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2.2 A CARTOGRAFIA PARTICIPATIVA

2.2.2 A cartografia participativa: experiências nacionais

No Brasil, as experiências relativas à cartografia participativa podem ser encontradas por todo território nacional. Dentre elas, destacam-se aquelas do Projeto ―Nova Cartografia Social da Amazônia‖ que, em 2005, iniciou um trabalho de mapeamento social dos povos e comunidades tradicionais da Amazônia, sendo desenvolvido pela Universidade Federal do Amazonas em parceria com a Fundação Ford (figura 3) (UFAM, 2009).

Em 2006, este trabalho expandiu o mapeamento para outras regiões, dando origem ao Projeto ―Nova Cartografia Social dos Povos e Comunidade Tradicionais do Brasil‖. Ambos já envolveram 116 grupos sociais distintos, compreendendo comunidades indígenas, ribeirinhas, quilombolas, e ainda, pescadores artesanais, seringueiros, castanheiros, artesãos e artesãs (do arumã, do tucum), quebradeiras de coco babaçu, peçonheiros (coletores de açaí), piaçabeiros, povos dos faxinais, fundos de pasto e outros (UFAM, 2009).

Dentre estas experiências, encontra-se o trabalho realizado com as mulheres do arumã7 do Baixo Rio Negro, no estado do Amazonas, cujo produto consistiu num mapa com pontos de interesses da comunidade, que englobaram: a) a localização de igarapés para o manejo do arumã, b) locais proibidos pelo Ibama para sua coleta, c) locais de caça e d) locais autorizados de pesca (UFAM, 2006).

Na região Nordeste, pode-se citar o mapeamento realizado no estado do Piauí como exemplo da experiência de aplicação do Projeto a esta realidade. Trata-se de um trabalho com o Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), sendo ela uma rede de organizações voluntárias que lutam: a) pela preservação e o livre acesso aos babaçuais, b)

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O arumã é utilizado como matéria-prima para a confecção de tapetes, jogos de mesa, peneiras, balaios, luminárias, chapéus, leques, etc.

pela garantia a terra, c) pela equidade de gênero e d) por políticas governamentais voltadas para o extrativismo (UFAM, 2005).

O grupo produziu um mapa da região ecológica dos babaçuais que identifica: a) as situações de devastação dos palmeirais; b) as diferentes territorialidades étnicas afetadas, como as terras indígenas e as terras de quilombo; c) as principais formas organizativas; d) a ocorrência de atos delituosos contra as quebradeiras; e) as unidades de conservação e f) as áreas com cultivo homogêneo e plantações industriais (UFAM, 2005).

No Centro-oeste brasileiro, o povoado pantaneiro de Joselândia, no Mato Grosso, por intermédio deste mesmo Projeto, realizou o mapeamento participativo da região, cujo objetivo era de responder aos anseios da comunidade de divulgar a cultura local, mas também as dificuldades vivenciadas, relacionadas à infra-estrutura, como a falta de estradas, transporte coletivo, água potável e atendimento da saúde (UFAM, 2007a).

Ainda neste contexto, na região Sudeste, a comunidade quilombola de Linharinho do Espírito Santo, elaborou, com auxílio do Projeto ―Nova Cartografia Social‖, um mapa das reminiscências e práticas atuais relacionadas à sua cultura. Juntamente ao mapa produzido pela comunidade, encontra-se um fascículo, publicado em parceria com o Projeto, contendo uma pauta com algumas reivindicações locais, dentre as quais estão: a) a criação de uma Associação Civil com personalidade jurídica; b) a recuperação das áreas de nascentes, zonas de recarga hídrica e matas ciliares ao redor de rios, córregos e lagoas; c) a construção de um Viveiro de Mudas com espécies nativas da Floresta Tropical, visando à recuperação de áreas degradadas e d) a constituição de Zona de Amortecimento ao redor do território demarcado, de modo a estabelecer a transição entre o território quilombola e as monoculturas de eucalipto e cana (UFAM, 2007b).

Em Santa Catarina, este mapeamento participativo foi realizado com a comunidade de cipozeiros no município de Garuva. O mapa elaborado por meio do Projeto compreende uma representação: a) das áreas com atividades extrativistas, b) do uso atual da terra e c) da concentração de famílias cipozeiras tradicionais e de extratores eventuais. Este trabalho é reconhecido como de grande importância a elaboração de projetos locais, uma vez que pode auxiliar no aprimoramento da cadeia produtiva de cipó na região (UFAM, 2007c).

Além da atuação do Projeto ―Nova Cartografia Social‖ no país, pode-se destacar a iniciativa da Rede Jovem, no Rio de Janeiro. Trata-se do Projeto ―Wikimapa‖, cujo objetivo é construir um mapa virtual, georreferenciado, com o auxílio de telefone celular ou internet, das ações e ativos das comunidades de baixa renda, sendo ele realizado pelos próprios moradores

e liderado por um jovem eleito para o desafio. O mapeamento abrange cinco comunidades cariocas: Complexo da Maré, Cidade de Deus, Complexo do Alemão, Santa Marta e Pavão- Pavãozinho (WIKIMAPA, 2009).

