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Colonizar, desde o período colonial até o contemporâneo, foi um desaio, um obstáculo a ser vencido pela Nação, devido aos dispêndios inanceiros e às grandes proporções do território brasileiro. Da transição do Brasil Colônia ao Império a garantia da posse das terras era feita por meio do apossamento, isto é, da ocupação da terra, pois não havia uma legislação que regulamentasse a sua posse. A partir de 1850, a Lei de Ter- ras teve o objetivo de “pôr ordem na confusão existente em matéria de propriedade rural, determinando que, no futuro, as terras públicas fossem vendidas e não doadas, como acontecera com as antigas sesmarias [...]”

(FAUSTO, 2004, p. 196). Assim, passou a vigorar o critério da compra e não mais do apossamento (CARLI, 2005, p. 31).

Com a proclamação da República, em 1889, e a promulgação da Constituição, em 1891, Carli airma que “os Estados iniciaram movimen- tos em busca do desenvolvimento vinculado de núcleos coloniais” (2005, p. 32).

Vasconcelos elucida a estrutura de órgãos criados para promover a colonização, como “a Repartição Geral de Terras Públicas, primeiro órgão do governo central, criado em 1854, com o objetivo de tratar dos assuntos ligados ao povoamento e à colonização” (1986, p. 9). Em 1876 foi criada a Inspetoria Geral de Terras e Colonização; já em 1892 surgiu a Diretoria de Obras Públicas, Terras, Minas e Colonização; e em 1909 criou-se o Serviço de Povoamento.

Na década de 1930, outros órgãos foram estabelecidos, como o Departamento Nacional de Povoamento, em 1931, e a Divisão de Terras e Colonização, do Ministério da Agricultura, em 1938, que “atuou durante 16 anos e implantou vários núcleos coloniais, dentre os quais se destaca- ram as Colônias Agrícolas Nacionais em vários Estados, como a Colônia Agrícola Nacional de Goiás - CANG - e a de Dourados, em Mato Grosso. Em 1954, foi criado o Instituto Nacional de Colonização – INIC, com o objetivo de “traçar e executar, direta e indiretamente, o programa nacio- nal de colonização” (VASCONCELOS, 1986, p. 10)4. O INIC absorveu

os três departamentos federais que haviam previamente repartido a res- ponsabilidade nesse campo: o Conselho de Imigração e Colonização, a Divisão de Terras e Colonização (DTC), do Ministério da Agricultura, e o Departamento Nacional de Imigração, do Ministério do Trabalho (FO- WERAKER, 1982, p. 179).

4 Segundo Vasconcelos (1986, p. 10 e11), posteriormente foram criados: em 1962 a Supe- rintendência de Política Agrária (SUPRA), que absorveu as atribuições do INIC; em 1964 criou-se o Instituto Brasileiro de Reforma Agrária (IBRA) e o Instituto Nacional de De- senvolvimento Agrário (INDA); em 1970 o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), sendo extintos o IBRA e o INDA.

É importante situar o contexto logístico federal no qual estava inse- rida a CAND: a Colônia pertencia à Divisão de Terras e Colonização e, a partir de 1954, passou a ser de responsabilidade do INIC, ambos perten- centes ao Ministério da Agricultura.

O fato de a CAND estar inserida no contexto de vários mandatos presidenciais é esquecido pela historiograia, e o mesmo ocorre em relação aos governos estaduais. No período estudado (1943-1960), a CAND per- passou pelo mandato de seis governadores, sendo alguns deles intervento- res federais. A Colônia foi criada na administração de Júlio Strubing Mül- ler (1937-1945), interventor federal nomeado por Getúlio Vargas durante o Estado Novo. Com a eleição do presidente Eurico Gaspar Dutra foram nomeados dois interventores que governaram o Estado de Mato Grosso por um período reduzido: Olegário Moreira de Barros (1945-1946) e José Marcelo Moreira (1946-1947), que promoveu eleições estaduais (GUI- MARÃES e CAMPESTRINI, 1991). Depois assumiu Arnaldo Estevão de Figueiredo (1947-1950) e, posteriormente, os governadores Fernando Correa da Costa (1951-1955) e João Ponce de Arruda (1956-1961). É im- portante destacar que, no levantamento das fontes escritas, grande parte é proveniente da vigência do governo de Fernando Correa da Costa.

As terras devolutas do Estado de Mato Grosso somavam milhares de hectares; as terras, porém, não eram produtivas, o que diicultava o desenvolvimento econômico do Estado, tornando-se um desaio para os governadores. A im de sanar o problema, uma série de órgãos surgiu em Mato Grosso para implementar o povoamento. Na esfera estadual foi cria- da, em 1931, a Delegacia Especial de Terras e Obras Públicas, em Ponta Porã, com jurisdição sobre os municípios de Ponta Porã, Entre Rios (atual município de Rio Brilhante), Campo Grande, Coxim, Aquidauana, Miran- da, Porto Murtinho, Bela Vista, Nioaque e Maracaju. Em 1935 a Delegacia foi extinta; em 1947, porém, por meio da Lei 71, foi “recriada” a Delegacia Especial de Terras5. Simultaneamente foi criado, em 1946, o Departamen-

to de Terras e Colonização. Dessa forma, na década de 1940, eram dois os órgãos estaduais responsáveis por prover a colonização.

