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A categorização dos atos de improbidade administrativa

Conforme mencionado anteriormente, a Lei nº 8.429/1992 delimita os atos de improbidade administrativa de modo muito mais amplo se comparados aos atos normativos anteriores, e encontram-se tipificados nos artigos 9º ao 11, onde é possível observar a existência de quatro categorias: (i) atos de improbidade administrativa que importam enriquecimento ilícito; atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário; (iii) atos de improbidade administrativa decorrentes de concessão ou aplicação indevida de benefício financeiro ou tributário; e (iv) atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da Administração Pública.

A doutrina brasileira é pacífica quanto ao fato da tipificação dos atos de improbidade administrativa ser aberta, com rol exemplificativo de condutas para sua configuração. Isto ocorre em razão de os dispositivos utilizarem da expressão “notadamente” para demonstrar que outras condutas também podem ser incluídas nos tipos de improbidade aqui citados, com exceção do artigo 10-A.

Apesar de os dispositivos da lei exibirem um rol de atos de improbidade, esta é meramente exemplificativa, uma vez que, embora o ato não esteja enquadrado nas hipóteses previstas expressamente, a improbidade poderá estar enquadrada no caput dos artigos 9º, 10 ou 11.

Assim, verifica-se que apenas o artigo 10-A não apresenta rol de condutas aberto, pois define de forma detalhada quais são as condutas que incidirão na tipicidade em questão.

3.3.1 Atos de improbidade administrativa que importam enriquecimento ilícito (Artigo 9º)

Os atos de improbidade que importam enriquecimento ilícito estão previstos no artigo 9º da Lei nº 8.429/1992, e referem-se a qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função pública, emprego ou atividade ocorrida nas entidades mencionadas no artigo 1º da Lei.

Marino Pazzaglini afirma ser esta a modalidade mais grave de improbidade, em razão de contemplar o mais alto grau de reprovabilidade, ao utilizar-se de função pública para obtenção de vantagem patrimonial.

Para que haja a configuração do enriquecimento ilícito, é necessário o recebimento de vantagem patrimonial indevida, ainda que não acarrete em dano ao erário.

Art. 9° Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1°

desta lei, e notadamente:

I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, entidades referidas no art. 1° por preço superior ao valor de mercado;

III - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a alienação, permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado;

IV - utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades;

V - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer outra atividade ilícita, ou aceitar promessa de tal vantagem;

VI - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei;

VII - adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público;

VIII - aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público, durante a atividade;

IX - perceber vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação de verba pública de qualquer natureza;

X - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado;

XI - incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei;

XII - usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei.

Para que haja caracterização de ato de improbidade administrativa que importa em enriquecimento ilícito, é necessária a presença de três requisitos: (i) recebimento de vantagem indevida independente de prejuízo ao erário; (ii) conduta dolosa por parte do agente ou de terceiros; e (iii) nexo causal ou etiológico entre o recebimento da vantagem e a conduta daquele que ocupa cargo ou emprego, detém mandato, exerce função ou atividade nas entidades do artigo 1º.

Vale ressaltar que a mera promessa de enriquecimento patrimonial e o recebimento de vantagem não patrimonial não configuram em hipóteses puníveis pelo dispositivo em questão,

devendo efetivamente existir a vantagem patrimonial indevida para haver violação aos princípios da administração pública.

3.3.2 Atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário (Artigo 10)

Os atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário são elencados no artigo 10, de modo que podem se tratar de ação ou omissão, dolosa ou culposa, desde que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação de bens ou haveres das entidades do artigo 1º.

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:

(...)

O ato em questão não engloba eventual enriquecimento ilícito que possa ocorrer em favor do agente público ou terceiro, pois somente a existência de dano ao erário é relevante para que haja a incidência do disposto no artigo 10.

O erário é considerado a parcela do patrimônio público de conteúdo econômico-financeiro, enquanto que o patrimônio público possui sentido mais amplo por abranger os conteúdos de valor financeiro, artístico, estético, histórico e turístico.

Pela redação do artigo 10, é possível verificar que a maioria dos incisos redigidos compreendem condutas dolosas, de modo que apenas algumas hipóteses comportam a possibilidade de conduta culposa.

Para haver a configuração da conduta, são necessários três requisitos: (i) lesão ao erário;

(ii) conduta dolosa ou culposa; e (iii) nexo de causalidade entre a ação ou omissão com o respectivo dano ao erário.

Contudo, existe divergência doutrinária acerca da necessidade de comprovação do prejuízo econômico-financeiro, isto ocorre porque em alguns trechos da Lei de Improbidade Administrativa utiliza-se o termo “patrimônio público”, que como já demonstrado, possui um conceito mais abrangente e não se restringe ao prejuízo econômico.

Por fim, é possível concluir que os atos de improbidade administrativa podem se enquadrar em mais de uma hipótese prevista em lei, de modo que a discussão carreada acaba sendo esvaziada quando levantada.

