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Formação Cultural e Educação Inclusiva: estudo sobre o curso de Pedagogia da Universidade Federal Fluminense

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FEUFF Programa de Pós-Graduação em Educação - 1971-2017 Mestrado e Doutorado

Formação Cultural e Educação Inclusiva:

estudo sobre o curso de Pedagogia da

Universidade Federal Fluminense

Erika

Souza

Leme

Niterói

2017

(2)

2 FEUFF Programa de Pós-Graduação em Educação - 1971-2017

Mestrado e Doutorado

Erika Souza Leme

Formação Cultural e Educação Inclusiva:

estudo sobre o curso de Pedagogia da

Universidade Federal Fluminense

Tese apresentada ao Programa de

Pós-graduação em Educação da Universidade

Federal Fluminense, como requisito parcial

para obtenção do grau de Doutora em

Educação.

Orientadora: Profa. Dra. Valdelúcia Alves da Costa

Niterói

Julho/2017

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3

L551 Leme, Erika Souza.

Formação&cultural&e&educação&inclusiva:&estudo&sobre&o&curso&de& Pedagogia&da&Universidade&Federal&Fluminense / Erika Souza Leme. – 2017.

157 f.

Orientadora: Valdelúcia Alves da Costa.

Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal Fluminense. Faculdade de Educação, 2017.

Bibliografia: f. 143-149.

1. Educação. 2. Cultura. 3. Educação inclusiva. 3. Formação de professor. I. Costa, Valdelúcia Alves da. II. Universidade Federal Fluminense. Faculdade de Educação. III. Título.

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4 FEUFF Programa de Pós-Graduação em Educação - 1971-2017

Mestrado e Doutorado

Erika Souza Leme

Formação Cultural e Educação Inclusiva:

estudo sobre o curso de Pedagogia da

Universidade Federal Fluminense

Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do grau de Doutora em Educação.

BANCA EXAMINADORA

_________________________________________________ Profa. Dra. Valdelúcia Alves da Costa (UFF - Orientadora)

_________________________________________________ Prof. Dr. José Leon Crochík (USP)

______________________________________________ Profa. Dra. Mariza Borges Wall Barbosa de Carvalho (UFMA)

_________________________________________________ Prof. Dr. Jorge Najjar (UFF)

______________________________________________ Profa. Dra. Mary Rangel (UFF)

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DEDICATÓRIA

Ao meu pai, Cidão (in memorian), que me ensinou a nunca desistir dos meus sonhos. Minha eterna gratidão! À minha querida mãe, Cida, exemplo vivo de fé e persistência. Ao meu marido, José Luciano, por seu carinho, cumplicidade e inestimável apoio.

Com Fernando Pessoa aprendi a felicidade está fora da felicidade; com você aprendi que ela está ao seu lado. A você dedico este trabalho e, junto com ele, todo meu amor!

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AGRADECIMENTOS

Muito especialmente agradeço à minha querida Profª Drª Valdelúcia Alves da

Costa, orientadora e amiga, que com sua inteligência, generosidade, ousadia,

afetividade e criticidade sempre esteve ao meu lado seja para incentivar ou exigir! Com esse modo especial de ser, propiciou-me a formação para Bildung. Graças a uma interlocução tão intensa e profícua que tivemos no campo intelectual, voltada à humanização, ao espírito, à emancipação e à autonomia, pude viver a formação cultural no doutorado. Durante esses anos cada dia foi único e essa relação ficou marcada porque fomos além com tamanha vontade e emoção que aprendi a importância de ser e estar intensa como fogo que aquece a alma, rememorando Galeano:

"Um homem da aldeia de Neguá, no litoral da Colômbia, conseguiu subir aos céus. Quando voltou, contou. Disse que tinha contemplado lá do alto, a vida humana.

E disse que somos um mar de fogueirinhas.

- O mundo é isso - revelou - Um montão de gente, um mar de fogueirinhas. Cada pessoa brilha com luz própria entre todas as outras. Não existem duas fogueiras iguais. Existem fogueiras grandes e fogueiras pequenas e fogueiras de todas as cores. Existe gente de fogo sereno, que nem percebe o vento, e gente de fogo louco, que enche

o ar de chispas. Alguns fogos são bobos, não alumiam nem queimam; mas outros incendeiam a vida com tamanha vontade que é impossível olhar para eles sem

pestanejar;

e quem chega perto pega fogo."

Serei eternamente grata não só pelo aprendizado da Teoria Crítica da Sociedade, mas também pela sua presença ética e vibrante de viver a vida, sua chama brilha forte, incendiando aqueles a quem guia, contagiando-nos com seu brilho.

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Ao Prof. Dr. José Leon Crochík, cuja presença muito me honra e me torna

privilegiada, por ter meu trabalho avaliado por um prestigioso intelectual e estudioso da Teoria Crítica da Sociedade cuja obra é referência desta pesquisa. Agradeço as valiosas contribuições na banca de qualificação que muito contribuíram à minha formação.

À Profª Drª Mary Rangel, cuja presença desta personalidade emérita da

Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense muito me prestigia. Bem como pelo acompanhamento e estímulo desde a qualificação.

À Profª Drª Therezinha Guimarães Miranda, agradeço por suas pertinentes

contribuições por ocasião de meu exame de qualificação.

À Profa. Drª Mariza Borges Wall Barbosa de Carvalho, com quem já tive o prazer de estar em companhia em outros momentos e por sentir-me honrada com sua presença nesse momento tão importante da minha formação.

Ao Prof. Dr. Marcos Marques de Oliveira, Coordenador do Programa de

Pós-Graduação em Educação da UFF, agradeço imensamente por seu apoio durante meu doutorado e por sua participação em minha banca.

Ao Prof. Dr. Jorge Najjar, meus agradecimentos pela aceitação do convite para

participar de minha banca e por suas bem-vindas contribuições.

À família:

Meu irmão Rodrigo e sobrinhos Gabriel e Luiz Américo por existirem em minha vida.

Pedro e Lucas, pela possibilidade de estarmos juntos nessa vida. À minha Princesinha!!

Às poucas, mas grandes amigas, que conquistei nessa jornada.

Ao querido, José Carlos, cuja grande amizade de longa data não arrefeceu apesar da distância que nos separa.

Aos colegas da UFF, por compartilharmos conhecimentos e experiências valiosas. À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ) pelas

bolsas de doutorado.

A Deus...

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RESUMO

Esta tese tem como objeto de estudo a formação cultural dos estudantes do curso de Pedagogia da UFF. Estabelece-se como problema de estudo a relação da formação cultural com a educação inclusiva como possibilidade humanizadora e de crítica à sociedade. Apresenta como objetivo problematizar as concepções sobre formação cultural (Bildung) e suas contradições face ao empobrecimento da experiência com a cultura e a influência da indústria cultural que conduz mais à pseudoformação que à emancipação. Tendo como locus o curso de Pedagogia da Universidade Federal Fluminense – UFF, discute-se as possibilidades da formação cultural (Bildung) na Universidade como experiência formativa de desenvolvimento da sensibilidade e de resistência ao status quo. Sob o aporte teórico-metodológico da Teoria Crítica da Sociedade, analisa-se a transformação das características emancipadoras da razão em racionalidade instrumental, a qual obstou as possibilidades do pensar e de se viver experiências formativas. Frente a esse estado de coisas, Adorno compreende a experiência com a arte como resistência à lógica da razão instrumental e da indústria cultural por favorecer a formação dos sentidos, possibilitar o pensamento crítico e fomentar um permanente estado de reflexão e autorreflexão, contribuindo à formação humana. A análise apoia-se na análise documental das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia - DCNP (2006), do Projeto Pedagógico de Curso – PPC (2010) e da Matriz do Componente Curricular de Atividades Culturais. Além disso, analisamos as concepções e as experiências vividas pelos estudantes no que se refere à cultura em suas diversas manifestações por meio dos dados coletados por intermédio de um questionário aplicado a 67 estudantes nos anos de 2015-2017 distribuídos nos dois turnos. Esse quantitativo representa cerca de 7% do total de 930 estudantes matriculados no Curso de Pedagogia da Universidade Federal Fluminense/UFF/Niterói em regime integral (manhã/tarde/noite). Os resultados obtidos revelam o quanto a formação cultural pode possibilitar a resistência à dominação dos métodos canônicos de ensino, que obstam a educação emancipadora e, consequentemente, a docência original. Esses resultados são relevantes no contexto social e político contemporâneo, posto que a formação cultural oferecida nos cursos de licenciaturas assume relevância contra a reprodução de práticas docentes baseadas em modelos que reproduzem a sociedade de classes.

