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Antes de discorrer sobre as análises do material coletado nas entrevistas, é preciso se atentar ao perfil das mulheres que participaram desta pesquisa. Ao considerar variáveis socioeconômicas básicas como renda, classe, gênero, escolaridade, entre outras, notam-se detalhes que influenciam nas relações de trabalho. Para analisar os dados obtidos, cada

entrevistada recebeu uma letra para evitar identificações, sendo selecionadas três mulheres por curso, num total de 15 egressas.

Importante salientar que apesar de não ser uma pesquisa quantitativa, e sim qualitativa, que utiliza alguns dados em termos de porcentagem sobre o perfil cuja finalidade é expor a realidade das mulheres entrevistadas, e cujas características se assemelham com questões abordadas no capítulo 2 e 3.

E no que se refere à idade e ao estado civil das entrevistadas, percebe-se que apresentavam idade variável, de 22 a 70 anos de idade, em que 73,33% (11) delas eram casadas; as demais (13,33% ou duas pessoas) eram divorciadas e 13,33% (duas) solteiras. Vale ressaltar que, no Quadro 5, é possível visualizar e comparar as entrevistadas por curso.

Assim, nos cursos de artesã em bordado à mão e de manicure e pedicure, as mulheres são mais jovens em relação às que participaram de outras atividades, e há neles pessoas casadas e solteiras.

Quadro 5. Perfil das entrevistadas: idade e estado civil

Curso Entrevistadas Idade Estado civil

Curso básico de processamento de alimentos – conserva e licores de frutas

A 53 Casada

B 48 Casada

C 49 Casada

Curso básico de qualificação profissional em fabricação de produtos de limpeza em geral e higiene pessoal

D 60 Casada E 39 Casada F 70 Casada Técnicas de artesanato G 65 casada H 45 divorciada I 60 divorciada

Artesã em bordado à mão

J 35 casada L 28 solteira M 46 casada Manicure e pedicure N 39 solteira O 22 casada P 51 casada

Fonte: Pesquisa de campo.

Existe diversidade entre as egressas de cada curso tanto no que se refere à idade como ao estado civil. Essas informações vão ao encontro do preconizado pelo Programa Mulheres Mil,

pois nos objetivos contemplam o público-alvo (mulheres a partir de 16 anos), abarcando tanto as jovens como as adultas com o recorte para aquelas que são “[...] chefes de famílias, em situação de pobreza extrema, cadastradas ou em processo de cadastramento no CadÚnico” (BRASIL, 2014a, p. 6).

Ao realizar um recorte analítico sobre se estudam atualmente, a maioria – 80% (12) delas – relatou não estudarem mais. Nesse sentido, a entrevistada B do curso básico de processamento de alimentos – conserva e licores de frutas explicou que fez um curso rápido de informática para aperfeiçoar as atividades laborais, e não para elevar a escolaridade atual.

Conforme o Quadro 6, verifica-se que, independentemente do curso, a escolaridade delas é variada, percorrendo vários níveis: 40% (seis) das mulheres possuem ensino médio completo; 40% (seis), fundamental incompleto; 6% (uma), Educação para Jovens e Adultos (EJA) incompleta; e 14% (duas), ensino médio incompleto.

Infere-se, por exemplo, que nos cursos de processamento de alimentos – conserva e licores de frutas e de manicure e pedicure grande parte das egressas possui escolaridade maior (ensino médio). Já nos cursos de qualificação profissional em fabricação de produtos de limpeza em geral e higiene pessoal e de técnicas de artesanato e de artesã em bordado à mão, a maioria foi composta de participantes com ensino fundamental incompleto.

De fato, houve incidência maior da escolaridade “fundamental incompleto” nos cursos direcionados à fabricação de produtos artesanais, como o de artesanato e de fabricação de produtos de limpeza em geral, cuja produção já era realizada com frequência entre as mulheres pesquisadas em seus lares apenas para consumo próprio, o que não previa determinada escolaridade.

Quadro 6. Escolaridade atual das mulheres

Curso Entrevistadas Estuda atualmente Escolaridade Curso básico de processamento

de alimentos – conserva e licores de frutas

A não Ensino médio

B sim Ensino médio

C não Ensino médio

Curso básico de qualificação profissional em fabricação de produtos de limpeza em geral e higiene pessoal

D não Fundamental incompleto

E não Ensino médio

F não Fundamental incompleto

Técnicas de artesanato

G não Fundamental incompleto

H sim EJA incompleto

I não Ensino médio incompleto

Artesã em bordado à mão

J não Fundamental incompleto

L não Fundamental incompleto

M não Ensino médio

Manicure e pedicure

N sim Ensino médio incompleto

O não Ensino médio

P não Fundamental incompleto

Fonte: Pesquisa de campo.

