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2.3 A execução penal e suas fragilidades

2.3.1 A busca por soluções para as fragilidades da execução penal

Quanto às ações para buscar soluções para os problemas da execução penal do país, é possível elencar a tornozeleira eletrônica, que foi desenvolvida no fim dos anos 70 pelo Juiz americano Jack Love, que idealizou a invenção de um aparelho para poder vigiar os presos, com inspiração na história em quadrinhos do homem aranha, na qual o vilão fixou um bracelete eletrônico no braço do protagonista, monitorando-o. Então, contratou um engenheiro que desenvolveu um sistema de monitoramento muito parecido com o da história em quadrinhos. Foi o próprio magistrado, em 1983 que testou o protótipo, e posteriormente, cinco detentos passaram a ser fiscalizados através da pulseira eletrônica. Logo outros estados americanos aderiram ao programa.

Os fatores preponderantes para tal uso foram o avanço tecnológico, o aumento no custo da população carcerária, além do uso crescente de prisão domiciliar e do recolhimento noturno. Pode ser utilizada na prisão domiciliar, regime aberto ou semiaberto, e inicialmente, tinha intuito de reduzir a superlotação dos presídios, sem prever qualquer tipo de diferenciação ou classificação dos detentos. A redução de custos pelo uso das tornozeleiras foi muito elogiada, no entanto, devido ao grande número de apenados, os agentes encarregados da fiscalização não supriam tamanha demanda. Então, buscou-se um dispositivo que fosse barato, seguro e que pudesse suprir a falta de agentes para fiscalizar. Porquanto, passou a ser utilizada a vigilância eletrônica em maior escala, monitorando e fiscalizando os apenados em confinamento domiciliar e recolhimento noturno. Paulatinamente, o uso de monitoramento eletrônico foi se difundindo, atualmente é instrumento imperativo aos sistemas de justiça criminal de muitos países.

O dispositivo legal que viabiliza a utilização desse meio tecnológico se formata a partir da Lei nº 12.258/2010, que alterou a Lei de Execução Penal, acrescentando os seguintes itens:

Seção VI

Da Monitoração Eletrônica Art. 146-A. (VETADO).

Art. 146-B. O juiz poderá definir a fiscalização por meio da monitoração eletrônica quando:

I - (VETADO);

II - autorizar a saída temporária no regime semiaberto; III - (VETADO);

IV - determinar a prisão domiciliar; V - (VETADO);

Parágrafo único. (VETADO).

Art. 146-C. O condenado será instruído acerca dos cuidados que deverá adotar com o equipamento eletrônico e dos seguintes deveres:

I - receber visitas do servidor responsável pela monitoração eletrônica, responder aos seus contatos e cumprir suas orientações; II - abster-se de remover, de violar, de modificar, de danificar de qualquer forma o dispositivo de monitoração eletrônica ou de permitir que outrem o faça;

III - (VETADO);

Parágrafo único. A violação comprovada dos deveres previstos neste artigo poderá acarretar, a critério do juiz da execução, ouvidos o Ministério Público e a defesa:

I - a regressão do regime;

II - a revogação da autorização de saída temporária; III - (VETADO);

IV - (VETADO); V - (VETADO);

VI - a revogação da prisão domiciliar;

VII - advertência, por escrito, para todos os casos em que o juiz da execução decida não aplicar alguma das medidas previstas nos incisos de I a VI deste parágrafo.

Art. 146-D. A monitoração eletrônica poderá ser revogada: I - quando se tornar desnecessária ou inadequada;

II - se o acusado ou condenado violar os deveres a que estiver sujeito durante a sua vigência ou cometer falta grave. (BRASIL - LEP, 2010)

Outra iniciativa para a reinserção do indivíduo na sociedade é o Programa Começar de Novo, onde o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) juntamente com o Ministério da Justiça promovem políticas alternativas de execução penal, buscando a aplicação de penas alternativas, que buscam concretizar efeitos mais rapidamente e diminuir a segregação do indivíduo ao encarcerá-lo. O CNJ através programa

Começar de Novo, dirige à integração dos órgãos públicos e da sociedade civil, para originar a simplificação da abertura de postos de trabalhos para detentos e ex- detentos, e ainda promover a capacitação para o trabalho.

O Começar de Novo visa a sensibilização de órgãos públicos e da sociedade civil para que forneçam postos de trabalho e cursos de capacitação profissional para presos e egressos do sistema carcerário. O objetivo do programa é promover a cidadania e consequentemente reduzir a reincidência de crimes. (CNJ, 2019)

Para tanto, o Conselho Nacional de Justiça criou o Portal de Oportunidades, uma página na internet que gerencia vagas de trabalho e cursos de capacitação oriundas de instituições públicas e privadas, ofertando para detentos e egressos do sistema correcional. Ainda, os presos de todo o Brasil dispõe da produção da Cartilha da Pessoa Presa e a da Cartilha da Mulher Presa, que contêm informações de como, por exemplo, impetrar habeas corpus ou redigir petição simplificada de requerimento de algum benefício a que este tenha direito. Explicam também sobre deveres, direitos e garantias dos apenados e presos provisórios. Tais cartilhas estão disponíveis no portal do CNJ e também são difundidas pelo grupo de monitoramento e fiscalização do sistema carcerário dos estados (GMFs).