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ABSTRACT

This thesis has as object of studying the students’ cultural formation from UFF Pedagogy course. It is in demand the cultural formation relationship with the inclusive education as a possibility of development of the human being. Its objective is to discuss the conceptions about construction of cultural formation and its contradictions in face of impoverishment of experience with culture and the influence of cultural industry that lead to pseudo formation instead of emancipation. Having locus the Pedagogy course in Fluminense Federal University – UFF, some argues the possibilities of cultural formation in the University as a formative experience of sensitive development and of resistant to status quo. Under the theoretical-methodological contribution of Critical Society Theory, it analyses the transformation of emancipation characteristics in reason of instrumental rationality that cuts off the possibilities of thinking and living formative experiences. In front this entire thing, Adorno comprehends the experience with the art as resistance to the instrumental reason logic and the cultural industry for favoring the formation of senses, enabling critic thinking and facilitating a permanent state of reflection and self-reflection, contributing to humane formation. This Analysis is supported on documental analysis of National Curriculum Directive “DCNP” (2006), of the Pedagogical Project of the Course – PPC (2010) and of the Curricular Component of Matrix and Cultural Activities. Besides of this, we analyzed the conceptions and experiences lived by students concerning to culture and its many manifestations by collected data a questionnaire applied to 67 students on 2015 – 2017, distributed in two shifts. This sample represents approximately 7 % of the 930 students enrolled in a full-time (morning/afternoon/night) Pedagogy Course in Fluminense Federal University – UFF/Niterói. The results obtained revealed how much the cultural formation has enabled the resistance to the domination of canonic methods of teaching that become obstacle to emancipating education and consequently the original and social paper of teaching. These results are relevant in social e political contemporaneous context, once the cultural formation offered in the degree courses assumes relevance against reproduction of teaching practices based on methods that reproduce class society.

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LISTA DE FIGURAS

QUADROS

Quadro 1: Formação cultural como objeto de estudo na pós-graduação no ... 26 Brasil

Quadro 2: Disciplinas obrigatórias, optativas e eletivas ... 86 Quadro 3: As disciplinas da Matriz Curricular de Pedagogia da UFF ... 91 Quadro 4: As Atividades Culturais da Matriz Curricular de Pedagogia da

UFF de 2015 ... 95 Quadro 5: A frequência dos estudantes nos espaços culturais ... 102 Quadro 6: O período de tempo no qual os estudantes participaram do

último evento cultural ... 104 Quadro 7: Eventos culturais em destaque ... 104

GRÁFICO

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SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO ... 13

FORMULAÇÃO DA SITUAÇÃO-PROBLEMA ... 17

SOBRE A FORMAÇÃO CULTURAL E EDUCAÇÃO INCLUSIVA À LUZ DA TEORIA CRÍTICA DA SOCIEDADE ... 17

CAPÍTULO I: FORMAÇÃO CULTURAL E SUAS CONTRIBUIÇÕES À EDUCAÇÃO ... 30

1.1 Formação Cultural e Educação ... 30

1.2 Os limites sociais na contemporaneidade: sua materialização na indústria cultural e a pseudoformação ... 36

1.3 Formação cultural: suas possibilidades no desenvolvimento da sensibilidade e na constituição do indivíduo ... 43

CAPÍTULO II – FORMAÇÃO CULTURAL E SUA RELAÇÃO COM A EDUCAÇÃO INCLUSIVA ... 50

2.1 Contradições da sociedade de classes: a vida danificada ... 50

2.2 Educação contra a barbárie: formação - para quê? ... 55

2.3Educação inclusiva e formação do indivíduo: articulação a ser considerada nos Direitos Humanos ... 63

CAPÍTULO III – PERCURSO DA FORMAÇÃO DO PEDAGOGO NO BRASIL... 74

3.1 A formação do Pedagogo na sociedade de classes ... 74

3.2 A base comum nacional para a formação do pedagogo ... 79

CAPÍTULO IV – CAMINHOS PERCORRIDOS PELA PESQUISA ... 85

4.1 Referencial teórico-metodológico ... 85

4.2 Locus do Estudo e Participantes da Pesquisa ... 85

4.3 Procedimentos metodológicos de coleta e análise de dados ... 87

4.3.1 Projeto Pedagógico do curso de Pedagogia da UFF: relação entre indivíduo, formação cultural e educação inclusiva ... 87

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12 4.3.2 A matriz curricular do curso de Pedagogia da UFF:

em foco o componente curricular de Atividades Culturais ... 90

4.3.3 As experiências do indivíduo: identificação das concepções sobre formação cultural e sua presença no âmbito acadêmico ... 98

CAPÍTULO V – AS POSSIBILIDADES DA FORMAÇÃO CULTURAL À PRÁTICA DOCENTE: O QUE REVELAM AS EXPERIÊNCIAS DOS ESTUDANTES DO CURSO DE PEDAGOGIA DA UFF ... 99

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 135

REFERÊNCIAS ... 143

APÊNDICE – Questionário ... 150

ANEXO – Documento do Conselho de Ética da Universidade Federal Fluminense... 154

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APRESENTAÇÃO

Esta tese de doutorado está vinculada ao grupo de pesquisa ‘Políticas em Educação: Formação, Cultura e Inclusão’, sob a coordenação de minha orientadora, Profa. Dra. Valdelúcia Alves da Costa, ligado ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense - UFF, na linha de pesquisa Políticas Públicas, Educação e Sociedade – PPES.

A chegada ao doutorado representa um ponto nevrálgico de uma jornada movida por desafios, sonhos, desejos e inquietações. Ao longo deste percurso, a área educacional foi experienciada e compreendida por alguns matizes; ora como aluna tímida, ora como professora inquieta e reflexiva. Mas, se tais personalidades se apresentam como contraditórias, há algo que as une: a escola! Entender esse nexo não foi fácil, precisou surgir outro matiz, ou seja, a de pesquisadora. Claro que o meu processo de formação não se deu apenas na escola. Mas, nesse momento, é sobre ela que vamos refletir.

Os atos de violência na escola ocorrem e seguem ocorrendo cotidianamente de modo assustador, sobremaneira, pela indiferença ou incompreensão do que estamos testemunhando. Como a Teoria Crítica da Sociedade pode ser considerada como a lupa do míope, trago à tona uma narrativa reflexiva de Adorno (1951, p. 183-184) sobre sua infância na escola:

A rigor eu deveria ser capaz de derivar o fascismo das lembranças de minha infância. Como faz um conquistador em relação a províncias longínquas, o fascismo enviara seus emissários muito antes de fazer sua entrada: meus camaradas de escola. (...) Todos os sinais de catástrofe permanente tinham-me roçado tão de perto, os sinais de advertência do despertar da Alemanha tinham-me marcado de uma forma tão indelével, que fui capaz de identificar cada um deles nos traços da ditadura de Hitler: e, no meu horror tolo, com frequência eu tinha impressão de que o Estado total havia sido inventado especialmente contra mim, para fazer-me sofrer aquilo que na infância – a pré-história dele – eu havia sido dispensado até segunda ordem. Os cinco patriotas que se precipitaram sobre o único colega, espancando-o, e que o difamaram como traidor da classe quando ele se queixou ao professor – não são eles os mesmos que torturaram prisioneiros? Aqueles cuja zombaria era interminável quando o primeiro da turma falhava? Aqueles cuja zombaria era interminável quando o primeiro da turma falhava – não foram eles que com caretas risonhas e um tanto embaraçados, cercaram o detento judeu e caçoaram quando este, de maneira desajeitada, tentou se enforcar?

