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A avaliação dos professores: Factores de complexidade

A qualidade dos professores, das suas competências e do trabalho que desenvolvem tornou-se num dos principais focos das políticas educativas recentes (OCDE, 2005). À medida que são desenvolvidos nas escolas processos de avaliação organizacional com vista à definição das suas próprias estratégias de melhoria, a avaliação dos professores vai surgindo cada vez mais interligada com a renovação organizacional. Por isso, a avaliação dos professores faz parte de um conjunto mais vasto de políticas com vista a melhorar a qualidade do sistema educativo. Com efeito, a avaliação apresenta faces aparentemente antagónicas. Como salienta Darling-Hammond (1990),

a avaliação dos professores pode ser uma rotina, uma actividade pro forma com pouca utilidade para compreender o que acontece nas escolas, ou pode ser um importante veículo para comunicar normas profissionais e organizacionais e para estimular a melhoria (p. 19).

São múltiplos os aspectos (técnicos, organizacionais, culturais, políticos) que interagem na construção dos processos de avaliação, influenciando os seus resultados, os seus efeitos e, em última análise, a sua validade. No entanto, o próprio processo de avaliação também (re)configura o contexto organizacional e as condições de trabalho, seja através das concepções de professor que reflecte, seja pelas expectativas que comunica quanto às prioridades do desempenho, normas de comportamento ou à natureza do próprio trabalho (Darling-Hammond, 1990; Fernandes, 2008). Trata-se, por isso, de um processo com importantes contornos políticos, no qual confluem as perspectivas de curto e de longo prazo: por um lado, as preocupações de controlo da profissão, através da prestação de contas e da recompensa do mérito, por outro lado, as preocupações de desenvolvimento profissional, com vista à melhoria contínua e ao aperfeiçoamento (Figari, 2007).

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De acordo com Duke e Stiggins (1990), dificilmente um mesmo sistema de avaliação pode servir ambos os propósitos, uma vez que ―pedir a todos os professores para cumprir especificações uniformes serve o propósito da prestação de contas, mas faz muito pouco pela promoção do desenvolvimento profissional‖ (p. 126). Nesse caso, que sentido fará sujeitar todos os professores ao mesmo tipo de avaliação? Para os professores competentes e bastante experientes não seria mais benéfico um processo de desenvolvimento profissional para além do nível de profissionalismo já atingido? É que a junção dos dois propósitos leva a que os professores competentes joguem pelo seguro, ultrapassando facilmente56 os padrões de referência. Deste modo, ―o crescimento profissional pode ser inibido em resultado de uma avaliação sentida como ameaçadora, mal conduzida, ou comunicada de forma inadequada‖ (Duke & Stiggins, 1990, p.119), produzindo o efeito contrário aos objectivos para os quais foi delineada. Assim, estes autores propõem a separação temporal dos dois tipos de avaliação, através de um processo a quatro anos, no qual os primeiros três anos seriam dedicados ao desenvolvimento profissional, através de uma supervisão sistemática com sucessivas avaliações formativas, só no quarto ano ocorrendo uma avaliação sumativa, com efeitos na atribuição de mérito e relacionada com a progressão na carreira.

Dada a recente introdução, em Portugal, de ciclos quadrienais de governação das escolas e de colocação dos professores, um processo de avaliação imbuído de uma estratégia de melhoria a médio prazo não se revelaria mais eficaz para o incremento de práticas de desenvolvimento profissional centradas no contexto da escola? Se, além disso, este processo fosse atempadamente articulado com a auto-avaliação e a avaliação externa, ainda embrionárias em muitas escolas, não seria possível uma maior legitimação dos processos avaliativos e a sua credibilização junto dos professores?

Considerando que os professores são implicitamente avaliados pelos alunos, pais, colegas e comunidade educativa em geral, o sistema de avaliação de professores, regulado institucionalmente, integra-se nos vários processos de controlo da escola (Natriello, 1990). Como refere este autor, junto dos professores, o reconhecimento da legitimidade do sistema reforça o empenho nas actividades de avaliação, sobretudo

56 Em 29/09/08, o Ministério anuncia que foram avaliados cerca de 12.000 professores (apenas os contratados), com uma taxa de 7% de classificações de mérito e uma percentagem “insignificante”(sic) de classificações de Regular e Insuficiente, consultável em http://www.min-edu.pt/np3/2669.html. Em 06/01/10, a Ministra da Educação revela ao Jornal de Notícias que, relativo ao biénio 2007-2009, 83% dos professores foram classificados com Bom, tendo havido menos de 0,5% de classificações de Regular ou Insuficiente.

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quando a consistência entre avaliadores reduz a ocorrência de arbitrariedades, além de reforçar a segurança na racionalidade dos processos que minimiza a ansiedade e o stress (Natriello, 1990). Desse modo, a sua credibilidade adviria da coerência entre as finalidades preconizadas, as normas e padrões de desempenho definidos e os procedimentos utilizados para a avaliação. Como explicita Iwaniki (1990),

frequentemente, a resistência dos professores à avaliação não é motivada por critérios de desempenho particulares ou por procedimentos utilizados, mas sobretudo pelas finalidades para as quais os dados recolhidos através do processo de avaliação podem ser usados. Tem de haver acordo quanto a essas finalidades antes que possa ser implementado um processo de avaliação de professores eficaz (p. 159).

