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CAPÍTULO III – PERCURSO DA FORMAÇÃO DO PEDAGOGO NO

3.2 A base comum nacional para a formação do pedagogo

A formação de profissionais de educação para administração, planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional para a educação básica, será feita em cursos de graduação em pedagogia ou em nível de pós-graduação, a critério da instituição de ensino, garantida, nesta formação, a base comum nacional. (LDB, 9.394/96, art. 64. Grifo nosso)

A base comum supracitada diz respeito às Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia – DCNP, (2006)15, que consubstanciam os cursos de Pedagogia por meio das orientações normativas que se aplicam em todo o território nacional. Desse modo, “As diretrizes visam a normatizar critérios comuns que sirvam de parâmetros ao Sistema Nacional de Educação para avaliar a qualidade da formação e acompanhar a trajetória de egressos” (BRZEZINSKI, 2007, p. 235).

Diante do enquadramento normativo fornecido pelo Estado, buscamos entender as bases conceituais que possibilitam a formação do pedagogo ancorada na cultura e na emancipação. Como afirmado por Libâneo (2001, p. 6), cabe destacar que “Pedagogia é, então, o campo do conhecimento que se ocupa do estudo sistemático da educação − do ato educativo, da prática educativa como componente integrante da atividade humana, como fato da vida social, inerente ao conjunto dos processos sociais”.

Desse modo, buscamos discutir as possíveis relações entre a formação de professores e a formação cultural à luz das diretrizes. Tal propósito é de suma importância, pois o documento expressa a luta de classes, dos movimentos da década de 90 do século passado. Nesse sentido, nos respaldamos nas reflexões de Adorno (2010, p.33): “Quando a humanidade se aliena da memória, esgotando-se sem fôlego na adaptação ao existente, nisto reflete-se uma lei objetiva de desenvolvimento”.

Com esse olhar crítico sobre o desenho curricular do curso de pedagogia traçamos como propósito discutir as possibilidades da formação cultural e sua relação com a formação humana crítico-emancipadora.

80 Nesse sentido, evidenciamos da Resolução CNE/CP n.1, de maio de 2006, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, licenciatura; elementos que podem possibilitar a formação cultural relacionada à formação humana emancipadora e inclusiva.

No que tange à concepção da formação, destacamos da referida Resolução: Art. 2º As Diretrizes Curriculares para o curso de Pedagogia aplicam-se à formação inicial para o exercício da docência na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, nos cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal, e em cursos de Educação Profissional na área de serviços e apoio escolar, bem como em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos.

§1º Compreende-se a docência como ação educativa e processo pedagógico metódico e intencional, construído em relações sociais, étnico-raciais e produtivas, as quais influenciam conceitos, princípios e objetivos da Pedagogia, desenvolvendo-se na articulação entre conhecimentos científicos e culturais, valores éticos e estéticos inerentes a processos de aprendizagem, de socialização e de construção do conhecimento, no âmbito do diálogo entre diferentes visões de mundo. (grifo nosso)

Notadamente, se privilegia o processo de formação com base na cultura e se almeja a formação cultural. Uma formação de tal modo propiciaria ao indivíduo à capacidade de se posicionar criticamente em relação ao que está posto. Vale ressaltar, que não estamos defendendo cegamente o Parecer e o conceito de formação cultural. Sobre o Parecer, por se tratar de uma construção política, não podemos negar as articulações e os estratagemas utilizados para gerir o consenso, muitas vezes construído pelo esvaziamento das palavras, como problematiza Marcuse (1973, p. 94-95):

Como um hábito de pensar fora da linguagem científica e tecnológica, tal raciocínio molda a expressão de um behaviorismo social e político. Nesse universo behaviorista, as palavras e os conceitos tendem a coincidir, ou antes, o conceito tende a ser absorvido pela palavra. Aquele não tem qualquer outro conteúdo que não o designado pela palavra no uso anunciado e padronizado, esperando-se que a palavra não tenha qualquer outra reação que não o comportamento anunciado e padronizado. A palavra se torna um clichê e, como tal, governa a palavra ou a escrita; assim, a comunicação evita o desenvolvimento genuíno do significado.

O pensamento de Marcuse, em destaque, sintetiza a nossa problemática de pesquisa, pois para os Frankfurtianos a cultura, na sociedade administrada, se apresenta como massificadora de pensamentos e ações, obstando a formação para a individuação. Tal propósito visa tão somente a reconciliação do indivíduo com a sociedade

81 administrada, portanto a defesa da formação cultural não pode prescindir da crítica à cultura, sendo essa discussão a espinha dorsal desta tese.

