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A ciência moderna e o Direito: jusnaturalismo e

CAPÍTULO 1: EPISTEMOLOGIA, CIÊNCIA E DIREITO

1.3 A CIÊNCIA DO DIREITO: A INFLUÊNCIA DO

1.3.2 A ciência moderna e o Direito: jusnaturalismo e

O paradigma simplista do conhecimento é fruto da modernidade e da sociedade industrial, cujo conteúdo está na ideia construída pela razão. Segundo Prigogine (1996, p. 13), ―a ciência clássica privilegiava a ordem, a estabilidade, ao passo que em todos os níveis de observação reconhecemos agora o papel primordial das flutuações e da instabilidade‖. Trata-se exatamente dos dogmas de verdade e de certeza, pautados em uma racionalidade clássica, elementos estes que permearam a ideia de ciência concebida durante a modernidade.

Mesmo nas ciências sociais, como é o caso do Direito, o progresso se traduzia por uma aplicação das leis científicas à sociedade. Explica Prigogine (2009, p. 52) que todas as ciências deveriam seguir o

modelo proposto pela física e, assim, atingir igualmente a certeza. Como exemplo, o autor cita a lei do movimento de Newton (f = ma). O efeito de uma força f sobre um corpo de massa m é medido por essa massa multiplicada pela aceleração a que a força determina. A característica principal dessa teoria é o seu caráter determinista, típico da ciência moderna e do pensamento que influenciou a construção das bases da Epistemologia Jurídica22.

Verifica-se que a ciência moderna efetiva uma profunda revolução no status quo anterior, que pode ser compreendida ao se perceber a alteração no sentido da natureza: da mesma forma como era inteiramente natural para o pensador medieval compreender a natureza como algo subserviente ao conhecimento, ao propósito e ao destino do homem, passou-se a ter por natural, a partir de agora, concebê-la como algo que existe e funciona por si só, de forma independente do homem (BURTT, 1991, p. 18).

A modernidade vem com toda a força, enquanto resultado do Iluminismo, proclamando, a partir de então, de forma mais incisiva, o racionalismo, o antropocentrismo clássico e o universalismo. Tal período remonta à concepção clássica da modernidade, identificando-a com a racionalização, havendo uma redefinição da modernidade como a relação entre razão e o sujeito, carregada de tensões, assim como racionalização e objetivação, ciência e liberdade (TOURAINE, 1997).

Nas palavras de Giddens (1991, p. 11), modernidade ―refere-se a estilo, costume de vida ou organização social que emergiram na Europa a partir do século XVII e que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em sua influência‖. Os perigos podiam ser identificados pelos sentidos humanos, haja vista que se relacionavam com riscos concretos, vinculados ao maquinário e à poluição gerada pela emergência da Revolução Industrial. A causalidade simples era, pois, suficiente para justificar e oferecer respostas às inquietações humanas. Tudo estava sob o controle e domínio do ser humano, inclusive o meio ambiente. O

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Alguns estudos de Física Quântica são essenciais para a compreensão do pensamento complexo. Na verdade, a aplicação do paradigma da complexidade no Direito exigirá um novo perfil de jurista e, portanto, de ensino jurídico. Uma abertura do Direito com outras ciências, a partir de um diálogo de saberes, é um desafio que deve ser enfrentado. O Direito não é e nem pode ser um minifúndio disciplinar; ele não é mais importante do que nenhuma outra área do conhecimento, motivo pelo qual não se justifica nenhum tratamento diferenciado. Ele deve seguir às novas tendências epistemológicas, o que é inevitável uma religação do elo perdido entre os saberes.

antropocentrismo exagerado, o dogmatismo, a razão como fonte da verdade, tudo isso influenciou as bases da Epistemologia Jurídica.