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14 Subjacente a esta narrativa está a compreensão de que “ A memória é a mais épica de todas as faculdades” (BENJAMIN, 1987, p.210). De tal modo que a frieza típica dos nossos tempos lida com o sofrimento alheio como trágico e fatídico ‘por fazer parte da vida’, desmemoriada. Diante disso, é possível compreender que qualquer semelhança entre as nossas histórias escolares, não é mera coincidência, uma vez que a narrativa de Adorno se refere à consciência reificada e à frieza burguesa. Consequentemente, surge uma inquietação muito cara para todos nós: para quem serve a educação escolar? Essa pergunta parece óbvia, mas não o é, como adverte Adorno, quando esclarece o caráter ambíguo da educação.

A exposição do que fui quando criança na escola traz em si a crítica ao processo de adaptação social, embora necessário, não se trata de um processo formativo crítico. Mas, como surgiu a professora inquieta e reflexiva? Tem relação com a formação escolar? Em quais circunstâncias? Enfim, entender o que, quando e como é um desafio que por ora extrapola os limites desta produção acadêmica, entretanto lanço mão do impulso formativo que tem a ver com as experiências intelectuais que constituem a formação humana, que é o avesso à adaptação, a emancipação.

Do cenário escolar, trago em minhas memórias a presença de poucos professores que não foram autoritários e por isso possibilitaram o pensar, o sentir e a construção do conhecimento. Esses momentos foram tão marcantes que poderia descrever as atividades, as discussões alavancadas e, sobretudo, minhas inquietações sobre as mesmas.

Diante disso, penso que, parte do que sou, foi construída a partir dessas práticas de protagonismo que foram propiciadas na escola. Hoje compreendo que meu sonho por mudanças na escola reflete um turbilhão de experiências para além da mesmice e do pensamento heterônomo, que forja o “pensamento unilateral” (MARCUSE, 1998).

Nesse sentido, pauto essa produção no seguinte questionamento: Educação para quê? (ADORNO, 2010) e, assim, frisar que “A educação tem sentido unicamente como educação dirigida a uma autorreflexão crítica” (Idem, p.121). Isso explica o mergulho em minhas memórias escolares que refletem as possibilidades de se viver experiências intelectuais humanizadoras na escola, tal pensamento constitui o sentido desta produção acadêmica e o de minha vida.

Frente à adaptação como fim em si mesma e à subordinação do indivíduo ao mundo administrado, estruturado pela lógica da produção que se volta à exclusão de indivíduos e grupos sociais que não se adaptam às demandas da produção, se constitui a

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15 formação cultural que se volta à conscientização e à emancipação, embora sem garantias, mas com possibilidades de expressar a vida em suas possibilidades e indeterminações, uma vez que “(...) ser abrangente é prerrogativa daquilo que consegue desenvolver-se em si mesmo, como também deter-se em si mesmo” (LIT, Apud. SCHMIED-KOWARZIK, 1983, p.87).

Assim, esta tese está organizada da seguinte maneira:

No primeiro capítulo sobre Formação Cultural e suas contribuições à educação, são discutidos aspectos conceituais sobre nosso objeto de estudo. De modo que, à luz da Teoria Crítica da Sociedade nos debruçamos sobre a experiência formativa possível na contemporaneidade. Isso porque, na sociedade administrada vivemos sob a pseudoformação generalizada, em que a experiência é objetivada, homogeneizada e fabricada pela cultura para atender às demandas do capital. Diante das relações sociais, culturais e pedagógicas comandadas pela racionalidade técnica, nos voltamos em um exercício do pensamento crítico, à formação cultural (Bildung), que diz respeito à autonomia dos indivíduos. Tal projeto configurou na tradição do pensamento europeu, sobretudo no período do romantismo alemão.

No segundo capítulo, A formação cultural e sua relação com a educação inclusiva, problematizo a estrutura social vigente sem desconsiderar as possibilidades emancipatórias do conhecimento e da razão. Para isso, consideramos as demandas humanas como ponto de referência para a reflexão crítica no presente, sobretudo problematizando a banalização das diferenças, que culminou e culmina em atos bárbaros contra a humanidade. Nesse sentido, por meio da reflexão teórica desenvolvemos conhecimentos e valores em favor à condição humana.

No terceiro capítulo, Percurso da formação do pedagogo no Brasil, no qual ressalto os aspectos político-sociais que perpassam a formação de professores; o impasse verificado diz respeito ao projeto nacional de educação, no qual perdura a condição de privilégios de classe. Diante disso, não se pode ignorar que, embora conjuntural, os limites da formação docente podem ser enfrentados considerando parâmetros mais amplos que norteiam o estado democrático de direito, que reconhece a educação como direito social fundante da cidadania.

No quarto capítulo, Caminhos percorridos pela pesquisa, são apresentados os procedimentos metodológicos de coleta e análise de dados. Nesse sentido, debruço-me sobre o Projeto Pedagógico do Curso de Pedagogia da UFF, bem como sobre a matriz do componente curricular sobre as Atividades Culturais. Para além da análise

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16 documental, é desenvolvida a análise dos dados empíricos obtidos por intermédio da aplicação de um questionário aos estudantes. Sua elaboração tem como objetivo conhecer as relações estabelecidas pelos estudantes sobre suas experiências de formação cultural ocorridas tanto intramuros como extramuros da Universidade Federal Fluminense (UFF). Tal organização tem como referência o pensamento de Adorno (1995), ao esclarecer que as opiniões e os comportamentos dos participantes do estudo são também dados objetivos da pesquisa.

No quinto capítulo, As possibilidades da formação cultural à prática docente: o que revelam as experiências dos estudantes do curso de pedagogia da UFF, em que analiso as experiências dos estudantes com o componente curricular Atividades Culturais, bem como as experiências com a cultura para identificar suas concepções sobre formação cultural e a relação com a educação inclusiva. Sem a pretensão de ter esgotado o tema, bem como de apresentar considerações definitivas acerca das experiências dos estudantes, analiso das narrativas as possibilidades e os limites à formação cultural na sociedade de classes tendo por referência o curso de Pedagogia da UFF.

Nas considerações finais, ressalto as possibilidades reveladas pelas experiências dos estudantes vividas nas Atividades Culturais, oportunizadas pelo curso de Pedagogia da UFF, bem como as relações estabelecidas entre formação cultural e educação inclusiva contra os mecanismos de instrumentalização do pensamento do indivíduo, que reduzem as relações sociais aos seus fins utilitários, pautados nos estereótipos e na indiferença em relação às diferenças humanas.

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FORMULAÇÃO DA SITUAÇÃO-PROBLEMA

SOBRE A FORMAÇÃO CULTURAL E EDUCAÇÃO INCLUSIVA À LUZ DA TEORIA CRÍTICA DA SOCIEDADE

Quanto mais totalitária for a sociedade, tanto mais reificado será́ também o espírito, e tanto mais paradoxal será́ o seu intento de escapar por si mesmo da reificação. Mesmo a mais extremada consciência do perigo corre o risco de degenerar em conversa fiada. A crítica cultural encontra-se diante do último estágio da dialética entre

cultura e barbárie: escrever um poema após Auschwitz é um ato bárbaro, e isso corrói até mesmo o conhecimento de por que hoje se tornou impossível escrever poemas. Enquanto o espírito crítico permanecer em si mesmo em uma contemplação autossuficiente, não será capaz de enfrentar a reificação absoluta, que pressupõe o progresso do espírito como um de seus elementos, e que hoje se prepara para absorvê-lo inteiramente.

(ADORNO, 1998, p. 26)

A afirmação acerca da impossibilidade da poesia e da crítica cultural, após Auschwitz, revela os tempos sombrios em território aporético sob a égide do sistema capital, que dissimula a consciência, a favor da manutenção sistema estabelecido. Mas, por que Adorno se referiu ao poema? Para compreendermos, recorremos a Poe (1999, p. 3), que considera a beleza como a “única província legítima do poema” e como possibilidade de realização estética enfatiza relações entre experiências humanas:

O prazer que seja ao mesmo tempo o mais intenso, o mais relevante e o mais puro é, creio eu, encontrado na contemplação do belo. Quando, de fato, os homens falam de Beleza, querem exprimir, precisamente, não uma qualidade, como se supõe, mas um efeito; referem-se, em suma, precisamente àquela intensa e pura elevação da alma - e não da inteligência ou do coração - de que venho falando e que se experimenta em consequência da contemplação do Belo. Ora, designo a Beleza como a província do poema, simplesmente porque é evidente regra de arte que os efeitos deveriam jorrar de causas diretas, que os objetivos deveriam ser alcançados pelos meios melhor adaptados para atingi-los. E ninguém houve ainda bastante tolo, para negar que a elevação especial a que aludi, é mais prontamente atingida num poema.