Cabe mencionar ainda, o trabalho do ―Projeto Saúde e Alegria‖ (PSA), uma instituição civil sem fins lucrativos, fundada em 1985, de nome jurídico de Centro de Estudos Avançados de Promoção Social e Ambiental (CEAPS). A organização vem apoiando comunidades de áreas protegidas, reconhecidas legalmente e com conflitos fundiários, através de capacitações e uso de ferramentas de geoprocessamento, no intuito de proporcionar a estas pessoas uma participação ativa na gestão de seus territórios (PSA, 2009).

As comunidades participantes pertencem à região da Amazônia, dentre as quais estão: as do Assentamento Agroextrativista (PAE) do Lago Grande, da Gleba Nova Olinda e de dez comunidades remanescentes de quilombos e da Área de Proteção Ambiental (APA) Aramanaí (PSA, 2009).

Segundo PSA (2009), os mapas podem vir a: a) se tornar instrumentos de resistência à grilagem e à apropriação indevida de recursos naturais, b) servir de base para a elaboração de planos de manejo e c) auxiliar órgãos públicos na aplicação de políticas mais adequadas para a região.

Neste contexto, cabe ressaltar o trabalho de Santos (2009), desenvolvido na bacia hidrográfica do rio Tijucas, em Santa Catarina, cuja experiência se remete à construção de cenários ambientais de forma participativa, por meio de tecnologias de Geoprocessamento e Sensoriamento Remoto, como um procedimento para a governança da água em bacias.

Santos (2009) relata que a visão da comunidade foi inserida na criação dos cenários por meio da cartografia participativa, promovendo e estimulando sua atuação na construção de metas para o desenvolvimento sustentável. Dentre os resultados obtidos encontram-se: a) a construção do mapa temático de zoneamento participativo da bacia e b) a criação de cenários ambientais com ênfase no passado e no presente, e a projeção de duas perspectivas de futuro, a primeira com a efetivação da governança local por meio do zoneamento participativo, e a segunda com a perpetuação do atual modelo de desenvolvimento.

Segundo a autora, é necessário destacar algumas limitações decorrentes do uso dessas tecnologias, como é o caso da modelagem ambiental. Ela destaca que embora a comunidade consiga compreender os cenários produzidos e trabalhar com informações geradas a partir deles, ela poderá encontrar dificuldades para usar as plataformas de modelagem e produzir cenários ambientais sem o auxílio de um técnico especializado na área (SANTOS, 2009).

Tabela 3. Síntese das experiências nacionais de utilização da cartografia participativa.

LOCALIDADES UTILIZAÇÃO DA CARTOGRAFIA PARTICIPATIVA:

EXPERIÊNCIAS NACIONAIS

AMAZONAS

Mapeamento dos pontos de interesse das mulheres do Arumã do Baixo Rio Negro, englobando: a) a localização dos igarapés para o manejo do arumã; b) locais proibidos pelo Ibama para sua coleta; c) locais de caça e d) locais autorizados de pesca.

PIAUÍ

Mapeamento da região ecológica dos babaçuais que identifica: a) situações de devastação dos palmeirais; b) diferentes territorialidades étnicas afetadas; c) principais formas organizativas; d) ocorrência de atos delituosos; e) unidades de conservação e f) áreas com cultivo homogêneo e plantações industriais.

MATO GROSSO

Mapeamento da região de Joselândia para divulgação da cultura local e das dificuldades vivenciadas pela comunidade relacionadas à infra-estrutura, como a falta de estradas, transporte coletivo, água potável e atendimento da saúde.

ESPÍRITO SANTO Construção do mapa das reminiscências e práticas atuais relativos à cultura da comunidade quilombola de Linharinho.

SANTA CATARINA

Construção do mapa das áreas: a) com atividades extrativistas de cipó, b) do uso atual da terra e c) da concentração de famílias cipozeiras tradicionais e de extratores naturais, do município de Guaruva,

RIO DE JANEIRO

Construção de um mapa virtual, georreferenciado, com o auxílio de telefone celular ou internet, das ações e ativos das comunidades de baixa renda do Rio de Janeiro.

AMAZÔNIA

Capacitação e uso de ferramentas de geoprocessamento, no intuito de proporcionar a comunidades locais uma participação mais ativa na gestão de seus territórios.

SANTA CATARINA

Construção de cenários ambientais de forma participativa, por meio de tecnologias de Geoprocessamento e Sensoriamento Remoto, como um procedimento para a governança em bacias.

2.3 AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL DO