O pensamento simplista (também chamado de cartesiano), predominante na ciência moderna, cuida de saberes que são desmembrados de forma disjuntiva. Considera a realidade unidimensional, com apenas um referencial, é meramente linear. A relação entre sujeito e objeto é vista de forma dualista, e adota a lógica do terceiro excluído. 23

Por muito tempo, a segurança jurídica foi o contraponto da justiça, sendo ambos considerados os dois grandes pilares do Direito. A dialética remonta ao embate entre positivismo e jusnaturalismo. Segurança injusta ou justiça insegura? A pergunta, como lembra Bonavides (2006), permeou vários debates entre filósofos e juristas durante os séculos XVIII e XIX.

O jusnaturalismo é uma ampla corrente de pensamento jurídico, consoante ensina Marques Neto (2001, p. 133), que engloba ―todo o idealismo jurídico, desde as primeiras manifestações de uma ordem normativa de origem divina, passando pelos filósofos gregos, pelos escolásticos e pelos racionalistas dos séculos XVII e XVIII, até chegar às modernas concepções de Direito Natural formuladas, entre outros, por Stammler (1856-1938) e Del Vechchio (1878-1970).‖

Trata-se de escolas integrantes do idealismo jurídico porque buscam apreender a essência do Direito dentro de um sistema de verdades reveladas, ou como a expressão de uma ordem intrínseca à natureza das coisas, ou ainda como a consagração de princípios válidos em si mesmo, em qualquer tempo e lugar. Em qualquer de suas concepções, o jusnaturalismo configura um obstáculo epistemológico à ciência do Direito, na medida em que está alienado às condições concretas de determinada condições, pois está vinculado a princípios apriorísticos e metafísicos. (MARQUES NETO, 2001, p. 133)

No decorrer do século XIX, o jusnaturalismo inspira várias teorias como o contratualismo, o iluminismo e o racionalismo, que fundamentaram as revoluções liberais marcando o início do Estado Liberal. Naquele contexto histórico, a lei - a regra jurídica - era a única espécie de norma jurídica. Assim, a lei como fonte criadora do Direito, condicionava à validade somente o que estava escrito, sendo a segurança jurídica o valor proeminente.

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Como será visto nos capítulos seguintes, o paradigma simplista não é suficiente para atender aos questionamentos do Direito, tampouco da Epistemologia do Direito Ambiental, inquietação principal dessa pesquisa.

Para garantir os direitos de liberdade (direitos civis e políticos), o Direito era a forma de limitar o poder, evitando o abuso do Estado, em prol da segurança jurídica. Isto se deve ao fato de que, durante aquele período, a necessidade de segurança se sobrepõe à ideia mais elevada de justiça, fazendo com que o direito se circunscrevesse à ordem formal. O que mais se preconizava era a liberdade individual. E, para se garantir a liberdade, era preciso segurança jurídica.

É o que se verifica com a Escola da Exegese e o Código Civil francês, em 1804, marcando o início do movimento pela codificação na Europa. Trata-se de corrente empirista, pois havia a crença de se encontrar no Código a resposta para todos os conflitos, nascendo o fetichismo legal que limitava o Direito ao plano formal, e, por consequência, a liberdade do intérprete. Os ideários jusnaturalistas foram, portanto, incorporados aos textos legais. (BOBBIO, 2006, p. 119)

Com a sacrificação do direito à letra da lei, surgiram movimentos e escolas com o intuito de criticar e buscar soluções para o exagero da Escola da Exegese. É o caso da Escola da Livre Investigação Científica de François Gény, que cria um método científico para resolver as lacunas do sistema francês, utilizando pesquisa de base empírica e sociológica. Por mais que Gény não tenha ousado ir contra a lei, constatou-se que o raciocínio jurídico meramente dedutivo e a legislação por si só não eram suficientes para resolver os conflitos sociais.

Apesar das críticas em torno da codificação, como resultado último e conclusivo da legislação, esta acabou sendo inevitável em quase todos os países da Europa. Nasce o positivismo jurídico que fornece um enorme e ilimitado poder ao legislador para dispor sobre o Direito do modo como bem entender, tendo por base a crença de que a sociedade se deixa reger em absoluto por normas jurídicas em sentido estrito. Ocorre, pois, a ruptura com o direito natural, e a segurança jurídica encontra seu pedestal. Diante de sua preocupação com a pureza do Direito e sua cientificidade, o dogmatismo normativista de Kelsen (1974) identificou Direito e lei – norma-regra, ou seja, o que está posto, confundindo, legalidade e legitimidade.