Assim procedendo, Adorno chama atenção para a matéria prima do poema que é a beleza. E como encontrar o belo no horror gerado pelo regime nazista? Diante disso, o referido autor desenvolve uma aguda crítica sobre o papel desempenhado pela formação cultural na barbárie dos campos de concentração de Auschwitz. “A exigência que

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18 Auschwitz não se repita é a primeira de todas para a educação. De tal modo ela precede quaisquer outras que creio não ser possível nem necessário justificá-la” (Adorno, 2010, p. 119).

Nesse sentido, a epígrafe demonstra a crítica adorniana à consciência reificada e ao seu caráter manipulatório. Pois, sem a consciência crítica e sem a possibilidade de viver experiências humanizadoras, a humanidade se reduz à luta pela autoconservação. Com efeito, esse estado de autoconservação nos aproxima do totalitarismo, tornado-nos convenientemente adaptáveis ao poder vigente.

Frente à visão maniqueísta de se conceber as relações na sociedade de classes, que produz e reproduz a barbárie em seu aspecto fulcral afrontando o direito à vida, à liberdade e à dignidade humana, urge o questionamento sobre a razão burguesa à luz da Teoria Crítica da Sociedade que, sem o otimismo do iluminismo, questiona a valorização da razão, tendo em vista a barbárie de Auschwitz.

A frieza da racionalidade técnica é problematizada na obra intitulada Dialética do Esclarecimento, cujo cerne é “descobrir por que a humanidade, em vez de entrar em um estado verdadeiramente humano, está se afundando em uma nova espécie de barbárie” (ADORNO & HORKHEIMER, 1985, p.11). A sociedade burguesa, herdeira do Iluminismo, privilegiou o desenvolvimento da razão instrumental em detrimento da razão emancipadora que foi reprimida e atrofiada.

Assim, os esforços estão voltados para o máximo de produtividade, ou seja, ‘trabalhar como um boi’, alcançando as raias da desumanização. Portanto, no mundo administrado pela racionalidade técnica, a primazia é o objeto, ou seja, o mais importante é o mundo objetivo das coisas e tal relação se apresenta também na dimensão subjetiva dos afetos, medos, sonhos e desejos, posto que o que é objetivo no indivíduo é a sua objetividade.

Diante da redução do ser humano à dimensão técnica/instrumental, torna-se fundamental o retorno ao indivíduo e, dentre os desafios a serem enfrentados destacamos a elaboração do medo:

Que o medo não deve ser reprimido. Quando o medo não é reprimido, quando nos permitimos ter realmente tanto medo quanto esta realidade exige, então justamente por essa via desaparecerá provavelmente grande parte dos efeitos deletérios do medo inconsciente e reprimido. (ADORNO, 2010, p. 129)

Nesse processo, a violência pode ser consequência do medo reprimido. Ao elaborar a crítica sobre a própria razão desvelando aquilo que lhe é contraditório, a

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19 Teoria Crítica da Sociedade, mais especificamente a escola da primeira geração1, contribui para o campo educacional ao postular a orientação para a emancipação e a postura crítica no contexto dos limites sociais. Tendo em vista que, para Adorno e Horkheimer (1985, p. 9), o progresso só faz sentido na afirmação da humanidade, de modo que “O pensamento crítico, (...) exige hoje que se tome partido pelos últimos resíduos de liberdade, pelas tendências ainda existentes a uma humanidade real, ainda que pareçam impotentes em face da grande marcha da história”.

Essa perspectiva nos remete a pensar sobre o processo de desumanização perpetuado pela pedagogia, quando isolada do indivíduo:

A desumanização implantada pelo processo capitalista de produção negou aos trabalhadores todos os pressupostos para a formação e, acima de tudo, o ócio. As tentativas pedagógicas de remediar a situação transformaram-se em caricaturas. Toda a chamada “educação popular” – a escolha dessa expressão demandou muito cuidado – nutriu-se da ilusão de que a formação, por si mesmo e isolada, poderia revogar a exclusão do proletariado, que sabemos ser uma realidade socialmente constituída. (ADORNO, 2005, p. 5)

A atenção às exigências econômicas, imediatas, quantitativas e abstratas se sobrepõem às condições necessárias à formação de indivíduos críticos e aptos à sua emancipação social, política, ética e, sobretudo, humana. O que ocorre é que a civilização por meio do progresso científico e tecnológico acumulou conhecimento e riqueza o suficiente para superar a vida restrita à dimensão do trabalho. Entretanto, o trabalho ainda não pode ser superado ou mesmo negado porque dele depende o capital.

Nesse sentido, Adorno e Horkheimer (1985, p. 180) advertem que “A racionalidade técnica hoje é a racionalidade do próprio domínio, é o caráter repressivo da sociedade que se autoaliena”. Esse processo é denominado por Adorno de pseudoformação, ou seja, “É o espírito conquistado pelo caráter de fetiche da mercadoria” (ADORNO, 2005, p.11). Desse modo, a indústria cultural domina o trabalhador em tempo integral, seja pela educação, pelo trabalho ou pelo não trabalho. Em suma, exerce a dominação das relações sociais como um todo, com intuito de entorpecer seus sentidos, como afirmado por Adorno (Idem, p.6):

Por inúmeros canais, se fornecem às massas, bens de formação cultural. Neutralizados e petrificados, no entanto, ajudam a manter no devido

1

Max Horkheimer (1895-1973), Herbert Marcuse (1898-1979), Theodor Adorno (1903-1969), Walter Benjamin (1892-1940).

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20 lugar aqueles para os quais nada existe de muito elevado ou caro. Isso se consegue ao ajustar o conteúdo da formação, pelos mecanismos de mercado, à consciência dos que foram excluídos do privilégio da cultura – e que tinham mesmo que ser os primeiros a serem modificados. Desse modo, o vínculo entre a ação do indivíduo e o mundo objetivo, mediado pela técnica, obsta a relação direta entre os homens e a sociedade a qual pertencem.

Em face das demandas humanas, o desafio posto no âmbito educacional, à luz do pensamento de Adorno, é a crítica à pseudoformação nos espaços educativos, que produz a adaptação dos sujeitos ao status quo, pois “A pseudoformação não se confina meramente ao espírito, adultera também a vida sensorial” (ADORNO, 2005, p.11). Sendo assim, lançamo-nos ao desafio de compreender a formação cultural no âmbito da formação acadêmica dos futuros pedagogos. Pois, conforme Adorno (2010, p.116), no que tange às “Mudanças de fundo exigem pesquisas acerca do processo de formação profissional. Seria preciso atentar especialmente até que ponto o conceito de “necessidade da escola” oprime a liberdade intelectual e a formação do espírito”.

Nesse sentido, a pesquisa se volta ao curso de Pedagogia, a fim de problematizar para além da formação das habilitações profissionais e dos procedimentos pedagógicos, que reflita sobre si mesma, sobre o sentido de seu fazer.

Entendemos que a demanda social influencia de modo ambíguo o processo de formação, pois se de um lado, a expectativa do mundo do trabalho é formar especialistas aptos aos desafios da sociedade de classes, por outro, essa mesma formação revela sua fragilidade, posto que a demanda essencial é a humana, como problematiza Costa (2005, p. 195), para quem “A inclusão está revelando o que é a educação geral: inapta, frágil e ideológica”.