3.3.3 Atos de improbidade administrativa decorrentes de concessão ou aplicação indevida de benefício financeiro ou tributário (Artigo 10-A)

A previsão de tipicidade dos atos de improbidade administrativa decorrentes de concessão ou aplicação indevida de benefício financeiro ou tributário foi incluída na LIA pela Lei Complementar nº 157/2016, disposto abaixo:

Art. 10-A. Constitui ato de improbidade administrativa qualquer ação ou omissão para conceder, aplicar ou manter benefício financeiro ou tributário contrário ao que dispõem o caput e o § 1º do art. 8º-A da Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003.

Tratam-se, portanto, de ação ou omissão para conceder, aplicar ou manter benefício financeiro ou tributário contrário ao que dispõe o caput e § 1º do artigo 8º-A da Lei Complementar nº 116/03, incluído pela Lei Complementar nº 157/16, que dispõe sobre o Imposto sobre os Serviços de qualquer natureza – ISS, o qual é competência dos Municípios e do Distrito Federal.

Art. 8o-A. A alíquota mínima do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza é de 2% (dois por cento).

§ 1o O imposto não será objeto de concessão de isenções, incentivos ou benefícios tributários ou financeiros, inclusive de redução de base de cálculo ou de crédito presumido ou outorgado, ou sob qualquer outra forma que resulte, direta ou indiretamente, em carga tributária menor que a decorrente da aplicação da alíquota mínima estabelecida no caput, exceto para os serviços a que se referem os subitens 7.02, 7.05 e 16.01 da lista anexa a esta Lei Complementar.

Em suma, a improbidade estará caracterizada quando houver fixação da alíquota mínima do ISS em patamar inferior a 2% e quando houver concessão de isenções, incentivos ou benefícios tributários ou financeiros relativos ao ISS, que resultem em carga tributária inferior à decorrente da aplicação da alíquota mínima de 2%. Rafael Rezende Oliveira afirma que o objetivo do legislador é de evitar uma “guerra fiscal” entre os Municípios.

Desta forma, a hipótese em questão é direcionada apenas aos Prefeitos e Vereadores dos Municípios, e aos Governadores e Deputados Distritais do Distrito Federal, e sua aplicação somente teve início em 13.12.2017, conforme disposto nos artigos 6º e 7º, § 1º da Lei Complementar nº 157/2016.

3.3.4 Atos de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da Administração Pública (Artigo 11)

O último ato previsto pela LIA está disposto no artigo 11, sendo esta a hipótese que possui mais abrangência, de modo que consegue alcançar diversos atos de improbidade administrativa.

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;

II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício;

III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo;

IV - negar publicidade aos atos oficiais;

V - frustrar a licitude de concurso público;

VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo;

VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço.

VIII - descumprir as normas relativas à celebração, fiscalização e aprovação de contas de parcerias firmadas pela administração pública com entidades privadas.

IX - deixar de cumprir a exigência de requisitos de acessibilidade previstos na legislação.

X - transferir recurso a entidade privada, em razão da prestação de serviços na área de saúde sem a prévia celebração de contrato, convênio ou instrumento congênere, nos termos do parágrafo único do art. 24 da Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990.

Di Pietro afirma9 em suas lições que, a rigor, a violação aos princípios da legalidade, da razoabilidade, da moralidade, do interesse público, da eficiência, da motivação, da publicidade, e da impessoalidade, além, é claro, dos princípios implícitos da Administração, pode ser passível de constituir ato ímprobo. Contudo, deve-se sempre observar a conduta do agente, de modo a verificar a existência de dolo ou culpa para que haja o ilícito.

É possível caracterizar a natureza do dispositivo como residual, uma vez que, estando ausentes o enriquecimento ilícito e o dano ao erário, a norma do artigo 11 será aplicada. Isto porque embora as hipóteses de enriquecimento ilícito e dano ao erário também ensejam violação aos princípios administrativos, apenas a violação do último é que enquadra no disposto do artigo 11.

9 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. In: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 31. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 1117

Pazzaglini faz uma crítica à redação do dispositivo10, pois apesar de seguir a mesma hermenêutica dos demais artigos ao utilizar o termo “notadamente”, esse deixa de elencar quais são os princípios violados para configurar o ato.

Desta forma, conclui-se a exposição acerca das modalidades de atos de improbidade administrativa na Lei nº 8.429/1992, tendo ampliado o tema de maneira categórica se comparado aos atos normativos que a antecederam.

10 FILHO, Marino Pazzaglini. Lei de improbidade administrativa comentada. In: FILHO, Marino Pazzaglini. Lei de improbidade administrativa comentada. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2018. p. 103-104

4 A LEI 8.429/1992 E OS AGENTES POLÍTICOS

Neste momento, será feita a conceituação dos agentes políticos, pela ótica da Lei nº 8.429/1992 e pelas principais correntes que existem na doutrina, com o intuito de delimitar a responsabilização desses pelos atos elencados no dispositivo em comento. É necessário salientar que existem duas correntes majoritárias em relação à conceituação dos agentes políticos.

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