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Geralmente, a mulher tem ampliado sua atuação tanto no mercado de trabalho como em outros espaços sociais, sendo alvo de diferentes políticas sociais que visam ao empoderamento, à utilização de habilidades e competências para adentrar nos diferentes ramos do mundo do trabalho, direcionando para melhorias na qualidade de vida delas. Se, no século XX, elas despontavam como classes revolucionárias em conquistas relacionadas aos direitos civis, já no século XXI a luta ganha força, mas continua a “duras penas” para se estabelecerem frente ao cenário apresentado pelo capitalismo, com um longo caminho a percorrer.

Em virtude da modalidade específica de formação educacional, profissional e cidadã de mulheres pobres em situação de vulnerabilidade, ou seja, o Programa Mulheres Mil, é importante fazer uma correlação (mesmo que mínima) entre trabalho, educação profissional e gênero, já que a qualificação profissional dessas mulheres está pautada na adequada inserção no mercado de trabalho e numa possível emancipação e empoderamento4 delas. Para tanto, a abordagem será voltada a explicar as características do público-alvo de tal formação e a divisão sexual do trabalho, já que é difícil analisar questões de gênero sem relacioná-las com os conflitos advindos da sociedade atual.

Mesmo que a categoria gênero não seja a norteadora desta pesquisa, ao tomar como objeto de estudo um programa educacional voltado para mulheres, admite-se ser importante uma aproximação do debate dessa temática e, consequentemente, da divisão sexual do trabalho. A análise da categoria gênero é inicialmente identificada como uma relação construída historicamente entre homens e mulheres numa sociedade marcada por desigualdades em variadas dimensões, algo confirmado nas palavras abaixo:

Gênero, portanto, remete a construções sociais, históricas, culturais e políticas que dizem respeito a disputas materiais e simbólicas que envolvem processos de configuração de identidades, definições de papéis e funções sociais, construções e desconstruções de representações e imagens, diferentes distribuições de recursos e de poder e estabelecimento e alteração de hierarquias entre os que são socialmente definidos como homens e mulheres e o que é – e o que não é - considerado de homem ou de mulher, nas diferentes sociedades e ao longo do tempo (BRASIL, 2007, p. 16).

Portanto, não há uma neutralidade no conceito de gênero. Ao aprofundar nos estudos sobre tal assunto, é possível desmistificar conceitos construídos erroneamente e notar que:

Os estudos de gênero constituem um conjunto de saberes científicos, com categorias e metodologias, para análise comparativa das representações e condições de existência de homens e mulheres, em sociedade passadas e atuais. Não se trata de uma teoria única ou de um discurso unificado e homogêneo, mas de um espaço de interlocução que acolhe diferenças e controvérsias. [...] Desde o final da década de 1970, as academias feministas adotaram uma distinção conceitual entre sexo e gênero. A palavra sexo provem do latim sexus e refere-se à condição orgânica (anatômico-fisiológica) que distingue o macho da fêmea. Seu poder de distinção reside na estabilidade, ao longo do tempo. [...] A

4 “Empoderamento provém do inglês empowerment. No contexto dos estudos de gênero, refere-se à potencialidade

profissional das mulheres, aumentando sua informação, aprimorando suas percepções e trocando ideias e expressando sentimentos. Seu objetivo mais amplo é fornecer as capacidades, habilidades e disposições para o exercício legítimo de poder” (YANNOULAS, 2002, p. 40).

categoria gênero provem do latim genus e refere-se ao código de conduta que rege a organização social das relações entre homens e mulheres. Em outras palavras, o gênero é o modo como as culturas interpretam e organizam a diferença sexual entre homens e mulheres. Sua principal característica está na mutualidade, isto é, na possibilidade de mudança na relação entre homens e mulheres, ao longo do tempo. Não se trata de um atributo individual, mas que se adquire a partir da interação com os outros e contribui para a reprodução da ordem social (YANNOULAS; SAMPAIO, 2001, p. 70-71).

Especificamente ao analisar as condições da classe em questão – no caso, as mulheres –, elucida-se que:

O gênero é tudo aquilo que une as mulheres, tudo o que lhes é comum e próprio do gênero feminino. Mas, infelizmente [...] a verdade é que as mulheres estão irremediavelmente divididas dentro do sistema capitalista. Não porque queiramos, mas porque vivemos vidas diferentes. A mulher burguesa não tem nada a ver com a mulher operária e trabalhadora, com a mulher pobre das periferias das grandes cidades, das favelas e do campo. A cada dia se aprofunda o abismo entre elas, e isso porque suas condições materiais de vida ficam cada vez mais diferenciadas. O que leva a vivenciar o que é próprio do gênero feminino (aquilo que as une) de maneira diferente. Ser mulher para umas é bem diferente de ser mulher para outras. A mulher burguesa por mais oprimida que seja como mulher, não tem dupla jornada, não passa o dia trabalhando, não tem de lutar por sua sobrevivência. Ela não é explorada. Pelo contrário. Explora outras mulheres e homens. [...] Nunca soubemos de uma socialite que deixasse seu filho pequeno com a vizinha por falta de creche no local de trabalho, e nem tampouco que precisasse de auxílio-maternidade (TOLEDO, 2001, p. 9-10).

Ao abordar essa temática, especialmente quando se trata do mundo do trabalho, evidenciam-se as ligações necessárias entre gênero e classe que, conforme Antunes (2009, p. 109), ao citar Segnini (1998), afirma que a categoria analítica gênero possibilita buscar os “[...] significados das representações tanto do feminino quanto do masculino, inserindo-as nos seus contextos sociais e históricos. A análise das relações de gênero também implica a análise das relações de poder”. Portanto, é possível dizer que, ao ser representado por classes dominantes, o gênero também reproduz relações de poder, sendo algo visto como natural e passivo de questionamentos.

Em vista disso, Antunes (2001, p. 51) explica que:

A presença feminina no mundo do trabalho nos permite acrescentar que, se a consciência de classe é uma articulação complexa, comportando identidades e heterogeneidades, entre singularidades que vivem uma situação particular no processo produtivo e na vida social, na esfera da materialidade e da subjetividade, tanto a contradição entre o indivíduo e sua classe, quanto aquele

que advém da relação entre classe e gênero, tornaram-se ainda mais agudas na era contemporânea. A classe-que-vive-do-trabalho é tanto masculina quanto feminina. É, portanto, também por isso, mais diversa, heterogênea e complexificada (grifos do autor).

Dessa maneira, tem-se a persistência das desigualdades entre homens e mulheres em diferentes contextos sociais, e as relações sociais capitalistas se apoderam disso a partir de um discurso ideológico e de poder. Nogueira (2011, p. 23) remete ao fato de que “[...] historicamente as mulheres sempre estiveram em situação de desigualdades. As relações sociais capitalistas legitimaram uma relação de subordinação das mulheres em relação aos homens, imprimindo uma conotação „natural‟ a mulher, dada pela sua subordinação”.

Logo, para se obter um melhor entendimento de tais assuntos, já que eles atingem também o mundo do trabalho, a educação e a condição de mulher numa sociedade desigual, a seguir será feito um contraponto com a questão da divisão sexual do trabalho existente na sociedade capitalista.