Tal constatação revela a contradição do pensamento moderno que defende a formação especializada para atender aos desafios da educação inclusiva. Essa formação, embora necessária, não pode prescindir da crítica. Caso contrário, se efetiva a concepção de formação como algo meramente técnico e, por conseguinte do professor especialista, perdendo a relação com a formação do indivíduo. Essa compreensão reduzida de formação pode ser identificada com a barbárie, por promover a limitação do indivíduo, ao invés de suas possibilidades, tal como a vida se apresenta: repleta de possibilidades em aberto.

Pela supressão desse pensamento maniqueísta, nos voltamos ao estudo da formação cultural dos professores que, consequentemente, nos remete à discussão da

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21 educação inclusiva, por se amalgamarem no direito à educação de todos os indivíduos, independentemente de sua condição cultural, física, psíquica, intelectual e social. Ou seja, deve prevalecer antes de quaisquer condições específicas a condição de ser humano e, com isso, enaltecermos as demandas individuais inerentes a essa condição suprema, que nos une e que nos possibilita a diferenciação. Assim:

A transmissão da cultura teria de permitir a expressão de necessidades individuais distintas e compartilháveis, destacando-se o universo humano pela identificação dos indivíduos com o que é diferente, como outra possibilidade de expressar o humano. A educação para a competição, contudo, tende a igualar os indivíduos em competências que as máquinas cada vez mais podem exercer. (CROCHÍK, 2011b, p.101)

Considerando a formação cultural como possibilidade de desnaturalizar e problematizar criticamente a própria cultura, problematizamos o processo de formação, a fim de que amplie a percepção de mundo, da vida e, sobretudo, da condição do próprio indivíduo, com vistas a romper com a aridez do espírito.

E nessa conjuntura a esfera educacional, seja na escola de educação básica ou nas instituições de ensino superior, pode representar uma oportunidade de apropriação crítica do conhecimento e do espírito, isso é, além de propiciar, de maneira crítica, o contato com a cultura em suas diversas manifestações, amplia o leque de experiências, bem como a capacidade de relacionar os conhecimentos com a vida.

Essas considerações revelam a complexidade revestida nas práticas pedagógicas dos professores, que deflagram seu processo de formação. Portanto, não podemos desconsiderar as contradições sociais vinculadas ao processo histórico, a fim de que os limites sociais sejam problematizados e enfrentados e, pelo menos, superados no cotidiano escolar por aqueles que exercem a educação.

Tal complexidade foi problematizada no âmbito desta tese na identificação dos desafios e possibilidades da formação cultural, identificadas tanto no Projeto Pedagógico quanto nas concepções dos estudantes do curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense – UFF, campus Gragoatá, em Niterói, levando-se em consideração as questões investigadas e os objetivos propostos para este estudo, a seguir:

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22

QUESTÕES

! Quais componentes do Projeto Pedagógico e/ou da Matriz Curricular do curso de Pedagogia da Universidade Federal Fluminense se voltam à formação cultural dos estudantes?

! Quais as possibilidades formativas presentes nos componentes curriculares sobre Atividades Culturais e Educação Inclusiva do curso de pedagogia da UFF? ! Considerando as concepções dos estudantes do curso de Pedagogia, quais são as

possíveis contribuições das Atividades Culturais à formação dos estudantes e à Educação Inclusiva?

Considerando as questões propostas para este estudo, seguem seus objetivos:

! Analisar a formação cultural proposta pelo curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense - UFF, com ênfase nas Atividades Culturais, no que se refere:

(i) À organização, estrutura e funcionamento do curso, a fim de identificar as experiências humanizadoras e de crítica à sociedade,

(ii) À identificação das relações existentes entre o processo de formação cultural e a educação inclusiva;

(iii) À identificação das concepções dos estudantes sobre formação cultural tendo por referência o componente curricular Atividades Culturais do curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense/UFF/Niterói.

Considerando as questões investigadas e os objetivos propostos para esse estudo, alicerçamos o objeto do nosso estudo: A formação cultural dos estudantes do curso de Pedagogia da UFF, tendo em vista que:

Se é verdade que o pensamento crítico sobre o espírito dominante e o conhecimento real das relações sociais de uma época se interpenetram e sustentam reciprocamente, aquilo que se designa por “Sociologia da Cultura”, uma expressão que, já de si, é suscetível de despertar desconfianças, não deverá esgotar-se no exame do contexto social em que as obras de arte operam e, outrossim, aprofundar o sentido social

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23 das próprias obras e, por conseguinte – e não em última instância – o significado das mercadorias que, hoje, substituem, em grande parte, a autonomia da obra artística. Quer dizer, a arte será tomada como objeto de uma investigação que nela desvende uma inconsciente historiografia da sociedade. (HORKHEIMER & ADORNO, 1956, p. 105)

Como afirma Adorno (1995), que a barbárie é o contrário da formação cultural e “A desbarbarização da humanidade é o pressuposto imediato da sobrevivência. Este deve ser o objetivo da escola, por mais restritos que sejam seu alcance e suas possibilidades” (ADORNO, 2010, p. 117).

A crítica à formação cultural fornece um grande potencial para o pensamento educacional contemporâneo, entendendo a formação como apropriação subjetiva da cultura pelo pensamento crítico. Além disso, buscamos explicitar a sua interface com a inclusão por se tratar de uma formação com princípios humanizadores.

Nesse sentido, uma das questões discutidas refere-se à teoria da pseudocultura e pseudoindividualização, que constituem o conceito de coisificação, o qual Adorno (1995, p. 148) explica contando uma experiência particular pela qual passou enquanto esteve nos Estados Unidos:

Entre os múltiplos e cambiantes colaboradores que passaram por mim no ‘Princeton Project’, encontrava-se uma senhora jovem. Após alguns dias, ela tomou confiança em relação a mim e me perguntou, cheia de amabilidade: “Dr. Adorno, would you mind a personal question?” Eu respondi: “It depends on the question, but just go ahead”. E ela prosseguiu: “Please, tell me: are you an extroverto or an introvert?2” Foi

como se ela, um ser vivente, pensasse de acordo com as perguntas triviais dos questionários [Cafeteria-Fragen aus Questionnaires]. Ela era talvez capaz de se subsumir a si mesma sob tais categorias rígidas e apriorísticas, de modo semelhante a como se observa também na Alemanha, por exemplo, quando as pessoas se classificam pelos signos zodiacais em que nasceram: Mulher de Sagitário, marido de Áries. A consciência coisificada não é de modo algum patrimônio dos Estados Unidos, mas provida pela tendência geral da sociedade. Só que foi ali que eu tomei consciência dela pela primeira vez.

Por meio desse relato de experiência Adorno esclarece que as opiniões e os comportamentos dos indivíduos são também dados objetivos. Sendo assim, essa pesquisa tem como intuito averiguar a distinção entre experiência viva e coisificada em relação à formação cultural e seu potencial emancipador.

Em face de nossa reflexão sobre a (de)formação da consciência e a possibilidade de emancipação por meio da formação cultural, indagamos: a Universidade contempla a

2

“Doutor Adorno, permitiria uma pergunta pessoal? Eu disse: “Depende da pergunta, mas formule-a”. E ela prosseguiu: “Diga-me, por favor, o senhor é um extrovertido ou um introvertido?” (N.T.).

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24 formação cultural dos estudantes tendo como referência um componente curricular? Essa questão ganha relevância na medida em que problematizamos a lógica padronizante da reprodução técnica, na qual o currículo, até mesmo universitário, pode se apresentar. Portanto, como pensar em formação cultural na universidade se a mesma pode se apresentar de modo pontual, fragmentado, como ‘coisa morta’, tal como Adorno (2010, p. 141), considera em suas reflexões sobre a educação. Citando Adorno (2005, p.3):

Quando o campo de forças a que chamamos formação se congela em categorias fixas — sejam elas do espírito ou da natureza, de transcendência ou de acomodação — cada uma delas, isolada, se coloca em contradição com seu sentido, fortalece a ideologia e promove uma formação regressiva.

!

De acordo com as reflexões de Adorno (2010, 2005), sobre a educação emancipadora é que compreendemos a necessidade da formação cultural de professores na universidade para além de um componente curricular. Tendo em vista que, por se tratar de um espaço dialético e dialógico, a Universidade pode adotar encaminhamentos político-pedagógicos que propiciem o alargamento do universo de conhecimento e, por conseguinte, de percepção crítica do mundo.

