática.

É na cidade onde a vida das pessoas de fato intercorre e é na cidade que todas as carências de políticas públicas são sentidas fortemente e necessitam de concretização. Quanto às pessoas com mobilidade reduzida, isso se torna ainda mais clamoroso. Porém, conforme já abordado ao longo do presente capítulo, por mais que os municípios possuam autonomias, precisam necessariamente dispor de recursos financeiros adequados, para que somente assim, possam ofertar cidades mais dignas a todos.

Também, após análise de todos esses pontos abordados ao longo dos dois capítulos já enfrentados, resta saliente a importância das políticas públicas urbanísticas nas cidades, uma

243

BRASIL. Senado Federal. Pacto Federativo: encontro com prefeitos. Brasília, DF: Senado Federal, 2015. Disponível em: <http://www.oim.tmunicipal.org.br/abre_documento.cfm?arquivo=_repositorio/_oim/ _documentos/DE101B97-B0D7-9C27-EF97F8F0F96691A101072015083710.pdf&i=2981>. Acesso em: 29 mar. 2018.

244

vez que a legislação confere essa abertura ao município, e, portanto, esse ente federativo possui um espaço de atuação para conduzir planos locais que atendam ao interesse público.

Há um espaço de atuação que pertence ao município e é através dele que podem ser efetivadas medidas urbanísticas para concretização de inúmeros direitos fundamentais legalmente estipulados e estabelecidos para todas as pessoas, independentemente de suas limitações físicas ou de mobilidade.

Deve-se averiguar, na sequência, o plano de mobilidade urbana e o direito à cidade para que se possa compreender melhor de que forma os municípios podem atuar, qual o seu espaço para operar, bem como quais são as consequências de sua inércia ou omissão nas políticas referentes ao meio urbano local.

No documento 2018JanainaOliveira (páginas 75-80)