• Nenhum resultado encontrado

RESULTADOS E DISCUSSÃO

5.1. Contextualização da pesquisa

5.1.1. A cidade pequena

Figura 6 – Mapa conceitual da subcategoria analítica “A cidade pequena”.

Os municípios estudados eram municípios de pequeno porte, ou cidades pequenas, conforme o linguajar popular. Essa caracterização torna-se importante na medida em que o modo de “andar a vida” das pessoas nesse local apresenta-se com características peculiares que devem ser consideradas no momento de se ana- lisar a atuação dos profissionais e as políticas da área da saúde.

Para Mattos (2004, p. 1.414, sic),

os modos de andar a vida não são escolhas das pessoas, mas e- mergem do próprio modo como a vida se produz coletivamente. O modo de andar a vida de um sujeito não pode ser compreendido co- mo dissociado do modo como a vida anda num certo lugar, aonde ele vive.

Resultados e discussão

Nessa mesma perspectiva e de acordo com os participantes da pesquisa, na cidade pequena, a relação entre as pessoas é muito próxima. Vejamos o excerto (1) que segue:

(1) Você faz receita na padaria, dá anti-inflamatório no açougue. Então você pergunta “qual a relação?”, a relação é pessoal, você conhece os pacientes, você conhece o pai a mãe, não todos, mas se ele for duas vezes no consultório, você já começa a conhecer onde ele mora, a situação dele, então a coisa é pessoal. (18SB1.19)

Embora possa haver uma possível sensação de perda de liberdade, uma vez que os profissionais eram abordados fora do local de trabalho e, muitas vezes, em horário de descanso, relataram sentir prazer em ser referência. Isso pode ter a- contecido devido à impressão de terem o domínio sobre a situação, pois, segundo eles, em cidade pequena, muitas atividades dependiam de um único profissional. Além disso, sentiam-se valorizados, devido ao prestígio de conhecerem “todo o mundo”, de se tornarem amigos dos pacientes e de fazerem a diferença na vida das pessoas daquele local. Vejamos os excertos (2) e (3) que ilustram bem esse posicionamento:

(2) Eu falo às vezes seria melhor eu estar no postinho de uma cidade grande, um postinho só meu, que eu não vou ser chefe, ia ser mais fácil, mas é que nem ela falou, às vezes é gratificante, nosso trabalho dá certo, as coisas funcionam e às vezes tem a sobrecarga que pesa pra todo mundo. (18C1.35)

(3) a gente tem que ter respeito por aquelas pessoas que você está atendendo, dá prazer, eu sou amigo do pessoal que eu trabalho, que vem pra eu atender, eu sou amigo deles, eu conheço todo mundo. (17SB1.44)

Em vários momentos, os participantes dos grupos focais utilizaram o termo “cidade pequena” como explicação e/ou justificativa para o modo como as coisas aconteciam no dia a dia da organização, como, por exemplo, ao explicarem:

- A aproximação da população e dos trabalhadores com a gestão, que pode ser depreendida a partir do excerto (4) que segue:

(4) Na cidade pequena, ele (o prefeito) sai na rua e encontra todo mundo. Se você esperar no portão dele você fala com ele a hora que você quiser, na porta da prefeitura. Ele dá até o celular particular para as pessoas. (16C1.7)

Resultados e discussão

- A aproximação da população com os funcionários da UBS, que pode ser de- preendida a partir do excerto (5) que segue:

(5) Isso é bem cidade pequena mesmo. É porque todo mundo observa o que o funcionário está fazendo, não adianta, o pessoal da saúde em cidade pequena é visado. (17C1.17)

- A aproximação entre os funcionários da UBS, que pode ser depreendida a partir do excerto (6) que segue:

(6) Na parte da manhã, ela está na vigilância sanitária e na parte da tarde, ela fica dentro da UBS. Então tudo ela passa na hora, então como a gente trabalha junto, integrado, tudo é na hora, não tem como não saber. E a cidade é pequena também. (17C1.12)

- A sobrecarga de atividades dentro da UBS, que pode ser depreendida a par- tir do excerto (7) que segue:

(7) Cidade pequena é o seguinte, a unidade básica de saúde, por exemplo, está fazendo PSF, está fazendo Pronto Socorro, faz tudo. (18C2.28)

Embora a sobrecarga de atividades possa ser considerada um fator negativo desse contexto, os demais aspectos, aqui levantados, podem ser considerados fundamentais para um bom desempenho dos serviços de saúde, uma vez que todos eles estão ligados aos princípios que são desejados na organização do sistema: gestão democrática e participativa, vínculo com a população e trabalho em equipe (BRASIL, 2011a).

Todos esses elementos serão discutidos mais à frente, mas, em uma análise incipiente, pode-se dizer que, em municípios de pequeno porte, apesar desses facilitadores, existem alguns aspectos da organização, em relação à micro e à macro política, que dificultam o funcionamento do serviço e que geram a sobrecarga de tarefas.