As variações tanto da escolaridade atual quanto da continuidade ou não dos estudos não limitaram a obtenção da certificação, mesmo para algumas mulheres com escolaridade incompleta, pois conforme já abordado no capítulo 3, os cursos ofertados no Programa Mulheres Mil não exigiam uma escolarização prévia. Os referidos dados, juntamente com a diferença acentuada no nível de escolaridade, mostram a atual desigualdade de classe existente entre elas e, como isso é historicamente naturalizado, considera-se frequentemente como algo normal na sociedade atual.

Muitas vezes, as diferenças e desigualdades em torno da questão de gênero e escolaridade, de acordo com o capítulo 2, restringe o acesso à cidadania e à equidade dessas mulheres. Tem-se em vista que os cursos ofertados a elas, como mostra esta pesquisa, apenas colaboraram para perpetuar a ideologia já existente em torno da obtenção de certificação por meio de cursos rápidos de qualificação profissional, em que apenas isso seria suficiente para superarem as mazelas em que se encontram.

Em contraposição, conforme Venco, é necessária a efetividade no aumento da escolaridade, e não o uso dela apenas para a preparação ao mercado de trabalho. Ela deve ser

do trabalho para sobreviver e, conforme afirma Antunes (2009), têm à disposição situações instáveis, precárias, quando não existentes de trabalho.

Quadro 7. Cursos do Programa Mulheres Mil e profissão atual das mulheres

Fonte: Pesquisa de campo.

Quando se discorre sobre a informalidade, Venco (2003, p. 25) explica que “[...] há um terreno fértil para a proliferação de práticas mais flexíveis no mercado de trabalho”, e existe uma dificuldade de incorporação dos papéis desempenhados pelas mulheres nas sociedades capitalistas, com o reforço das dificuldades históricas de integração do trabalho da mulher nessa sociedade, o que contribui sobremaneira para a propagação de um “mito” e do não reconhecimento em torno de algo dito como “trabalhos apenas feminino”. E ao relacionar tal aspecto à classe em questão (egressas), percebe-se que, além de serem consideradas pobres e mulheres, há uma intensificação das desigualdades com a própria qualificação obtida que não lhes propiciou uma condição de trabalho dita humanizadora e transformadora.

Cursos Entrevistadas Profissão atual do curso formal ou Trabalha na área informal Curso básico de processamento de alimentos – conserva e licores de frutas A

Aposentada (ainda atua no comércio informal e na prestação

informal de serviços domésticos) Não

B Vigilante Não

C “Do lar” Mercado informal Sim

Curso básico de

qualificação profissional em fabricação de produtos de limpeza em geral e higiene pessoal

D Aposentada Não

E Auxiliar de produção Não

F Aposentada Não

Técnicas de artesanato

G Aposentada Não

H Auxiliar de limpeza Não

I Auxiliar de serviços gerais Não

Manicure e pedicure

J Estudante Não

L Camareira Não

M Cozinheira Não

Artesã em bordado à mão

N Desempregada Não

O Desempregada Não

Ainda sobre a profissão atual, importante salientar que as mulheres que disseram ser aposentadas ainda atuam na informalidade para complementar a renda, em que algumas empregam as técnicas aprendidas nos cursos para benefício próprio. Vale exemplificar também que a entrevistada A do curso básico de processamento de alimentos – conserva e licores de frutas se diz aposentada, mas realiza trabalhos não relacionados ao curso, no comércio informal, além da prestação informal de serviços domésticos.

Diante das contradições apresentadas, é possível verificar que há um direcionamento da força de trabalho das mulheres, de acordo com Saffioti (2013), para atividades mal remuneradas, sem prestígio e que podem fraudar a legislação trabalhista. Assim, ao observar os aspectos referentes ao perfil das pesquisadas, constata-se a dimensão das características apresentadas por elas, divididas entre a família, o lar e o trabalho, seja no trabalho formal, informal ou ainda no dito “trabalho feminino”, maneira pela qual esse trabalho, em conformidade com a referida autora, muitas vezes é encarado pela sociedade ou por ela mesma.

Desse modo, a construção histórica relativa a “trabalhos femininos” remete à reprodução das desigualdades de gênero. Os cursos oferecidos são, na sua maioria, voltados para a produção de produtos realizados em consonância com dons femininos e em âmbitos domésticos e precários.

No próximo tópico será apresentada a complementação dos dados a partir das análises das entrevistas.