A avaliação orientada para o desenvolvimento profissional implica a recolha de dados para ajudar os professores com níveis aceitáveis de competência mínima a continuar a aperfeiçoar-se e atingir níveis superiores de competência, expandindo o seu auto-conhecimento e procurando a excelência profissional (Duke & Stiggins, 1990). Esta finalidade da avaliação está, portanto, integrada em processos de melhoria. Por um lado, precisa de profissionais especializados que possam, através de um feedback consistente e coerente com a avaliação que fazem, ajudar os professores avaliados a melhorar as suas práticas. Por outro lado, exige condições de trabalho, individuais e organizacionais, que, de facto, permitam implementar mudanças significativas nos modos de trabalho docente. É que, como salienta Natriello (1990), ―os professores reagem negativamente a um processo de avaliação que identifica problemas que não podem ser corrigidos, dadas as condições de trabalho que têm de enfrentar‖ (p. 40). Esta função formativa da avaliação tem implicações organizacionais importantes para a melhoria do sistema: incentivando o diálogo sobre os problemas detectados e a liderança instrucional, permite gerar um maior consenso sobre os objectivos da escola; por outro lado, afirma o mesmo autor, o desenvolvimento participado do sistema de avaliação pode conduzir à discussão de questões educativas que fomentem a melhoria global; a agregação dos dados recolhidos na avaliação individual permitirá o diagnóstico de problemas organizacionais, o que fomentará a articulação com outros níveis do controlo organizacional da escola.

A avaliação para prestação de contas envolve a recolha de dados para determinar o nível a que o professor atinge os mínimos aceitáveis de competência e de cumprimento dos padrões de desempenho (Duke & Stiggins, 1990). Quer os padrões, quer os critérios de avaliação influenciam a actuação colectiva, pois os exemplos de

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sucesso ou insucesso moldam a identidade dos membros da escola e definem mais nitidamente as expectativas de formação e de carreira. Estes padrões de desempenho ―têm sido impostos pelos governos e aplicados aos professores como quadros reguladores e controlos burocráticos‖ (Sachs, 2003, p. 37). Sendo externamente definidos, espelham princípios e pressupostos que enformam o novo profissionalismo docente, servindo a reconfiguração da docência, com o apoio de técnicas de medição de resultados e de lógicas meritocráticas (Lawn, 2001).

Em face destes padrões, que não contemplam a importância do contexto, os professores são forçados a alterar o seu ensino, seja para agradar aos avaliadores, seja para uma maior conformidade com as expectativas da escola (Natriello, 1990). A avaliação é, assim, transformada num dispositivo sancionatório, onde a melhoria só pode ser retórica, uma vez que o feedback é limitado, não só pela utilização alargada de instrumentos pré-formatados, mas também pela atribuição de funções de avaliação a professores sem conhecimento especializado de avaliação ou domínio das matérias de ensino (Wise & Gendler, 1990). Quando associada a padrões competitivos e ao estabelecimento de quotas de mérito, este tipo de avaliação tende a resultar em maior desmotivação dos professores, uma vez que só alguns ocuparão as posições disponíveis, independentemente da sua competência (Bacharach, Conley & Shedd, 1990). Como poderão, então, ser todos encorajados a melhorar?

Em alternativa, vários autores propõem a definição de padrões de desempenho interna à profissão, através da sua formulação participada e consensual, incluindo as associações profissionais nessa discussão (Stufflebeam & Sanders, 1990). Outros, como Sachs (2003), para além dessa definição endógena dos padrões de desempenho, salientam que

é preciso ter alguma flexibilidade relativamente à forma dos padrões de desempenho para reconhecer o facto de que o contexto tem um papel importante ao influenciar o modo como os professores ensinam, o que ensinam e os resultados escolares dos seus alunos (p.53).

Para além da importância do contexto, Bacharach, Conley e Shedd (1990) defendem que a avaliação deve ser feita por competências, progressivamente mais complexas consoante o estádio da carreira, reconhecendo também a natureza subjectiva do ensino e, consequentemente, a presença de alguma imprevisibilidade na avaliação. Deste modo, não seria necessária a distinção de funções entre níveis da carreira, uma vez que esta seria feita pela crescente complexidade das competências exigidas.

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Em termos organizacionais, a avaliação de professores com carácter formativo é a que melhor contribui para o fortalecimento de uma cultura de avaliação, pois a integração da reflexão individual nas práticas institucionais aumenta a segurança profissional e motiva os professores a empenharem-se em mudanças globais da organização (Jesus, 2007; McLaughlin, 1990). Todavia, verifica-se que os vários níveis da gestão escolar nem sempre utilizam os resultados da avaliação para melhorar. Os directores e coordenadores não só têm pouco conhecimento especializado, como lhes falta o tempo para avaliar os professores, planear e implementar actividades de melhoria, articulando-as com práticas de formação em contexto de trabalho (Alonso, 2007; Canário, 2005; Wise & Gendler, 1990).