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3 AS TRANSFORMAÇOES SOCIOESPACIAIS DO LIMPOPO

3.4 IMPLICAÇOES DO PARQUE NA COMUNIDADE

3.4.3 A Caça Furtiva

A chegada dos rinocerontes brancos no parque atraiu para a região compradores de peças dos animais selvagens, tendo desencadeado um negócio milionário de caça furtiva. De acordo com a Fundação Parques da Paz (2013), o comércio ilegal de animais selvagens e produtos da fauna e da flora selvagens a nível mundial constitui o quarto maior comércio ilegal depois do narcotráfico, falsificação de produtos/moeda e tráfico de pessoas, e está estimado em um valor mínimo de 19 bilhões de dólares por ano. Ainda de acordo com a Fundação, destaca- se que a caça furtiva ameaça a existência futura de espécies inteiras, devasta comunidades já vulneráveis, impulsiona a corrupção e mina os esforços para reduzir a pobreza.

De acordo com o líder da aldeia, os caçadores furtivos são jovens residentes da aldeia, de famílias pobres e sem oportunidades, que, a mando de desconhecidos, abraçam a caça. O líder conhece os indivíduos envolvidos no negócio e afirmou que tem desaconselhado a prática em particular junto aos jovens, mas não consegue dissuadí-los.

“Choramos muito por causa da caça furtiva, perdemos nossos filhos. É o problema do dinheiro, as pessoas querem ser ricas, é isso. Não há emprego, não cai chuva, a conversa é sobre caçar para ter dinheiro, comprar carro e mais nada. Porque se houvesse emprego iam ficar lá para diminuir essas coisas” (Líder da Comunidade, entrevista realizada em janeiro de 2020).

Outros que também abraçaram o negócio foram antigos caçadores, membros da Polícia da Republica de Moçambique (PRM) e funcionários do parque.

Em 2010 todos os rinocerontes brancos tinham caído nas mãos dos furtivos, do mesmo modo mais outros 117 rinocerontes negros (FUNDAÇÃO PARQUES DA PAZ, 2013). A partir de 2011 os rinocerontes começaram a entrar em via de extinção no Parque Nacional do Limpopo e as atenções dos furtivos viraram para a caça de elefantes, que continuam sendo abatidos até a atualidade (FUNDAÇÃO PARQUES DA PAZ, 2013).

A facilidade com que os furtivos operavam gerou um conflito entre as partes Moçambicanas e Sul Africanas, onde a parte sul africana ameaçava a parte Moçambicana de recolocar as vedações e desfazer cláusulas do Tratado do Xai-Xai.

De acordo com o a Fundação Parques da Paz (2020), entre 2008 e 2013, a polícia e o exército da África do Sul mataram 279 moçambicanos residentes em diversas aldeias existentes no parque e ao redor de vilarejos vizinhos, por envolvimento na caça ilegal, e mais de 300 outros moçambicanos foram detidos entre 2008 e 2012. Ainda segundo dados da Fundação Parques da Paz, na província de Gaza, nos últimos 5 anos (2015-2019), morreram mais de 118 pessoas e 500 cumprem penas em Moçambique e na África do sul por envolvimento com a caça ilegal.

Apesar desses números, o negócio da caça ilegal continua prosperando em Moçambique, devido à falta de oportunidades e as insignificantes recompensas financeiras geradas pelo setor do turismo (20%), além do cerceamento no uso de recursos naturais, como a caça e a pesca. Além disso, destaca-se também o não cumprimento das promessas acordadas em relação ao desenvolvimento sustentável e à melhoria de condições de vida da comunidades.

Em entrevista, o fiscal do parque lembrou com tristeza do seu dia de glória como fiscal:

Um dia eu peguei um caçador furtivo que acabava de matar um rinoceronte, na hora imobilizei-o e depois o prendi. O caçador olhou para mim e perguntou quanto eu queria para deixa-lo ir. Estávamos sozinhos no mato. Foi um teste básico da minha integridade pois tratava-se de muito dinheiro. Me mantive firme. Olhei para ele e disse que não ia me corromper, que ele iria para a cadeia. Levei-lhe para o escritório do parque onde foi cumprido todo o procedimento burocrático e feita a transferência do indivíduo para as celas da polícia.

Dias depois o fiscal encontrava-se a beira da estrada junto com outras pessoas em busca de carona para ir para vila, visto que na região não tem sistema de transporte público. E neste momento parou uma viatura nova, de luxo, de matrícula estrangeira. E, para a sua surpresa, o fiscal depara-se com o mesmo caçador que havia prendido. Sorrindo ele olhou para os que pediam carona e disse, para que todos subissem no carro exceto o fiscal. Transtornado, ele perguntou como foi que conseguiu sair tão rápido da prisão, ao que o caçador respondeu

“queria te dar muito dinheiro naquele dia mas você negou, e veja saí mahala30 da prisão, só

paguei 80.000MT [que corresponde a R$5.35031] e me soltaram”, disse ele. Vendo que a hora avançava e que o jovem ficaria ali na estrada, o caçador furtivo resolveu dar carona ao fiscal (Italó32, entrevistada realizada em Janeiro de 2020).

Os rinocerontes são muito procurados na região devido ao seu valor comercial, maior inclusive que o valor pago por elefantes. Houve um tempo em que o que mais procuravam era os elefantes, porém o preço do rinoceronte é mais alto que o elefante. Um quilo de marfim custa no mercado ilegal dez mil reais, preço muito baixo se comparado ao do rinoceronte.

Um quilo de pó de corno de rinoceronte custa no mercado ilegal cem mil reais, e dependendo da idade do animal o corno chega a pesar acima de 21 quilos (Zobo33, entrevista realizada em fevereiro 2020). Estes valores altos tem seduzido os jovens na aldeia e feito com que deixem o pastoreio para começar no negócio de caça ilegal.

Em conversa com operadores de turismo na região, a dona do maior estabelecimento turístico no exterior do parque, fez uma retrospectiva do turismo e afirmou que, na era dos rinocerontes, os estabelecimentos andavam sempre superlotados, foi a época do maior faturamento para muitos na região. Os caçadores movimentavam grandes somas de dinheiro. Eles conseguiam alugar todo o estabelecimento, só para os que também tinham dinheiro não terem onde ir gastar, dado aos escassos espaços de lazer existentes na região. A entrevistada relatou, rindo, que muitos ostentavam o dinheiro, amarrando-o como quem amarra gado e levando uma vara, batiam nele dizendo “vou te gastar aonde hoje, diga, vou te gastar aonde” (Zobo, entrevista realizada em fevereiro 2020).