Nesse sentido, ressaltamos da Resolução CNE/CP nº1/2006, o artigo 3º, que explicita os princípios norteadores ao exercício da docência:

O estudante de Pedagogia trabalhará com o repertório de informações e habilidades composto por pluralidade de conhecimentos teóricos e práticos, cuja consolidação será proporcionada no exercício da profissão, fundamentando-se em princípios de interdisciplinaridade, contextualização, democratização, pertinência e relevância social, ética e sensibilidade afetiva e estética. (Grifo nosso)

O referido artigo evidência a importância e a complexidade inerente ao exercício da docência. Sobremaneira, a vinculação entre a articulação da teoria com a prática, tal como compreendido por Schimied-Kowarzik (1983) que denomina a Pedagogia de ciência da e para a educação.

Entretanto, se apresenta frágil no que diz respeito aos conteúdos da formação, uma vez que apenas cita que o estudante de Pedagogia terá acesso ao repertório de informações. Ora, em se tratando de formação docente percebemos certa intencionalidade. Portanto, o esvaziamento quando se menciona ‘um repertório de informações’ por estar subentendido a formação de um professor meramente cumpridor de tarefas, que executará ordens e passará informações. O oportuno é quando se almeja uma formação docente à emancipação, que se refere ao acesso e à produção de conhecimento.

Assim, cumpre questionar: quem determina esse ‘repertório de informações’ está preocupado com a formação crítico-emancipadora? Ao que parece, a atuação profissional vai depender da consciência pessoal e não da formação crítico- emancipadora e inclusiva. Também em relação a isso pode-se apresentar ressalvas como observamos no artigo 2º, parágrafo 2º que determina:

O curso de pedagogia, por meio de estudos teórico-práticos, investigação e reflexão crítica, propiciará:

I - o planejamento, execução e avaliação de atividades educativas; II - a aplicação ao campo da educação, de contribuições, entre outras, de conhecimentos como o filosófico, o histórico, o antropológico, o ambiental-ecológico, o psicológico, o linguístico, o sociológico, o político, o econômico, o cultural. (Grifo nosso)

Nesse caso, é preciso chamar atenção sobre a determinação da reflexão crítica, tal perspectiva evidencia a contradição entre os artigos 2 e 3, que ora almeja possibilitar

82 o acesso a um repertório de informação, ora reflexão crítica. Nessas condições, a educação tende mais a base técnica do que sobre o sentido da vida e a justiça social.

Portanto, essa condição “não crítica” não enfrenta a pseudoformação forjada pelo mundo administrado, em razão disso assevera Adorno (2005, p. 13), “A confusão e o obscurantismo, e, pior ainda, uma relação cega com os produtos culturais não percebidos como tais, a qual obscurece o espírito a que esses produtos culturais dariam expressão viva”.

Quanto aos egressos cabe destacar do artigo 5º, o inciso V que anuncia: “reconhecer e respeitar as manifestações e necessidades físicas, cognitivas, emocionais, afetivas dos educandos nas suas relações individuais e coletivas”. Estamos diante de um apelo ao resgate da humanização no processo educacional, apesar dos limites sociais impostos para essa transformação, principalmente quando as reformas pedagógicas se dão isoladamente, sem transformações das condições objetivas da sociedade e o próprio processo de formação possível, nos tempos atuais, é a pseudoformação, Adorno (2010) não sucumbe e se volta à desbarbarização das pessoas.

No que tange à estrutura organizacional, o artigo 6º apresenta o tripé nuclear no qual todo o curso deve se apoiar. Sendo eles, o núcleo de estudos básicos, o núcleo de aprofundamento e diversificação de estudos e o núcleo de estudos integrados. Desses, o último apresenta um compromisso explícito com a formação cultural e a educação inclusiva:

III - um núcleo de estudos integradores que proporcionará enriquecimento curricular e compreende participação em:

a) seminários e estudos curriculares, em projetos de iniciação científica, monitoria e extensão, diretamente orientados pelo corpo docente da instituição de educação superior;

b) atividades práticas, de modo a propiciar vivências, nas mais diferentes áreas do campo educacional, assegurando aprofundamentos e diversificação de estudos, experiências e utilização de recursos pedagógicos;

c) atividades de comunicação e expressão cultural. (grifo nosso) Vale ressaltar que a tendência da sociedade capitalista é a formação homogeneizadora de mentes e corpos, fenômeno denominado por Adorno de formação heterônoma, isso é, “(...) um tornar-se dependente de mandamentos, de normas que não são assumidas pela razão própria do indivíduo” (ADORNO, 2010, p.124). O resultado dessa adaptação é a perda da consciência individual que é substituída pela massificação. Para se contrapor a essa tendência, Becker (In ADORNO, 2010, p.150) defende que:

83 Justamente na formação profissional do trabalhador necessita-se uma aptidão à experiência desenvolvida e um elevado nível de reflexão, para preservar-se em situações em permanente transformação e suportando aquilo que o senhor designou como “pressão do mundo administrado”. Para tal, a formação cultural, como parte integrante da formação no curso de Pedagogia, pode oferecer elementos potencializadores à resistência quanto à adaptação plena e inconsciente ao ‘mundo administrado’ pelo capital e pelo mundo do trabalho. Esta concepção favorece a visão totalizante das relações entre, o indivíduo, a educação, a sociedade, a cultura e as demandas humanas perspectiva consubstancial à formação do pedagogo como um profissional sensível, crítico e inclusivo, que emerge à consciência.