Embora saibamos que o nosso problema não se reduz ao locus da Faculdade de Educação da Universidade Federal Fluminense/Niterói, pois o mesmo se vincula aos fatores culturais, históricos, políticos e econômicos, entretanto isso não desqualifica a delimitação do objeto da discussão, compreendendo a necessidade de expor seus limites.

Nesse sentido, destacamos o pensamento de Adorno (2010, p. 183), ao afirmar que: “(...) a única concretização efetiva da emancipação consiste em que aquelas poucas pessoas interessadas nesta direção orientem toda a sua energia para que a educação seja uma educação para a contradição e para a resistência”. Quanto a isso, Costa (2002, p. 4) afirma que “A formação dos professores deve abranger o desenvolvimento de sua sensibilidade, para que possam planejar de maneira flexível, adaptando sua prática pedagógica à demanda de seus alunos, considerando para tal novas possibilidades de atuação junto a eles”.

Além disso, consideramos as concepções dos estudantes acerca da formação cultural, de modo que investigar a formação cultural dos estudantes demanda a problematização para além dos aspectos pedagógicos formais, ou seja, reconhecê-los como indivíduos históricos, produtores e produzidos na cultura, não isolados do

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25 contexto social no qual estão insertos; bem como das múltiplas determinações que os constituem como futuros profissionais da educação e, ao mesmo tempo, como indivíduos.

O ESTADO DA ARTE

Circunscritos no diapasão acadêmico, nos lançamos na elaboração do mapeamento da produção científica que, situado em um recorte temporal definido, nos permite conhecer e reconhecer as contribuições dos estudos realizados sobre a temática da formação cultural, com o propósito de delimitar nossa proposta de estudo;

Este estado da arte se refere à leitura dos resumos da produção acadêmica discente dos programas nacionais de pós-graduação stricto sensu, doutorado e mestrado, disponibilizados no Banco de Teses e Dissertações da CAPES3. Para realizá-lo, estabelecemos como critério da pesquisa on-line a palavra-chave: formação cultural, por meio da qual obtivemos o acesso a mil e setecentos e setenta (1770) pesquisas desenvolvidas entre os anos de 2011 e 2012. Vale ressaltar que no período em que realizamos esse levantamento, a CAPES não havia disponibilizado em seu sistema as pesquisas desenvolvidas no ano de 2013. Os dados fornecidos pela plataforma on-line continham os títulos, os resumos, as palavras-chave, a indicação do autor e o ano de defesa do trabalho.

O trabalho de ler uma significativa quantidade de resumos aponta os limites desta pesquisa, pois muitos dos títulos dos trabalhos são difusos e não revelaram indicações do tema em foco, o que demandou a separação da palavra-chave no nosso mapeamento. De modo que, consideramos as pesquisas que versaram tanto sobre formação quanto sobre cultura.

A fim de refinarmos o mapeamento estruturamos nossa análise nos pressupostos teórico-metodológicos da Teoria Crítica, desse modo identificamos apenas catorze (14) pesquisas que lidam com a formação cultural, cujo propósito é o de promover a reflexão acerca da educação crítico-emancipadora.

Para efeito de ilustração, apresentamos o Quadro 1, no qual constam os aspectos pontuais como o referencial teórico, a área de formação e o ano da defesa.

3 Disponível em: http://capesdw.capes.gov.br/?login-url-success=/capesdw/. Acesso na semana de 20 a

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26

Quadro1: Formação cultural como objeto de estudo na pós-graduação no Brasil

TÍTULO DA PESQUISA

E AUTORIA AUTOR(A) ORIENTADOR(A) REFERENCIAL TEÓRICO

TITULAÇÃO ANO

A contradição/conflito entre formação cultural e indústria cultural em Theodor w. Adorno

Paulo Ricardo Schulz.

Dr. Rosalvo

Schütz Teoria Crítica com ênfase no pensamento de Theodor W. Adorno

Mestrado em Filosofia

UNIOESTE/PR 2011

A questão cultural enquanto formação humana: investigando os interesses em disputa nas políticas culturais da cidade de São Gonçalo

Ladyane Gago Ribeiro.

Dra. Maria Tereza

Goudard Tavares Materialismo dialético em Gramsci

Mestrado em Educação

UERJ/RJ 2011

Filosofia como formação: seu ensino no pensamento de Theodor W. Adorno Franciele Bete Petry Dr. Alexandre Fernandez Vaz Teoria Crítica da Sociedade com ênfase no pensamento de Theodor W. Adorno Doutorado em Educação UFSC/SC 2011

A formação nas garras da indústria cultural: o constituir-se professor de Educação Física

Juliana Moreira da Costa Drª. Sandra Soares Della Fonte K. Marx e Escola de Frankfurt Mestrado em Educação Física UFES/ES 2011 "Formação Cultural e ensino de

filosofia: perspectivas a partir da teoria crítica de Theodor w. Adorno" Fernando Lopes de Aquino Dr. Roberto Akira Goto Teoria Crítica da Sociedade com ênfase no pensamento de Theodor W. Adorno Mestrado em Educação UNICAMP/SP 2011 Sociedade do espetáculo e formação humana: mercado, tecnologia e cultura

Weligton Rodrigues da Paz

Dr. Ildeu M. Coêlho K.Marx; Lukács e Debord

Doutorado em Educação

UFG/GO 2011 Educação estética e formação

inicial de professores da educação básica: um estudo hermenêutico do projeto político pedagógico do curso de pedagogia, na modalidade de educação a distância Antonio Carlos Bonzato Afonso Santos

Dra. Margaréte May

Berkenbrock Rosito Teoria Crítica da Sociedade com ênfase no pensamento de Theodor W. Adorno Mestrado em Educação UNICID/SP 2011

A formação cultural dos professores: desafios na prática docente

Waldirene Pereira Araújo

Dr.ª Carmen Lúcia de

Oliveira Cabral. Mikhail Bakthin e Theodor W. Adorno Mestrado em Educação UFPI/PI

2012

Os caminhos da esperança em meio ao progresso do esclarecimento: os novos filhos de Ítaca

Sandra Faria de Resende Nascimento

Dr.ª Kety Valéria

Simões Franciscatti Teoria Crítica da Sociedade com ênfase no pensamento de Theodor W. Adorno e Max Horkheimer Mestrado em Psicologia UFSJ/MG 2012

Filosofia, técnica, indústria cultural: implicações à educação em Theodor Adorno Pedro Rogério Sousa da Silva Dr. Hildemar Luiz

Rech. Teoria Crítica da Sociedade com ênfase no pensamento de Theodor W. Adorno Mestrado em Educação UFC/CE 2012 A estética no pensamento de Theodor Adorno como experiência formativa Rodrigo Ferreira Telles Drª. Luzia Batista de Oliveira Silva Teoria Crítica da Sociedade com ênfase no pensamento de Theodor W. Adorno Mestrado em Educação UNIMEP/SP 2012

Ideologia, educação e literatura: a indústria cultural na interface com a formação da criança

Simei

Araujo Silva Dr.ª Sílvia Rosa Silva Zanolla Teoria Crítica da Sociedade: Adorno, Horkheimer, Marcuse e Benjamin e Teoria Marxiana; Doutorado em Educação UFG/GO 2012

Formação e semiformação nos escritos educacionais de Theodor Adorno Guilherme Costa Garcia Tommaselli Dr. Sinésio Ferraz Bueno Teoria Crítica da Sociedade com ênfase no: Adorno, Benjamin e Marcuse

Mestrado em Educação

UNESP/SP 2012

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27 Theodor W. Adorno Gonçalves Fernandez Vaz Sociedade com

ênfase no pensamento de Theodor W. Adorno Educação UFSC/SC 2012

Os dados apresentados no quadro 1 contribuem com a organização das produções e, sobretudo, nos orientam em relação aos caminhos percorridos pela produção de saber. Nesse sentido, a configuração do estado da arte nos possibilitou identificar a produção acadêmica do conhecimento em relação ao nosso tema de pesquisa, situado em um determinado tempo, iluminando o campo investigativo e revelando os avanços e, sobretudo, os caminhos a serem percorridos e problematizados nesta tese.

