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A categoria “quilombola” nos estudos sobre campesinato

CAPÍTULO 1 CONTEXTUALIZANDO: OS ESTUDOS SOBRE AS

1.2 A categoria “quilombola” nos estudos sobre campesinato

Apesar de muitos considerarem com algo novo, as comunidades quilombolas sempre existiram. Esses novos atores nada mais são do que velhos conhecidos, indivíduos que sempre viveram em situação marginalizadas, com escassez de recursos naturais e em terras que nunca lhe foram conferidas oficialmente.

A categoria quilombola abarca hoje uma gama de significados. Quando se fala em quilombola se está falando em “antigas categorias de autodenominação como pretos, moradores de terras de preto, de terras de santo, de terras de índio, ressaltando o seu fundamento étnico, para a de quilombolas simplesmente” ( ANDRADE, 2009, p. 04).

A discussão mais intensa do que seriam as “comunidades de remanescentes de quilombos” ou simplesmente “comunidades quilombolas” partiu principalmente a partir da Constituição Federal de 1988, quando da inclusão do termo no Artigo 68, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT):

“Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.”

Todo o entrave da discussão girava em torno de definir quem eram os remanescentes das comunidades e como o Estado conferiria o direito de suas terras a partir do seu reconhecimento. O debate colocou em evidência o problema da questão fundiária no Brasil, mas acrescentou um agravante: o problema fundiário de um campesinato negro.

Ora, a questão da diversidade do campesinato brasileiro, inclusive de um campesinato negro, já estava sendo discutida no âmbito acadêmico, trabalhos importantes destacavam os modos de vida e ocupação da terra dessas comunidades negras. Porém, com o artigo 68, esses sujeitos entraram para o debate político do país, o que sugere reconhecimento, legitimidade e concessão de direitos.

É no debate político que a Antropologia vai contribuir para o consenso de como definir quem são os quilombolas, tendo em vista, acredito, dois motivos

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especiais. Primeiro, porque já era do conhecimento antropológico os estudos sobre quilombos e comunidades negras, tanto do ponto de vista racial como agrário. Segundo, porque era preciso fundamentar o conceito de quilombo para que os interesses políticos em disputa, tanto das comunidades quilombolas como da bancada ruralista representando os grandes latifundiários contrários a qualquer reconhecimento dessas comunidades, não limitassem o alcance do conceito incluído na constituição.

É importante frisar aqui que os menos interessados na concessão dos direitos políticos às comunidades quilombolas e que contribuíram para a marginalização desses grupos fazem parte de uma “elite agrária”. Por isso, a tentativa logo foi de tentar apresentar um conceito limitado, como se as “comunidades de remanescentes de quilombos” se tratasse de um grupo estático na história, totalmente ligados a um passado de escravos fugidos do regime escravocrata. Uma visão colonial do termo quilombo que se referia a escravos fugidos que habitavam lugares de difícil acesso como matas e sertões, lugares ermos para não serem capturados pelos fazendeiros. Neste local eles construiriam seus redutos, saqueando os mercados locais para sobreviver (ANDRADE NETO, 2009).

Contrapondo-se a esse argumento, Almeida (1996) apresenta, baseado no que tivera desenvolvido a respeitos das terras tradicionalmente ocupadas, a ideia de que as comunidades quilombolas não são o resquício congelado dos quilombos de escravos fugidos mas sim uma população que historicamente se desenvolveu não só em redutos escondidos mas dentro das próprias fazendas, não como marginais nos processos de mercado, mas como participantes das trocas comerciais, não habitando uma “terra de ninguém” mas ocupando terras que por inúmeros motivos lhes foram conferidas. Segundo, Almeida:

O conceito de quilombo não pode ser territorial apenas ou fixado num único lugar geograficamente definido, historicamente “documentado” e arqueologicamente “escavado”. Ele designa um processo de trabalho autônomo, livre da submissão dos grandes proprietários. Neste sentido, não importa se está isolado ou próximo das casas-grandes. Há uma transição econômica do escravo ao camponês livre que só indiretamente passa pelo quilombo no caso do Frechal (ALMEIDA, 1996, p.18).

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Novas interpretações podem ser feitas a partir do novo sentido que Almeida sugere para quilombo, o que ele chama de ressemantizar o termo, ou seja, quilombos atualmente está mais ligados a populações camponesas que, sob formas diversas, se desenvolveram seus modos de vida em um determinado espaço, conseguindo produzir e se reproduzir social, econômica, política e culturalmente.

Como já mencionado anteriormente, a Antropologia dialogou bastante para referendar esse processo ressemantizador, utilizando o termo de Almeida. A ABA- Associação Brasileira de Antropologia, em Grupo de Discussão criado para discutir questões sobre as Comunidades Negras Rurais, apresentou sua posição em relação ao conceito de quilombo:

Contemporaneamente, portanto, o termo quilombo não se refere a resíduos ou resquícios arqueológicos de ocupação temporal ou de comprovação biológica. Também não se trata de grupos isolados ou de uma população estritamente homogênea. Da mesma forma, nem sempre foram constituídos a partir de movimentos insurrecionais ou rebelados, mas, sobretudo, consistem em grupos que desenvolveram práticas cotidianas de resistência na manutenção e reprodução de seus modos de vida característicos e na consolidação de um território próprio. [...] No que diz respeito à territorialidade desses grupos, a ocupação da terra não é feita em termos de lotes individuais, predominando seu uso comum. A utilização dessas áreas obedece à sazonalização das atividades, sejam agrícolas, extrativistas ou outras, caracterizando diferentes formas de uso e ocupação dos elementos essenciais ao ecossistema, que tomam por base laços de parentesco e vizinhança, assentados em relações de solidariedade e reciprocidade (ABA, 1996, p.12).

Neste sentido, inúmeros trabalhos antropológicos, vieram a incorporar esse reconhecimento feito pela ABA e deram início aos estudos sobre comunidades quilombolas no Brasil. Em todas as regiões brasileiras foram encontradas e estudadas comunidades negras rurais que reivindicavam seu reconhecimento como comunidade remanescente de quilombo. Trabalhos expressivos vêm sendo desenvolvidos no Maranhão, por Almeida (2006) e Andrade (2003), estes tem tido mais visibilidade porque as comunidades estudadas, além de todo contexto político, estão envolvidas em processos de disputa com grandes empreendimentos estatais, como o caso das comunidades em torno de Alcântara.

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Em Pernambuco, Souza (2000) desenvolveu o trabalho sobre a Conceição das Crioulas, em Salgueiro, primeira comunidade quilombola a ser reconhecida no estado. A mesma autora também desenvolveu o relatório de identificação da comunidade de Castainho, em Garanhuns, passo importante para o seu reconhecimento.

Incorporando essas contribuições, este trabalho pretende contribuir aos estudos das comunidades quilombolas em Pernambuco. Partindo dos pressupostos teóricos aqui mencionados, entendo a comunidade de Estrela como fazendo parte desse universo de conflitos políticos, de luta por reconhecimento, mas um exemplo também, dentre tantos no Brasil, de resistência camponesa negra.

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