Acreditava-se piamente no legislador, que representava, de forma fidedigna, a vontade do povo. Era o legislador que tudo queria prever, tudo queria abarcar, momento em que Direito se manifestava apenas por subsunção e silogismos.

Quando os meios de interpretação textual positivistas não eram suficientes para resolver um litígio, o juiz buscava os instrumentos de interpretação extratextual, nas modalidades da analogia legis e analogia

juris. Nesta última, o magistrado recorria aos princípios gerais do

ordenamento jurídico, por meio de um procedimento de abstração e subsunção para completar o sentido da lei. (BOBBIO, 2006, p. 213)

Nota-se, aqui, um avanço em relação ao momento anterior, na medida em que se admite uma aplicação diferida dos princípios como forma de solução das lacunas. No entanto, os princípios não gozavam de normatividade, haja vista que esta só cabia às regras que davam competência ao julgador para aplicá-los, na medida em que o direito válido era o direito posto e, por conseguinte, seguro.

Sobre a valorização da segurança jurídica em relação à justiça, é clássica a afirmação de Siches (1959, p. 224): ―poderá haver Direito injusto ou falho, mas nunca inseguro, pois a ausência de segurança nega a essência mesma do jurídico‖.

Não há dúvida de que a normatividade é uma das características essenciais do Direito. No entanto, além do aspecto normativo, o Direito possui, segundo a teoria tridimensional proposta por Miguel Reale (1994, p. 73), os aspectos ético e axiológico. Observa o autor que ―fato, valor e norma estão sempre presentes e correlacionados em qualquer expressão da vida jurídica, seja ela estudada pelo filósofo ou sociólogo do direito, ou pelo jurista como tal [...]‖. Como se vê, a exaltação da norma jurídica, em seu sentido mais estrito, ou seja, na forma de lei e regra jurídica, sem considerar os fatos e os valores, acaba por desnaturar o próprio Direito.

Oportuna, ainda, a lição de Derani (2008, p. 2-3) acerca da dinâmica do Direito, haja vista que não se trata simplesmente de um conjunto de normas. Para a autora, ―estas são uma manifestação do direito, positivação de normas de conduta, porém não o exaurem. O direito não é uma parte, um estamento da sociedade, é uma prática

social‖.

O conceito de dogmática jurídica, conforme Machado Segundo (2008, p. 7), passa a descrever as normas postas a partir das quais parte o cientista, mas sem que seja possível modificá-las, em um completo descompasso com o caráter de dever ser que deve impregná-las. Se não há pretensão a ser verdade absoluta, faz parte do conhecimento científico, enquanto imprecisão, a presença do erro. Afirma Moles (1995, p. 299-300), então, que ―os mais vagos domínios do conhecimento são, por isso, os mais sujeitos ao erro, pois o falso só aparece neste caso como tal após uma sequência mais longa de procedimentos‖.

A superação histórica do jusnaturalismo demonstra que o Direito não tem como se justificar por fundamentos abstratos e metafísicos de

uma razão subjetiva. Por outro lado, a crise do positivismo jurídico ensina que há um longo caminho entre Direito e norma jurídica e que a ética e a moral, próprias de uma sociedade em constante transformação, não têm como permanecer distantes da ciência jurídica. Nenhum dos dois movimentos consegue mais atender de forma satisfatória às demandas sociais.

No entanto, o senso comum se reabilita, se constrói, na medida em que todo processo de conhecimento também se torna um autoconhecimento. Sujeito e objeto estão cada vez mais integrados e interdependentes. Para Prigogine (1996, p. 14), ―[...] assistimos ao surgimento de uma ciência que não mais se limita a situações simplificadas, mas se põe diante da complexidade do mundo real‖. Diante dessa nova subjetividade, Boaventura Santos (1989; 1994) explica o surgimento de uma ciência pós-moderna, vinculada a uma nova racionalidade, conforme será visto no tópico seguinte.