Questões provocadas pelo mapeamento: sobre a produção acadêmica

Verifica-se por meio do quadro 1 a pouca produção acadêmica em relação à formação cultural de professores que tem em foco a emancipação do indivíduo por intermédio da formação cultural. Tal constatação vai ao encontro das palavras de Sacristán (2002, p. 14) quando problematiza que “É fato que a necessidade da formação cultural do professor, embora desfrute de certa unanimidade entre membros da academia, tem sido um tema pouco desenvolvido em pesquisas”. E para além do que está posto, buscamos compreender essa constatação por meio da problematização das causas no âmbito dos limites da sociedade do aligeiramento e do consumismo.

A análise dos resumos em tela revela que a maioria privilegiou a formação do indivíduo por meio de pesquisas teóricas ou conceituais. Em seguida, destacam-se os estudos que privilegiaram a formação inicial dos professores das séries iniciais e, apenas um trabalho se volta aos alunos, mais especificamente, ao papel da literatura na educação infantil. Um outro se debruça sobre as políticas públicas de cultura no âmbito municipal e, por fim, um se dedica a formação continuada de professores.

Embora os vieses sejam diferenciados, os trabalhos mantêm o elo entre si no que concerne ao objeto por excelência da Teoria Crítica da Sociedade: o indivíduo. Baseadas nos princípios fundamentais que demarcam esse campo teórico que são a orientação para a emancipação e a postura crítica no contexto dos limites sociais, as publicações se lançam à discussão considerando as dimensões políticas e sociais e, assim, assumem o espaço da produção do conhecimento acadêmico com fins à emancipação do indivíduo.

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28 luz da Teoria Crítica da Sociedade. Entretanto, destacamos a predominância da escrita ensaística e interpretativa, que vai ao encontro do pensamento de Adorno (2003, p. 36), quando explicita que “O que determina o ensaio é a unidade de seu objeto, junto com a unidade da teoria e experiência que o objeto acolhe. O caráter aberto do ensaio não é vago como o do ânimo e do sentimento, pois é delimitado por seu conteúdo”. Isto é, enquanto a ciência positivista põe-se como um conjunto de regras capaz de conduzir o pensamento na tarefa de destrinchar o objeto e reordená-lo de modo mais claro, o ensaio orienta-se pela reciprocidade entre o campo de suas próprias construções e o todo do objeto.

Desse modo, esses pesquisadores rompem com a idealização do conhecimento desvinculando-o das categorias fixas propaladas pela ciência positivista. A esse respeito, Adorno (2003, p. 33) argumenta:

Se a ciência, falseando segundo seu costume, reduz a modelos simplificadores as dificuldades e complexidades da realidade antagônica e monadologicamente cindida, diferenciando posteriormente esses modelos por meio de um pretenso material, então o ensaio abala a ilusão desse mundo simples, lógico até em seus fundamentos, uma ilusão que se presta comodamente à defesa do status quo.

Está análise explicita o confronto entre a Teoria Crítica da Sociedade e a sistematicidade que caracteriza o pensamento cartesiano. “O contemporâneo não seria o ‘agora’ intemporal, mas sim o ‘agora’ saturado com a força do ontem, que não precisaria, portanto, ser idolatrado” (ADORNO, 2003, p. 92). Esclarecendo, desse modo, a distinção entre teoria critica e teoria tradicional, ao destacar a importância da história para a teoria e a necessidade da elaboração de um diagnóstico do tempo presente.

Encontramos também pesquisas que se pautaram nos moldes do Estudo de Caso e da Pesquisa Bibliográfica. Em relação aos procedimentos de coleta de dados, assinalamos a recorrência da observação, da aplicação de questionários semiestruturados, entrevistas e apenas um trabalho desenvolveu o grupo focal e outro realizou a análise documental. Vale ressaltar que em algumas pesquisas esses procedimentos se complementaram.

Por meio deste mapeamento, também pudemos constatar a relevância do tema considerando as regiões do Brasil, sendo a região sudeste mais expressiva com 7 trabalhos acadêmicos e região sul com 3 trabalhos; já nas regiões centro-oeste e

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29 nordeste foram produzidos dois trabalhos em cada uma dessas regiões; o norte do Brasil não registrou na CAPES, até o momento, produção alguma sobre o tema.

Esta curiosa constatação nos faz pensar sobre a cultura nacional no tange ao processo sócio histórico de produção material da vida das classes sociais, que de acordo com a divisão social do trabalho, possuem modos de vida diferentes e, por conseguinte, observam, interpretam e atuam na vida de formas diferentes. Esses resultados remetem a Adorno (1995, p. 189), ao afirmar que “Somente a tomada de consciência do social proporciona ao conhecimento a objetividade que ele perde por descuido enquanto obedece às forças sociais que o governam, sem refletir sobre elas. Crítica da sociedade é crítica do conhecimento e vice-versa”.

Desse modo, a produção do estado da arte, ao mesmo tempo que nos revelou as produções e as discussões acadêmicas, também trouxe à tona as dimensões objetivas e subjetivas que estruturam a sociedade. À luz de nossas reflexões torna-se imprescindível discutir o espectro da educação e formação que se constrói cultural, estético, social, econômica e politicamente.

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30

CAPÍTULO 1

FORMAÇÃO CULTURAL E SUAS CONTRIBUIÇÕES À EDUCAÇÃO

Neste capítulo, à luz das contribuições conceituais da Teoria Crítica da Sociedade, discutimos as esferas que condicionam o indivíduo à cultura, a fim de refletirmos sobre seus princípios e, sobretudo, sobre as possibilidades de emancipação pela formação considerando os aspectos pedagógicos que possibilitam a elevação do nível de consciência e da compreensão das contradições sociais. E, desse modo, estabelecer a resistência na e pela cultura, educação e formação cultural.

1.1 Formação Cultural e Educação

De acordo com Adorno (2005), a formação é a cultura pelo lado de sua apropriação subjetiva e deve se destinar à diferenciação do indivíduo. Nesse sentido, para Adorno (2010), o lugar da escola é o de desenvolver o espírito e o objetivo da educação é o de permitir e desenvolver nossas experiências. Marcuse (1998, p. 153-154), oferece alguns elementos que podem ajudar a elucidar a dimensão cultural na vida:

No centro de minha discussão estará a relação entre o “pano de fundo” (cultura) e o “fundo” (“Grund”): cultura aparece então como o complexo de objetivos (Ziele) (ou valores) morais, intelectuais e estéticos, considerados por uma sociedade como meta (Zweck) da organização, da divisão e da direção de seu trabalho – “o Bem” (“das Gut”), que deve ser alcançado mediante o modo de vida por ela instituído. Por exemplo, o aumento da liberdade pessoal e pública, a diminuição das desigualdades, que impedem o desenvolvimento dos “indivíduos” ou da “personalidade”, assim como uma administração capaz e racional, poderiam ser entendidos como “valores culturais” representativos (negá-los como valores, é algo que se condena oficialmente tanto no Leste quanto no Oeste) para as sociedades industriais avançadas. [...] em outras palavras, cultura é mais do que uma mera ideologia. Em vista dos objetivos que a civilização ocidental declara e da pretensão de realizá-los, definiríamos Cultura como um processo de humanização (Humanisierung) caracterizado pelo esforço coletivo para conservar a vida humana, para pacificar a luta pela existência ou mantê-la dentro de limites controláveis, para consolidar uma organização produtiva da sociedade, para desenvolver as capacidades intelectuais dos homens e para diminuir e sublimar a agressão, a violência e a miséria.

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31 A rigor, a cultura tem o papel de mediar às relações entre o homem e a sociedade e, este papel possui caráter formativo regressivo ou não; isso porque, ela pode dificultar o processo de individuação, isto é, quando o indivíduo não pode se diferenciar da cultura por excesso de identificação, a reproduz impossibilitando a crítica que possibilitaria mudanças, no sentido de torná-la justa, como analisado por Crochík (2011b).