As empresas que proporcionam cursos de capacitação ou vagas de trabalho aos presos, egressos, cumpridores de penas e medidas alternativas, bem como para adolescentes infratores, o CNJ concede o Selo do Programa Começar de Novo, sendo necessário demonstrar a efetivação dos concursos ou a contratação, bem como demais condições previstas na Portaria do CNJ de nº 49, de 30 de março de 2010.

Comumente, estas políticas são desenvolvidas em locais retirados dos centros urbanos, como exemplo, projeto desenvolvido no Espírito Santo, onde foram alocados cerca de 1600 detentos e ex-detentos em postos de trabalho. Já na Bahia no ano de 2010, foi concretizado o projeto Começar de Novo, através Tribunal de Justiça da Bahia e Governo do Estado, onde foi realizada ação de capacitação de detento e egressos.

No mesmo sentido de promover a reintegração do indivíduo no meio social e do mercado de trabalho, opera a Colônia Penal Agrícola (CPA) em Piraquara/PR, tendo atualmente 1361 detentos do sistema penitenciário paranaense que cumprem pena na CPA, destes, 97,2 % da população carcerária emprega sua mão-de-obra nos 92 canteiros de trabalho e atividades industriais, conservação, manutenção, cozinha, olaria, agropecuária, rouparia, barbearia, e construção civil. No interior da área da Colônia Penal, há uma fábrica de contêineres e de reforma de chassi de caminhões, onde os 40 funcionários/detentos que trabalham ali, ganham 70% do salário mínimo e remindo um dia de pena a cada três dias trabalhados.

Há também o Projeto Pintando a Liberdade, que absorve mão-de-obra de 20 internos na fabricação de bolas de futebol de campo e de salão, redes esportivas e bonés. O projeto é uma iniciativa do Ministério do Esporte e Turismo com objetivo de promover as atividades esportivas dos menores carentes. Comporta também Auto Capas e Capotas Felipe Ltda., que produz capotas para todos os tipos de pick-up nacionais e importadas, redes para caçambas, capas para carros, capas marítimas, sacos de areia para carrocerias. Além do Flexi Office Store, industrialização e pintura de aglomerado de fibra de madeira de média densidade, em peças para móveis de escritório. Estes detentos fizeram um curso de dois meses no SENAI, para aprender o ofício de soldador. Agora, especializaram-se também na parte elétrica dos caminhões que reparam, de ferramentaria, e desenvolvem outras atividades necessárias ao bom funcionamento da fábrica. Quando terminarem de cumprir suas penas, estarão aptos a ingressar no mercado de trabalho com boa experiência.

A partir dos modelos trazidos anteriormente, é possível observar que já existem projetos em busca de aperfeiçoamento da execução penal, para que o consequência do cumprimento da sanção penal seja um cidadão quite com a sociedade e consciente da função pela qual a medida repressiva é aplicada. Um pesar que a situação fática em geral divirja tanto desses bons exemplos, ocasionando degradação moral e abalo à dignidade do indivíduo que precisa saldar sua dívida para com o sistema jurídico social.

3 VIOLÊNCIA, (IN)SEGURANÇA E CRIME NO BRASIL: UM CENÁRIO DIFÍCIL

A partir de agora, passaremos a avaliar a realidade de violência alarmante que assola o país. Em virtude de que o Brasil tem extensão territorial continental, além da diversidade resultante do processo colonizatório multiculturalista, resta dificultada uma padronização analítica, já que apresenta grande variação estatística até mesmo dentro das macrorregiões, mas ainda assim, comparar-se-ão parâmetros baseados em dados oficiais relativos aos registros efetuados pelos órgãos competentes.

Não há de se falar em sensação de segurança na percepção do brasileiro, pois a maior fração populacional vive nos grandes centros, onde se constata a situação caótica enfrentada quando se está diante da temática de segurança pública. Um complicador nessa equação é a crise financeira que o país enfrenta nos últimos anos, que demanda redução drástica nos investimentos em aparato operacional das polícias, incluindo equipamento e contratação e aperfeiçoamento de material humano, assim como no poder judiciário, para que o iter processual possa transcorrer de maneira mais célere, respeitando a duração razoável do processo e a concretização de medidas realmente necessárias de encarceramento ou medidas diversas que possam reaproximar o infrator da correção de atitudes e da vida em comunidade de maneira ordeira e pacífica. Ainda nesse aspecto da escassez de investimento, vemos como o principal ponto negativo quando se faz a relação causa/efeito: estrutura precária e insuficiente da educação da criança e do jovem no país, pois não há de se falar em dissociação da criminalidade em relação à dificuldade de acesso ao ensino de qualidade, seja ele básico, médio ou profissionalizante, proporcionando a geração de oportunidade de crescimento pessoal e profissional, afastando o indivíduo da marginalização.