Concomitante aos departamentos públicos, uma legislação perti- nente à colonização também foi elaborada. Foram promulgadas duas leis relevantes: a Lei 238, de 13/12/48, que incentivava a venda de terras de- volutas; e a Lei 336, de 6 de dezembro de 1949, que criava o Código de Terras do Estado, que “regularizou a transferência de terras devolutas para o domínio de particulares. A justiicativa também passava pelo fato de que, assim fazendo, ao vender terras a particulares, aumentava-se a receita dos cofres estaduais” (LAMOSO, 1994, p. 43). Com a coexistência de uma legislação e de um aparelho estatal especíicos, teve início o processo de colonização estadual.

A colonização dirigida, ou controlada, é considerada por Octavio Ianni (1979) como uma contrarreforma agrária, pois impede que o agri- cultor promova uma ocupação espontânea de grandes latifúndios, o que resultaria na necessidade de reforma agrária. Vale enfatizar que a coloni- zação estadual é caracterizada como dirigida, dividida em duas modalida- des: oicial, na qual o governo estadual era o encarregado de colonizar, e particular, em que as pessoas físicas e empresas particulares eram as res- ponsáveis pela colonização. Na modalidade particular o governo estadual contribuía de forma secundária, com a implantação de estradas e amplia- ção da rede elétrica (CAMPOS, 1969). Lamoso (1994) detalha as quantias de terras oferecidas para a colonização particular, onde os lotes variavam entre 20 e 200.000 ha. a serem oferecidos a pessoas físicas e companhias particulares. Grandes porções de terras foram vendidas a empresas coloni- zadoras que formaram núcleos coloniais. A autora ainda esclarece como se deu o processo da colonização particular, que superou a colonização oi- cial “[...] no período compreendido entre 1943 e 1964 foram efetivamente implantadas no Estado de Mato Grosso, trinta e duas colônias agrícolas,

de 1º de janeiro a 31 de dezembro de 1954, assinado por José Villanova Torres, diretor. APMT.

sendo treze oiciais e dezessete promovidas por Companhias particulares” (1994, p. 46).

Vasconcelos (1986) caracteriza dois momentos no processo de co- lonização estadual na década de 1950, sendo que o primeiro corresponde ao governo de Fernando Correa da Costa (1951-1955), quando o governo vendeu terras a empresas e a particulares. Campos também airma a venda intensa de terras nesse período: “a intensiicação da venda de terras devo- lutas, os contratos de colonização e medidas ains, [...] foi a grande realiza- ção do governo de Fernando Correa da Costa” (1969, p. 24). Já o segundo momento corresponde ao governo de João Ponce de Arruda (1956-1961), que cumpriu os contratos que haviam sido estabelecidos anteriormente.

A iniciativa estadual de colonizar baseada em políticas e legislação especíicas foram uma constante na década de 1950, mesmo regida por governadores diferentes, como airma Vasconcelos. É importante obser- var que a venda de terras devolutas não tinha apenas o objetivo de pro- mover a colonização, o povoamento, mas aumentar a produção agrícola e consequentemente o desenvolvimento econômico. As terras devolutas foram usadas em favor das negociatas políticas, resultado de um aparato estatal corrupto e incipiente que não coibia as irregularidades na venda de terras do Estado de Mato Grosso.

É o que demonstra o Relatório do Departamento de Terras e Co- lonização sobre as atividades referentes ao ano de 19546. As deiciências

administrativas eram diversas, como a extensão territorial e a diiculdade na comunicação que acarretavam a centralização administrativa. O rela- tório elaborado pelo diretor do Departamento de Terras e Colonização sugeria “a divisão do Estado em distritos [...] a exemplo do que foi feito no Paraná”, a im de facilitar a iscalização. Ainda segue o Relatório com graves denúncias sobre a venda das terras devolutas:

Pouco conhecido como é o território do nosso Estado, tem este Departamento que se louvar, para os seus pareceres, única e exclu- sivamente, nas informações dos senhores engenheiros e agrimen- sores encarregados das medições.

Não dispondo o Estado de um cadastro e nem mesmo de cartas precisas de seu território, pelas quais possa, conferindo os traba- lhos que lhe são apresentados, saber se exprimem ou não a expres- são da verdade, basta que sejam tais informações dolosas para que esteja o Estado a endossar um crime contra o seu próprio interesse [...] (p. 7).

Um aparato estatal frágil possibilitou a especulação fundiária por parte da elite política aliada a grandes empresas. Lenharo (1986b) airma que “Nos idos dos anos 50, grupos de políticos locais, de fora, grupos econômicos formaram uma ciranda de alianças empresariais e eleitorais cujo jogo principal incidia no controle da distribuição das terras devolutas do Estado” (p. 53).

1.2. A Colônia Agrícola Nacional de Dourados, os colonos e a histo-