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2. ENQUADRAMENTO DA NULIDADE NO DIREITO ADMINISTRATIVO

2.4. Atos nulos de natureza formal ou procedimental

Entre as causas de nulidade dos atos de gestão urbanística, encontramos a violação de normas de índole formal ou procedimental, de acordo com a previsão estabelecida na alínea c) do artigo 68.ºdo RJUE, que determina a nulidade para a emissão de licenças, autorizações de utilização e decisões relativas a pedidos de informação prévia que não tenham sido precedidas de consulta das entidades externas, cujos pareceres, autorizações ou aprovações sejam legalmente exigíveis, bem como quando não estejam em conformidade com esses pareceres, autorizações ou aprovações.

Recorde-se aqui, que desde 199144, recortado o período45 de vigência do D.L. n.º 445/91, de 20 de novembro, com redação do D.L. n.º 250/94, de 15 de outubro, e do D.L. n.º 448/91, de 29 de novembro, com redação do D.L. n.º 334/95, de 28 de dezembro, alterado por ratificação, pela Lei n.º 26/96, de 1 de agosto, que vai até à data da entrada em vigor do D.L. n.º 555/99, de 16 de dezembro, na redação do D.L. n.º 177/2001, de 4 de junho, os atos administrativos de licenciamento urbanístico que “não tenham sido

precedidos de consulta das entidades cujos pareceres, autorizações ou aprovações sejam legalmente exigíveis, bem como quando não estejam em conformidade com esses

(44) A alínea a), n.º 1 do art.º 52.º do Decreto-Lei n.º 445/91, de 20.11, na redação do Decreto-Lei n.º 250/94, de 15.10, que aprovou o regime jurídico do licenciamento de obras particulares e a alínea a), n.º 1 do art.º 56.º Decreto-Lei n.º 448/91, de 29.11, que aprovou o regime jurídico do licenciamento de operações de loteamento urbano, sancionavam com a anulabilidade os atos administrativos de gestão urbanística de natureza formal.

(45) Neste período, ambos os diplomas passaram a dispor: “são anuláveis os actos administrativos (…) que não tenham sido precedidos de consulta das entidades cujos pareceres, autorizações ou aprovações sejam legalmente exigíveis”.

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pareceres, autorizações ou aprovações.” (cf. alínea c) do art.º 68.º do RJUE), vêm

cominando com o mais grave desvalor jurídico, a nulidade.

Ou seja, à luz da teoria da estrutura do ato administrativo encontramos na 1.ª parte da alínea c), a consignação de causas de nulidade referentes a vícios de procedimento46,

os quais são pela teoria tradicional designados de vícios de forma, dada a preterição de uma formalidade. Enquanto que, a parte final da alínea c), prescreve a nulidade para vícios de carácter material, por violação de lei, de acordo com a teoria tradicional −, i.e., vícios de natureza material ou substancial, com reflexos no conteúdo do ato, na perceção da teoria da estrutura do ato administrativo.

Em regra, não têm natureza vinculativa, mas apenas obrigatória, os pareceres exigíveis nos procedimentos destinados à prática de um ato de gestão urbanística, conforme se depreende do art.º 91.º do CPA conjugado com o n.º 7 da art.º 13.º do RJUE −, i.e., a sua qualificação de vinculativos resulta da reunião cumulativa das três condições, a seguir indicadas:

i. Quando a vinculatividade resulte expressamente da lei;

ii. Desde que se fundamentem em condicionamentos legais ou regulamentares, i.e., desde que se refiram a verdadeiros condicionalismos de ordem material à pretensão das operações urbanísticas;

iii. Sejam recebidos dentro do prazo previsto, que será neste âmbito de 20 dias (neste caso é importante a determinação do momento do início da contagem dos prazo), e que os mesmos sejas solicitados por uma única vez, salvo se ocorrerem alterações ao projeto.

Quando obrigatórios, o seu conteúdo é vertido na decisão final da entidade administrativa, se esta fundamentadamente assim o entender. Deste modo, as ilegalidades de tais pareceres (em virtude da sua equiparação a meros instrumentos auxiliares da decisão), podem ser aferidas, em sede de impugnação da decisão final do procedimento,

(46) Trata-se dos vícios que resultam da violação das normas previstas nos artigos 13.º, 13.º-A e 13.º- B do RJUE.

27 se sobre esta se projetarem as suas enfermidades, atento o princípio da impugnação unitária consagrado no nosso ordenamento jurídico (Cf. artigo 51.º, n.º 3, do CPTA)47.

Se o parecer tiver natureza vinculativa, a situação não é muito dissemelhante, na medida em que, o procedimento de impugnação processa-se nos moldes anteriormente explanados para os pareceres de carácter obrigatório, pois, também estes se apresentam como atos interlocutórios que atuam ao nível das relações administrativas estabelecidas entre as entidades externas que tutelam determinados interesses públicos suscetíveis de ficarem afetados com a execução das operações urbanísticas requeridas e a autoridade administrativa competente para proferir a decisão final.