Como visto no Capítulo 2, item 2.1 deste trabalho, os percentuais mais expressivos se revelam quando analisada a escolaridade do detento, representando a maioria de 52,27% destes com formação fundamental completa, destoando imensamente do índice de 13,72% de presos que completaram o ensino médio, não

sendo possível a análise com exatidão em relação aos que atingiram a graduação. (CNJ, 2018)

Ressalte-se que não é exclusiva a relação entre a baixa escolaridade e a criminalidade, mas irrefutável que as oportunidades de aprimoramento cultural e educacional do indivíduo trazem-lhe benefícios no tangente à colocação junto ao mercado de trabalho, deixando-o menos exposto a situações de vulnerabilidade financeira e consequente necessidade que o leve a cometer crimes de cunho patrimonial ou associação ao tráfico, que representam a grande maioria de presos no sistema penitenciário atualmente.

Conquanto, atitudes paliativas isoladas visando a responder a determinada demanda de forma célere vêm demonstrando a fragilidade no planejamento estratégico a médio e longo prazos, principalmente quando se referem ao crime organizado, que pouco encontra limitação de recursos, muito menos de burocracia na execução do suas rotinas. O Poder Público tem pecado no concernente à articulação e coordenação das suas forças de segurança, deixando de agir de maneira integrada, o que viabilizaria mais poderio informação e troca de experiência entre si, evitando situações de desencontro como se observa de forma corriqueira.

Muito bom exame encontra-se no Atlas da Violência (IPEA, 2018), que alinha- se à ideia de necessidade de cooperação para obtenção de resultados melhores:

Nossa Carta Magna diz que segurança é condição basilar para o exercício da cidadania (art. 5º) e é direito social universal de todos os brasileiros (art. 6º). Sendo assim, é em torno destes comandos que precisamos analisar o quadro das respostas públicas frente ao medo, à violência, ao crime e à garantia da cidadania. Por esse conceito, percebemos que as instituições públicas responsáveis por prover justiça criminal e segurança, bem como garantir os direitos, trabalham muito, mas fazem isso quase sem nenhuma coordenação e articulação. Cada uma atua em uma direção e sem convergência de metas e de processos; sem que uma política criminal baseada

nos comandos constitucionais citados seja efetivamente

implementada. (IPEA e FBSP, 2018, p. 88)

Em decorrência da ineficácia das ações de segurança pública em relação às demandas de violência e criminalidade, a população tem a sensação de insegurança

muito latente, gerando até uma espécie de histeria coletiva, onde o medo passa a respaldar falas radicalizadas e ideologizadas, balizando excessos e relativizando as garantias e direitos em detrimento de um mínimo de segurança.

Não se escusa, no entanto, o indivíduo infrator de suas responsabilidades para a construção de uma sociedade pacífica e justa, pois mesmo que houvesse um gigantesco e primorosamente equipado aparato para servir como braço do Estado, não seria suficiente para conter o animus criminis do delinquente, exigindo-se uma postura preventiva por parte do Poder Público, com investimento em estrutura educacional robusta, economia sólida que propicie a oferta regular de vagas de emprego, porém mantendo-se o poder repressivo-punitivo em condições de sancionar adequada e proporcionalmente a conduta infracional. Posicionando opinião neste sentido, há passagem no apêndice da obra dos Promotores de Justiça Diego Pessi e Leonardo Giardin de Souza:

O problema todo é que essa rotulagem é desconectada da estrutura da realidade. Sim, para escândalo das mentes (de)formadas que essa mentalidade mesma tem construído há alguns séculos, a condição humana não é apagada por uma conduta brutal ou bárbara. Hitler é humano. Stalin é humano, tão humano quanto você, São Francisco de Assis, o Santo Padre Pio, Nietzsche e todos animais racionais que andaram, andam e andarão pela crosta terrestre e pelo espaço sideral desde o surgimento do primeiro homo sapiens. Os atos de um santo e os atos de um assassino em série ou de um genocida são atos humanos. Não há necessariamente vantagem em ser “humano”. Ao contrário: há nisso uma enorme carga de responsabilidade. Porque, dependendo de como fazemos uso da racionalidade que nos diferencia dos animais, podemos operar maravilhas quase divinas ou provocar danos infinitamente superiores aos que pior das bestas-feras seria capaz. (2017, p. 228-229)

Tal contraponto é importante quando confronta a situação cotidiana e a teoria jurídica, pois em muitos casos, não se trata de falha do sistema por si só, mas uma junção de fatores que incluem a determinação do sujeito em delinquir e questões socioambientais, necessitando de análise casuística profunda para a tomada de providência adequada, sem tornar a atuação jurisdicional do Estado, algo injusto à causa-efeito das ações do indivíduo infrator.

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