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O Decreto-Lei nº. 5.941, que criou a CAND em 28 de outubro de 1943, estipulava que “A área demarcada não será inferior a 300.000 (tre- zentos mil) hectares”, sendo implantada em terras do Território Federal de Ponta Porã. Como esse Território Federal foi extinto em 1946, coube ao governo estadual reservar a mesma área para a CAND. Legalmente isso ocorreu por meio da Lei 87, sancionada em julho de 1948 pelo governador Arnaldo Estevão de Figueiredo, que estabelecia de modo claro e preciso os limites geográicos da Colônia, visto que o Decreto 5.941 não delimitou a localização da futura Colônia Agrícola em terras pertencentes ao Estado de Mato Grosso. Segundo o Artigo 3º, a área demarcada teria os seguintes limites:

Partindo da conluência do córrego da Picada no rio Dourados, pela margem esquerda e subindo pelo referido córrego de Picada, até sua cabeceira, deste ponto, segue pelas divisas das proprieda- des de Ciro Melo e outros até encontrar a cabeceira do córrego Laranja Lima, pelo córrego Laranja Lima abaixo até a barra com o córrego Laranja Doce, daí pelo Laranja Doce abaixo até a sua con- luência com o rio Brilhante, pelo rio Brilhante acima até a barra do córrego Panambi, pelo córrego Panambi acima, dividindo com terras da Colônia Municipal de Dourados, até a sua cabeceira, daí pela divisa das terras de Aral Moreira até a conluência dos córre-

gos Barreirinho e Saltinho, daí pelo Saltinho acima até encontrar a linha do Patrimônio de Dourados e seguindo por essa divisa até a cabeceira do Engano, pelo córrego do Engano abaixo até a sua barra no rio Dourados, daí pelo rio Dourados abaixo, até a sua conluência do córrego S. Francisco, pela margem direita, daí segue pelo córrego S. Francisco acima à sua cabeceira, daí por uma linha seca até encontrar a cabeceira do arroio Formosa, daí, por esse arroio abaixo até a barra com arroio 14 de Maio, deste ponto pelo rio Guirai abaixo até a barra do arroio Pirajuí, pelo arroio Pirajuí acima até sua cabeceira, daí este abaixo até a sua conluência com o rio Ivinhema, pelo Ivinhema acima até sua conluência com o rio Brilhante acima, até sua conluência com rio Dourados, pelo rio Dourados acima até a barra do córrego da Picada, pela margem esquerda, ponto da partida (apud GRESSLER E SWESSON, 1988, p. 90).

No processo de medição, os engenheiros constataram uma área muito acima de 300.000 hectares, que se tornou alvo de requerimentos por parte de terceiros. Segundo Relatório do Instituto Nacional de Colo- nização e Reforma Agrária – INCRA, de 1984 10, foi demarcada uma área total de 409.000 hectares, isto é, um excedente de 109.000 hectares, visto que a legislação federal em 1943 reservou para a CAND uma área não inferior a 300.000 hectares. Esse excesso de terras foi causa de litígios e de especulação.

O Relatório do INCRA, intitulado “Histórico do Projeto Fundiário de Dourados” (1984) esclarece que “Daquela área total de 409.000 ha, a Colônia icou reduzida pra 267.000 ha, dividida em duas parcelas distintas: 1ª zona ou parcela, 68.000 ha; 2ª zona ou parcela, 199.000 ha”. Ponciano (2006) airma que um dos aspectos que justiicam a demarcação inal da CAND icar compreendida em 267.000 ha é a legislação estadual, no caso, a Lei 87.

Por isso é relevante compreender o que propunha o Artigo 4 da Lei 87, que preservava os direitos de terceiros “Dentro das terras reservadas (da CAND) e a serem demarcadas, serão respeitados os direitos adquiri- dos por terceiros, mediante títulos de domínio, expedidos pelo Governo do Estado [...]”. Na verdade, tal artigo garantia os direitos de pessoas que não eram colonos, mas que teriam títulos de terras situadas no “entorno” da Colônia, títulos estes previamente expedidos pelo governo do Estado de Mato Grosso. Ponciano (2006) faz um questionamento importante so- bre o Artigo 4 da referida Lei. Segundo o autor:

Este artigo torna-se relevante e não pode passar despercebido uma vez que, se a área a ser demarcada não poderia ser inferior a 300.000 ha, então como respeitar os direitos adquiridos no interior desta, mesmo que seja em pequena quantidade, sem diminuir sua área de implantação, uma vez que seus limites já estavam demarcados? (grifo nosso) (p. 83).

Posteriormente, a Lei 340, de 9 de dezembro de 1949, deu nova redação ao artigo 4 da Lei 87: “Serão respeitados os direitos adquiridos, expedidos pelo Governo do Estado, em data anterior a 20 de julho de 1948”. A omissão de uma data limite gerou controvérsias; ainal, a Lei 87 abria brechas sem precedentes para que futuros requerentes solicitassem ao governo estadual terras no entorno ou dentro da área da Colônia. Des- sa forma, houve uma série de requerimentos de terras na região onde se implantaria a CAND, feitos ao governo do Estado.

As fontes pesquisadas descortinam os bastidores da política em que a terra foi a protagonista num palco de disputas entre administradores da Colônia e o governo estadual de Mato Grosso. Os conlitos entre governo do Estado e administradores da CAND serão abordados no capítulo 2.

Inicialmente a CAND passou pela etapa de demarcação de suas ter- ras, e até os trabalhos para a implantação decorreram treze anos. O relató- rio do primeiro administrador explicita as condições naturais encontradas que provocaram o atraso na implantação da Colônia:

[...] local inóspito, diicultando, desta forma, os trabalhos do INIC de medição e demarcação e propriamente o assentamento, por- que os agricultores não se habilitavam ante os problemas regionais (malária, falta de acesso, rodovias, etc.), somente 13 (treze) anos de criação é que foram concluídos os trabalhos de medição e demar- cação da área (apud GRESSLER e SWESSON, 1988, p. 82).

Em meio às intempéries foram construídas estradas, dentre elas a estrada de Dourados a Rio Brilhante, com o objetivo de fazer a ligação com a Estrada de Ferro Sorocabana, incluindo uma ponte sobre o Rio Bri- lhante e mais 200 km de estradas vicinais. Entre as benfeitorias da CAND, constam as seguintes construções: serraria, marcenaria, serralheria, olaria, doze escolas e dois postos médicos. Além do aparato da infraestrutura, foram distribuídos, entre os anos de 1943 e 1950, cerca de mil lotes, de 30 hectares cada, construindo, em 200 deles, casas de madeira para colonos (GRESSLER e SWENSSON, 1988, p. 85).

Como foi mencionado, a Colônia Agrícola Nacional de Dourados foi dividida em duas partes, denominadas zonas. A 1ª zona teve um de- senvolvimento rápido, por conta da implantação da infraestrutura, princi- palmente no que se refere à demarcação dos lotes. Já na 2ª zona surgiu o primeiro povoado, chamado Vila Brasil (onde hoje se localiza o município de Fátima do Sul), em que a demarcação dos lotes foi um processo demo- rado que abriu precedente para atuação de grupos que vendiam ilegalmen- te terras da Colônia, episódio que será exposto adiante.