Todavia, os pareceres vinculativos, não desempenham uma função meramente consultiva e instrutória, mas sim um controlo da legalidade, porque impõem o sentido da decisão a tomar pelo órgão com competência decisória, designadamente quando se apresentam de sentido desfavorável à pretensão do requerente (cf. alínea c) do n.º 1 do art.º 24.ºdo RJUE), sob pena de nulidade (cf. alínea c) do art.º 68.º do RJUE). De sentido inverso, a Administração fica igualmente condicionada, neste caso, a acolher o sentido

favorável do parecer vinculante, não obstante poder decidir-se fundamentadamente pelo

indeferimento do pedido.

Sublinhamos com especial ênfase a disciplina contida no n.º 6 do art.º 13.º do RJUE, que verte nos pareceres, autorizações ou aprovações não recebidos dentro do prazo legal, um sentido tacitamente concordante das entidades externas com a pretensão formulada, i.e., desencadeia um parecer, autorização ou aprovação tácito (a) favorável que poderá sustentar o deferimento do pedido por parte da Administração. Em face destas circunstâncias, entendemos que estão criadas todas as condições que permitem suscitar a prática de atos nulos de gestão urbanística, na medida em que, o legislador ao condicionar ao sentido favorável o parecer, autorização ou aprovação extemporâneo, está a permitir à Administração optar por decidir favoravelmente uma pretensão (por falta de vinculatividade), que eventualmente poderia apenas comportar um sentido desfavorável.

(47) Cf. o CPTA no artigo 51.º, que dispõe no n.º 3 –“ Salvo quando o acto em causa tenha determinado a exclusão do interessado do procedimento e sem prejuízo do disposto em lei especial, a circunstância de não ter impugnado qualquer acto procedimental não impede o interessado de impugnar o acto final com fundamento em ilegalidades cometidas ao longo do procedimento.”

28 Uma nota, apenas para dizer que, a jurisprudência divide-se entre a impugnabilidade autónoma e a irrecorribilidade dos atos interlocutórios vinculativos –, i.e., para a primeira destas duas referidas conceções, os pareceres obrigatórios e vinculativos são compreendidos como atos administrativos – porque emanados pelos órgãos da Administração – imbuídos de uma autoridade normativa dirigida a uma pretensão individualizada, que projeta efeitos diretamente na esfera jurídica do requerente, e como tal, suscetíveis de recurso contencioso 48.

Apesar de o legislador reconhecer aos particulares o direito de deitar mão à via de impugnação administrativa autónoma, no âmbito das garantias impugnatórias (cf. art.º 114.º do RJUE), defendemos a conceção da irrecorribilidade de os atos interlocutórios, sob o entendimento de que os mesmos devem ser apreciados no âmbito da impugnação do ato de decisão final e não no decurso da tramitação do procedimento, até porque atuam ao nível de relações administrativas interorgânicas, onde o particular não intercede. Ademais, só com a decisão final proferida no procedimento em causa, é que se fica a conhecer objetivamente o sentido da mesma, pois enquanto esta não ocorre, parece-nos precipitada a impugnação contenciosa por parte do interessado (que nem faz parte da relação entre as duas entidades), de um parecer que visa influenciar o ato conclusivo, mas cujo desfecho do procedimento ainda se desconhece. É à autoridade administrativa que pertence a competência decisória e nessa medida, ela terá sempre a faculdade de averiguar da legitimidade formal do parecer, o qual, não está obrigada a acolher se tiver sido proferido em condições ou circunstâncias formais ilegais.49

A ultimar, sublinhamos a propósito das causas de nulidade previstas no direito do urbanismo e em face do exposto, que o grau de gravidade deste vício (cf. alínea c) do art.º 68.º do RJUE) é claramente inferior quando comparado com as outras causas de nulidade previstas no mesmo dispositivo legal, (Cf. alínea a) do art.º 68.º do RJUE), nos artigos 161.º/2 e 36.º/2 do CPA, e ainda em diversas leis avulsas −, e.g., regimes jurídicos da RAN e da REN), mas tal não mereceu discriminação por parte do legislador, na determinação da sanção jurídica aplicável.

(48) Neste sentido, o Acórdão do Pleno, de 15 de novembro de 2001, no processo n.º 037811, in www.dgsi.pt

29 Alguns autores,50 vão mais longe, chegando mesmo a discordar da prescrição da nulidade para situações em que está em causa apenas um mero vício de carácter procedimental, sustentando que se trata de uma solução que sobrevaloriza a preterição de uma formalidade que não justifica a radicalidade da sanção imposta.

Outra solução, já defendida pela jurisprudência51 e que hoje, face à consignação da possibilidade de reforma e conversão dos atos nulos prevista n.º 2 do art.º 164.º do CPA, passa pela aplicabilidade do princípio do aproveitamento do ato administrativo nulo, nos termos previstos no n.º 1 do art.º 45.º do CPTA.52

(50) Neste sentido, CLÁUDIO MONTEIRO, “Urbanismo e interesses públicos diferenciados – O novo regime das consultas a entidades externas nos procedimentos de controlo prévio das operações urbanísticas”, in RDRL, n.º 4, Out/Dez, 2008, p.15.

(51) Neste sentido, o Ac. do STA de 13/01/2011, no P. 01121/09, in www.dgsi.pt

(52) Sobre o desenvolvimento do tema, v., RAMALHO, Inês, “O Princípio do Aproveitamento do Acto Administrativo”, Lisboa: Universidade de Lisboa, 2011, (Dissertação de Mestrado).

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