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4. ADMISSIBILIDADE DE REGULARIZAÇÃO DAS OPERAÇÕES

4.3 A autoridade competente para a juridificação

Não há na lei qualquer indicação sobre qual a entidade competente para “atribuir

efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de actos nulos de gestão urbanística”.

Verifica-se que, os órgãos administrativos competentes para a anulação dos atos, assim como os tribunais administrativos, estão legalmente habilitados147 para proferir a

correspondente declaração administrativa ou judicial de nulidade dos atos administrativos de gestão urbanística (cf. n.º 2 do art.º 162.º do CPA). Resta saber, se também estas duas autoridades públicas podem usar da faculdade conferida pelo n.º 3 do art.º 162.º do CPA. Quanto à entidade administrativa que deu origem à situação em crise (que praticou o ato nulo), comungamos do entendimento reportado à versão revogada da norma (cf. n.º 3

(147) Note-se que, o CPA revogado atribuía este poder a qualquer órgão administrativo indiferenciadamente, e a qualquer tribunal (cf. art.º 134.º, n.º 3), embora a doutrina defendesse como ponto assente, que a norma teria de ser objeto de uma interpretação restritiva, ou de uma redução teleológica em função da diferença entre a declaração formal e o conhecimento da nulidade. Neste sentido VIEIRA DE ANDRADE, “A nulidade administrativa…”, ob. cit., p. 783.

83 do art.º 134.º do CPA) cujo sentido se transladou para outro dispositivo do novo CPA, o qual reclama que,“(…) um tal poder não pode deixar de caber, pelo menos, à autoridade

administrativa competente para praticar o acto que originou a situação de facto.(…)”148

Aliás, no contexto em que se refere, essa competência parece indissociável da entidade administrativa que deu origem à situação fáctica. E a juridificação poderá ocorrer antes ou depois da declaração administrativa de nulidade, ou ainda após a declaração judicial de nulidade, pois nada parece obstar a que a convocação dos pressupostos da juridificação possa ocorrer após a sentença judicial.

Nesta senda, a possibilidade de juridificação decorrerá da emissão de novo ato, a proferir pelo mesmo órgão que praticou o ato administrativo nulo, o qual deverá conter a fundamentação da nulidade do ato administrativo de gestão urbanística, a identificação do período compreendido entre a prática do ato, o despontar da situação de fato e a sua consolidação na realidade, sendo também avaliados os princípios gerais de direito, com referência às circunstâncias peculiares de cada caso em concreto, que justificam a atribuição dos efeitos jurídicos.

Em nome da tutela da confiança, entendemos que, tal competência deveria ser exclusa da autoridade administrativa de forma a garantir uma juridificação (sentença) com força de caso julgado, ao invés do novo ato praticado neste âmbito correr o risco de sofrer uma eventual impugnação e subsequente pronúncia anulatória com efeitos destruidores.

No que concerne aos tribunais administrativos, a questão parece ser também pacífica, na medida em que, os mesmos estão vinculados à lei, mas também aos princípios jurídicos e à CRP, o que lhes permite modelar as sentenças atendendo à verificação dos pressupostos consignados no n.º 3 do art.º 162.º do CPA. Além do mais, os tribunais administrativos encontram-se habilitados para esse exercício, em sede de processo executivo (cf. art.º 173.º ss do CPTA), no âmbito do qual a Administração pode invocar causa legítima de inexecução de sentença149, ou no âmbito da ação administrativa

(148) Cf. PEDRO GONÇALVES/FERNANDA PAULA OLIVEIRA, “O regime da nulidade dos actos …”, ob. cit., p. 28.

(149) O art.º 163.º do CPTA limita as causas legítimas de inexecução de sentença à impossibilidade absoluta e ao grave prejuízo para o interesse público na execução da sentença.

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especial de impugnação150 desde que se verifiquem os pressupostos de que depende a atribuição de relevância jurídica a situações de facto construídas à sombra de atos nulos de gestão urbanística. É precisamente, na fase de execução que mais facilmente se avaliará as consequências de reposição da legalidade violada, assim como a possibilidade de alteração da situação de facto ou de direito eventualmente ocorrida no interregno que mediou a emissão e a execução da sentença, pelo que parece-nos ser este o momento mais apropriado para o reconhecimento de efeitos jurídicos. Tais consequências, também não deverão deixar de ser ponderadas, em sede de ação administrativa especial que visa a declaração de nulidade, tendo em conta que o tribunal, por certo, não as desconhece, o que justifica desde logo o exercício de juridificação da situação sub judice.

Neste campo perfilhamos a opinião de VIEIRA DE ANDRADE traduzida no seguinte: “Nas situações em que se ponha o problema do reconhecimento jurídico da

situação de facto decorrente do acto nulo o juíz não pode alegar que a sua tarefa é meramente hermenêutica, que só visa aplicar uma solução previamente definida na lei – ele não se limita a conhecer, decide a solução do caso concreto e é juridicamente responsável por ela, devendo, para além de evitar injustiças extremas e situações de impraticabilidade (…), respeitar a proibição do excesso, pois só atendendo aos efeitos reais da decisão se alcança a paz social que a justiça almeja”151.

Note-se que, anteriormente à revogação da LPTA152, o contencioso administrativo português por não ser de plena jurisdição, limitava os poderes de pronuncia do tribunal à apreciação da legalidade do ato, não obstante a verificação da possibilidade de atribuição de efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos à ação para

reconhecimento de direito (cf. artigos 69.º e ss da LPTA), ou ao processo de execução de sentença, quando os referidos efeitos se afiguravam potencialmente justificativos da

verificação da causa legítima de inexecução de sentença, por serem incomportáveis as despesas com a demolição da operação urbanística.

(150) Cf. CLARA SERRA COELHO, “A preservação de efeitos do acto administrativo de gestão urbanística nulo”, in O urbanismo, o Ordenamento do Território e os Tribunais (Coord.) FERNANDA

PAULA OLIVEIRA, Almedina, Coimbra, 2010, p. 274.

(151) Cf. JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, “A nulidade…”, ob. cit., p. 344. (152) A LPTA foi revogada pela Lei n.º 15/2002, de 22 de fevereiro, que aprovou o CPTA.

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