Nesse sentido, oportunizar a formação cultural dos estudantes, possibilitando- lhes o acesso tanto às culturas locais quanto às universais via Universidade, tal como propugnado pelas diretrizes, possibilitaria a ampliação do repertório de experiências, propiciando a análise crítica da sociedade, enfim de ser e estar no mundo.

No artigo 8º trata da distribuição das 3.200 horas, carga mínima de efetivo trabalho acadêmico. De modo que a maior carga horária se destina ao desenvolvimento da autonomia acadêmica, a saber:

I - 2.800 horas dedicadas às atividades formativas como assistência a aulas, realização de seminários, participação na realização de pesquisas, consultas a bibliotecas e centros de documentação, visitas a instituições educacionais e culturais, atividades práticas de diferente natureza, participação em grupos cooperativos de estudos;

O inciso em destaque visa oportunizar a participação, o envolvimento do estudante, propiciando experiências formativas de amplo espectro. Indo ao encontro do pensamento de Adorno (2010, p. 150), “A capacidade da aptidão à experiência consistiria essencialmente na conscientização e, dessa forma, na dissolução desses mecanismos de repressão e dessas formações reativas que deformam nas próprias pessoas sua aptidão à experiência”.

Para que tais experiências sejam factíveis, encontramos no artigo 8º elementos de sua viabilização, mais especificamente no inciso III, que determina:

III - atividades complementares envolvendo o planejamento e o desenvolvimento progressivo do Trabalho de Curso, atividades de monitoria, de iniciação científica e de extensão, diretamente orientadas por membro do corpo docente da instituição de educação superior decorrentes ou articuladas às disciplinas, áreas de conhecimentos, seminários, eventos científico-culturais, estudos curriculares, de modo a propiciar vivências em algumas modalidades e experiências, entre

84 outras, e opcionalmente, a educação de pessoas com necessidades especiais, a educação do campo, a educação indígena, a educação em remanescentes de quilombos, em organizações não-governamentais, escolares e não-escolares públicas e privadas; (Grifo nosso)

Valendo-nos da análise acerca das possibilidades de se fomentar a formação cultural nas Diretrizes Curriculares Nacionais do curso de Pedagogia, enfatizamos seu potencial de articulação com o projeto educacional de resistência à barbárie, de forma a sustentar um diálogo na escola entre seus partícipes, configurando possibilidades de reconhecimento e confronto tanto das necessidades quanto das possibilidades da educação brasileira, tal como defendido por Costa (2013, p. 249), para quem:

É nesse contexto que as experiências formativas se constituem como possibilidade de emancipação dos/as professores/as, tanto para o livre pensar quanto para decidir pedagogicamente sua prática docente/pedagógica. Para tal, faz-se necessário que professores e professoras sejam partícipes de uma rede colaborativa de formação, tendo por objetivo a elaboração e produção do conhecimento na área da educação.

Assim, é mister que a formação cultural possibilite uma educação para o livre pensar, propiciando a participação coletiva na produção do conhecimento e, desse modo, efetivando a práxis emancipatória, rompendo com o círculo vicioso do esvaziamento do conceito, tal como adverte Adorno (2010, p. 151) em relação a um conceito caro para a humanidade, a consciência:

Mas aquilo que caracteriza a consciência é o pensar em relação à realidade, ao conteúdo – a relação entre as formas e estruturas de pensamento do sujeito e aquilo que este não é. Este sentido mais profundo de consciência ou faculdade de pensar não é apenas o desenvolvimento lógico formal, mas ele corresponde literalmente á capacidade de fazer experiências. Eu diria que pensar é o mesmo que fazer experiências intelectuais. Nesta medida e nos termos que procuramos expor, a educação para a experiência é idêntica à educação para a emancipação.

Dados os limites sociais, é preciso considerar que as Leis, Decretos, Convenções e Declarações podem oferecer aportes e subsídios; mas a consciência crítica será possível se constituir nos espaços de formação dos indivíduos. Portanto, tornando-se primordial a formação cultural no bojo da Universidade, como instituição formadora de professores e locus privilegiado de produção e socialização do conhecimento.

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