Além disso, a proximidade das pessoas em cidades pequenas pode levar a uma política orientada para os interesses pessoais. Houve referência que a ingerên- cia política interfere na autonomia do gestor, caracterizando uma perda de liberdade que dificulta a coordenação e o desenvolvimento do trabalho (NUNES; CARVALHO;

Resultados e discussão

SANTINI, 2012). Como exemplos de problemas dessa natureza nas regionais pes- quisadas, foram citados:

- a interferência na alocação e na transferência de funcionários de um setor para outro, ou, até mesmo, a ocorrência de demissões por perseguição política;

- a interferência na escala de folgas e férias de funcionários;

- a alocação de pessoas por meio de cargos comissionados (ou de confiança) em funções para as quais essas não tinham qualificação técnica necessária;

- a supressão de penalidades atribuídas a funcionários que causa- ram problemas no trabalho;

- a dificuldade em fazer com que funcionários com respaldo e/ou proteção política cumprissem a carga horária de trabalho, assumis- sem compromissos e executassem suas atividades de acordo com a necessidade do serviço.

Pode-se acrescentar que, em cidade pequena, existe a dificuldade de se co- brar maior comprometimento do colega, tendo em vista a amizade que surge entre os profissionais. Essa dificuldade pode ser constatada em trechos tais como os a- presentados no excerto (8):

(8) não conseguem separar o pessoal e amizade do trabalho, quando a gente não consegue fazer isso acho que tudo acaba “degringolando” mesmo, então acaba acontecendo os conflitos dentro dos próprios funcionários, então a gente acaba lidando com isso também (...) chegaram a se pegar no tapa por questões políticas (...) uma política muito próxima não é somente no poder maior que acaba nos entravando, tem isso também, mas também dos menores (...) cada um quer ver o que é melhor pra si. (16 C1.38)

A descentralização política e administrativa da saúde produziu avanços posi- tivos pela constituição permanente de arranjos decisórios, pactuações e iniciativas de cooperação intergovernamentais. No entanto, ainda persistem algumas dificulda- des, tais como: indefinições de responsabilidades e atribuições, e também indefini- ção sobre uma política de pessoal compatível com as políticas de saúde (BRASIL, 2004b).

Resultados e discussão

Para os entrevistados, com a municipalização, o Ministério da Saúde passou a delegar tudo para o município, causando uma sobrecarga de atividades adminis- trativas sem um planejamento adequado. Eles relataram que, anteriormente, era mais bem definida a porcentagem de repasse das três esferas do governo, mas que, atualmente, recebem um “dinheirinho na conta e o ministério vai empurrando tudo goela abaixo” (18C2.28).

Nesse sentido, para eles, não existe uma estrutura administrativa, com atri- buições bem definidas para os gestores das diferentes esferas de governo. Essa dificuldade traz um reflexo importante na execução do trabalho, tendo em vista que o gestor acaba não gerenciando (ou fazendo uma gerência precária) devido à sobre- carga de atividades. Vejamos o excerto (9) que ilustra as diversas atividades que o gestor assume em um município pequeno:

(9) ele [o gestor] fica para atender paciente também, para não falar não para o paciente, arrumar carro, ir atrás de remédio. (18C2.28, acréscimos do pesquisador)

A descentralização da gestão dos serviços de saúde no país não resultou automaticamente na transferência de capacidade gestora para as esferas munici- pais. Para além disso, potencializou problemas crônicos e desencadeou as mais di- versas soluções e arranjos para que o gestor municipal pudesse executar as propos- tas de reformulação do sistema (PIERANTONI; VARELLA; FRANÇA, 2006).

Esse fato foi previamente constatado e registrado no Plano Diretor em Muni- cípios de Pequeno Porte, publicado pelo Ministério das Cidades, em que figura a necessidade da instituição de políticas específicas para essa categoria de municí- pios, devido à carência de estrutura para o planejamento e à baixa capacidade de gestão urbana para exercer a competência municipal constitucional (BRASIL, [20-- ?]).

No caso da odontologia, o fato de a região ser de pequeno porte foi um atra- tivo para implantação das ESB no PSF. No Paraná, segundo Baldani et al. (2005), 92,64% dos municípios com ESB eram de pequeno ou médio porte. Lourenço et al. (2009) demonstraram que no estado de Minas Gerais, os municípios de pequeno porte correspondiam a um percentual de 76% dos municípios que aderiram ao pro- grama.

Resultados e discussão

Manfredini (2006) explicou que o fato de os municípios maiores já disporem de algum tipo de rede assistencial, mesmo que de baixa cobertura populacional, tal- vez tenha sido um fator que não estimulasse a adoção da estratégia da saúde bucal no PSF.

Viana et al. (2006) e Bordin e Fadel (2012) corroboram com essa explicação e enfatizam que indicadores elevados de provimento em saúde podem estar relacio- nados a piores condições de saúde de uma população, considerando-se a urgente necessidade de alocação de recursos. Ainda segundo os autores, outro fator que pode levar a menores taxas de cobertura está relacionado à dificuldade na implanta- ção da ESF em municípios de grande porte, principalmente até 2003, em decorrên- cia da pressão exercida pelo setor privado em saúde, da política de repasse de re- cursos para o ESF, que priorizava os municípios de pequeno porte, ao vincular o valor transferido à taxa de cobertura do programa, e em decorrência da violência urbana, que repercutia no cotidiano das equipes de saúde da família, contribuindo para elevar a rotatividade profissional.

Destaca-se que nesta pesquisa a cobertura populacional da estratégia Saú- de da Família era de 100% em 75,5% dos municípios (Apêndice A).