A ausência da crítica, forjada pela mediação social, reproduz um consenso articulado sob as bases de um pensamento unilateral que unifica as matizes políticas, teóricas, ideológicas, de classes e grupos sociais, ou seja, as forças e as tendências unidas em favor da manutenção do status quo.

A possibilidade de se contrapor ao que está posto na sociedade se dá por intermédio da formação e da educação centradas no desenvolvimento singular do indivíduo. Posto que, “Uma das atribuições da educação é tornar os indivíduos diferentes uns dos outros, de modo que a plena socialização deveria se correlacionar à plena individuação” (CROCHÍK, 2011b, p.150). Nesse sentido, enfatizamos a relação entre formação e educação:

Embora as noções de formação e de educação não sejam intercambiáveis, apontam para o mesmo fenômeno. A ideia de formação, em geral, remete à constituição de traços de caráter e de personalidade, enquanto a de educação indica a apreensão de conceitos, valores, normas. Como, no entanto, a concepção de formação cultural remete tanto à educação como ao indivíduo, conceber-se-á, neste estudo, a educação como parte fundamental da formação. Claro que a formação aqui assume o seu sentido amplo, não se restringindo à escola ou a família, mas envolve todas as esferas da vida, além de não ser inteiramente planejada. (CROCHÍK, 2011a, p.278)

Tal reflexão vai ao encontro da análise de Adorno (2005), para quem os processos educacionais não são exclusivos do momento da instrução, transcendendo-o. Portanto, o solapar da formação cultural não é um fenômeno exclusivo da escola, pois atinge todas as dimensões das relações sociais. Pois:

Os sintomas de colapso da formação cultural que se fazem observar por toda parte, mesmo no estrato das pessoas cultas, não se esgotam com as insuficiências do sistema e dos métodos da educação, sob a crítica de sucessivas gerações. (ADORNO, 2005, p. 2)

Assim, para Adorno & Horkheimer (1985), é preciso identificar no próprio desenvolvimento da razão os momentos de dominação que solapam seu ideal de emancipação. Diante disso, Adorno ressalta a importância da educação devido ser “Hoje em dia extremamente limitada a possibilidade de mudar os pressupostos

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32 objetivos, isto é, sociais e políticos que geram tais acontecimentos”, o que faz com que “As tentativas de se contrapor à repetição de Auschwitz sejam impelidas para o lado subjetivo” (ADORNO, 2010, p. 121).

A formação devia ser aquela que dissesse respeito – de uma maneira pura como seu próprio espírito – ao indivíduo livre e radicado em sua própria consciência, ainda que não tivesse deixado de atuar na sociedade e sublimasse seus impulsos. A formação era tida como condição implícita a uma sociedade autônoma: quanto mais lúcido o singular, mais lúcido o todo. Contraditoriamente, no entanto, sua relação com uma práxis ulterior apresentou-se como degradação a algo heterônomo, como percepção de vantagens de uma irresolvida bellum

omnium contra omnes. Sem dúvida, na ideia de formação cultural

necessariamente se postula a situação de uma humanidade sem status e sem exploração. (ADORNO, 2005, p. 4).

Nesse sentido, Adorno (2010, p. 116-117) enfatiza a potencialidade da educação no desenvolvimento do esclarecimento geral sem, contudo, transformá-la na salvadora da pátria, pois o autor reconhece seus limites e por isso compreende suas possibilidades: Mas não se deve esquecer que a chave da transformação decisiva reside na sociedade e em sua relação com a escola. Contudo, neste plano, a escola não é apenas objeto. Enquanto a sociedade gerar barbárie a partir de si mesma, a escola tem apenas condições mínimas de resistir a isto. Mas, se a barbárie, a terrível sombra sobre a nossa existência, é justamente o contrário da formação cultural, então a desbarbarização das pessoas individualmente é muito importante.

Disso, cabe ressaltar que, para Adorno (2005), a subjetividade, ao menos o que resta da sua versão burguesa, se constrói na experiência e no conceito, no conceito de experiência e na experiência do conceito. Essa perspectiva pressupõe a formação que resgate o potencial crítico e formativo da educação, indo ao encontro do conceito de Bildung (formação cultural), em contraposição à educação que se desenvolve na sociedade capitalista, ou seja, a Halbbildung (pseudoformação4). Essa diferenciação denuncia o choque entre a formação humana versus os valores do capital de acumulação e, portanto, de consumismo.

Bildung é uma palavra contextualizada na tradição alemã e não tem equivalente em outras línguas. Sua origem concebe a formação da humanidade como espécie, por isso:

4O termo ‘halbbildung’ é, em geral, traduzido, no Brasil, por semiformação, que se refere a uma

educação “mais ou menos”. Em nosso entendimento, a tradução do termo pseudoformação é mais adequada ao pensamento do autor que argumenta que a educação, tal como a execução de uma partitura musical, não pode ser “mais ou menos”. Desse modo, uma formação pela metade é falsa formação”. (CROCHÍK, 2009a, p. 21).

(33)

33 É um conceito de alta complexidade, com extensa aplicação nos campos da pedagogia, da educação e da cultura, além de ser indispensável nas reflexões sobre o homem e a humanidade, sobre a sociedade e o Estado. É até hoje um dos conceitos centrais da língua alemã, que foi revestido de uma carga filosófica, estética, pedagógica e ideológica sem igual, o que só é possível compreender a partir do contexto da evolução político-social da Alemanha. (BOLLE, 1997, p. 14)

A concepção de Bildung com a qual a Teoria Crítica da Sociedade se compromete se volta ao interior do indivíduo, uma vez que a subjetividade emancipada oportuniza necessidades, representações, desejos e anseios. Diante da impossibilidade de se modificar as condições objetivas da sociedade, é preciso pensar nas possibilidades que a mesma engendra. E, nesse sentido, Adorno (1995, p.106), defende o ‘giro para o sujeito’, que diz respeito ao desenvolvimento da autorreflexão crítica. Nas palavras do autor, “É necessário dissuadir as pessoas de saírem golpeando sem refletir sobre si mesmas. A educação só teria algum sentido como educação para uma autorreflexão crítica”.

Nessa perspectiva, a formação cumpriria seu ato revolucionário de promover uma sociedade democrática com indivíduos livres e diferenciados,

A ênfase na autonomia da interioridade do sujeito era central mesmo para Von Humbolt, na virada do século XIX quando tentou realizar o conceito de Bildung na reforma da educação superior que implementou na Universidade de Berlim. Humbolt refere-se a nada menos do que ‘a unificação da aprendizagem, sabedoria e Arete5’ (...) Numa Kultur desse tipo o resultado final será o desenvolvimento de muitas e diferentes pessoas individualizadas no mais alto grau que estabelecerão uma sociedade mais humana. Também para Herder, a Bildung representa ‘uma orientação principal da totalidade dos humanos (intelecto, desejo e sentido) na direção da totalidade do Ser e esta orientação é feita e desenvolvida por e dentro da história da humanidade. A elevação do indivíduo independente, criativo e autônomo está no coração do projeto. (GUR-ZE’EV, In. PUCCI, 2009, p. 12)

Notadamente, o propósito da Bildung não é historicamente determinado. Na Teoria Crítica da Sociedade ele é mencionado como dentro do quadro da “utopia6” ou

5

Aretê (gr., a perfeição ou excelência de uma coisa). Perfeição ou virtude de uma pessoa. Dicionário de Filosofia Sérgio Biagi Gregório. Disponível em: https://sites.google.com/site/sbgdicionariodefilosofia 6 “Thomas More, pensador britânico do século XVIII, descreveu em um livro um país onde havia a

felicidade, onde todas as crianças, jovens e idosos eram felizes e ele decidiu chamar essa ilha de Ilha da Utopia. Por ser estudioso do grego arcaico, se quisesse escrever lugar nenhum ou impossível, jamais usaria a expressão utopia. Topos, em grego arcaico, significa lugar e se ele quisesse, ao criar o nome desse lugar feliz dizer que ele estava em lugar nenhum, que ela era impossível ou que ela não existia, ele não teria usado utopia, porque o U, em grego arcaico é negação para o tempo e não para lugar. Se ele quisesse escrever lugar nenhum, teria escrito atopia, porque A é negação para lugar. Por isso, a expressão

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